Notícia
Vem aí um Orçamento Rectificativo com mais défice?
António Costa diz que não é preciso. Mas o Presidente da República e o próprio PS passaram a desdramatizar abertamente o cenário de o Governo pedir autorização ao Parlamento para fechar o ano com mais défice.
O primeiro-ministro António Costa continua a desvalorizar as previsões das instituições internacionais, dizendo que os planos do Governo se mantêm em pé firme. Mas do Palácio de Belém, da presidência do PS e da bancada parlamentar socialista já começaram a sair declarações que parecem querer abrir caminho para a iminência de um Orçamento Rectificativo.
O que estará lá dentro – mais impostos indirectos, adiamento da descida do IVA na restauração, mais despesa com pessoal? - ainda é largamente incerto, mas a avaliar pelo que disseram nesta semana Marcelo Rebelo de Sousa, Carlos César e Paulo Trigo Pereira duas coisas parecem ser certas: um Rectificativo assumirá que a economia está a crescer menos e que o Estado fechará o ano com um défice mais elevado, o que, a confirmar-se, poderá significar um aumento das necessidades de financiamento e possivelmente a emissão de mais dívida pública.
Se lá fora, a Comissão Europeia nunca escondeu ter dúvidas sobre as contas do Governo - e ainda em Fevereiro, antes mesmo de o Orçamento entrar em vigor, o Eurogrupo pediu um plano B ao Executivo -, cá dentro só mais recentemente o discurso começou a evoluir nesse sentido.
O primeiro alerta, ainda à boca pequena, partiu há um mês de Marcelo Rebelo de Sousa. Foi em Moçambique que o Presidente da República deixou publicamente escapar a primeira manifestação de descrença nos números do Orçamento quando, numa visita a uma escola, desafiou um menino a lançar objectos num copo completamente cheio de água sem entornar uma gota. "Explica lá isso que eu tenho de explicar isso ao Governo (…) Mais despesa, mais despesa, mais despesa e o défice não aumenta. Isso é sensacional!".
Neste sábado, em véspera da visita do Presidente a Berlim, o semanário Expresso fazia manchete com "Marcelo já não confia nas contas de Costa". Regressado das conversas com a chanceler Angela Merkel e confrontado com as previsões mais sombrias da OCDE, Marcelo passou a falar mais claro. "Se as previsões de evolução da economia na Europa e em Portugal apontarem para a necessidade, de Junho até Dezembro, de haver rectificações de percurso, desde que o rumo esteja lá, faz-se as rectificações. Não é nenhum drama", afirmou nesta quarta-feira. "O fundamental é ter um rumo, conter o défice abaixo de 3% e garantir o rigor financeiro. É um compromisso assumido por Portugal" que "este governo vai necessariamente cumprir e essa é a realidade". "Na altura devida se verá como é atingido", acrescentou.
À noite, a mensagem de desdramatização foi repetida pelo próprio presidente do PS. Na Grande Entrevista da RTP, Carlos César admitiu que o défice orçamental possa ficar acima dos 2,2% previstos pelo Governo no Orçamento que entrou em vigor em 1 de Abril e desvalorizou a possibilidade de ter de ser submetido ao Parlamento um novo documento. "Não é avisado entender as previsões orçamentais com um rigor à décima. Não é avisado ter qualquer imutabilidade nesse campo". O objectivo, disse, "é ficar o mais próximo das previsões [de défice] do Orçamento do Estado" e "pode evidentemente haver Orçamentos rectificativos". "A existência de orçamentos rectificativos não é por si negativa", acrescentou.
As declarações do presidente do PS, que chefia igualmente a bancada parlamentar do partido, foram mais tarde secundadas por Paulo Trigo Pereira, deputado independente eleito pelas listas do PS. "Acho que o crescimento vai ser menor do que o previsto no Orçamento", disse o economista no programa 360 graus, na RTP3, acrescentando que "muito provavelmente vai ser necessário rever previsões em Junho, Julho". Para o economista "não virá mal ao mundo" se o défice tiver de ser agravado em "mais duas décimas" para acomodar despesa com pessoal ou medicamentos que admite possa ter sido subestimada no OE em vigor. Quanto à nova recapitalização da CGD – que, segundo o Expresso, poderá custar aos contribuintes quatro mil milhões de euros - Trigo Pereira disse que não terá impacto no défice, apenas na dívida pública. Horas antes, Álvaro Santos Pereira, antigo ministro da Economia, actualmente a trabalhar para a OCDE, afirmara o contrário, antecipando que, nesse caso, o défice disparará para valores superiores ao limite de 3% do PIB fixado nos Tratados europeus.
Costa (ainda) não mudou de discurso
O primeiro-ministro António Costa, por seu turno, continuou a desvalorizar as previsões das instituições internacionais, dizendo que os planos do Governo, embora assentes em números cada vez mais divergentes, se mantêm em pé firme. "Previsões são previsões. (...) As previsões uns dias são melhores, uns dias são piores. (...) O Governo não põe em questão rever os objectivos, que são trabalhar o que é o programa nacional de reformas, trabalhar no que é essencial", disse durante a tarde durante uma visita a uma escola da Amadora.
Todas estas declarações surgiram no dia em que a OCDE reduziu significativamente a sua previsão para o crescimento da economia portuguesa, de 1,6% para 1,2%. Estes números ficam abaixo dos 1,5% registados em 2015 e ainda mais distantes das previsões do Governo, que é cada vez a entidade mais optimista sobre o andamento da actividade económica ao calcular um crescimento de 1,8% neste ano.
Esta desaceleração deve-se em boa medida ao pior desempenho do sector exportador e, sobretudo, à incapacidade de atrair investimento – variável que a OCDE previa há seis meses que crescesse 3% e que agora vê afundar 1,5%. A taxa de desemprego também surge com números mais sombrios: 12,1% neste ano e 11,5% no próximo, que comparam com 11,3% e 10,6%, respectivamente, esperados há seis meses.
Défice colado ao limite perigoso dos 3%
Com menos crescimento e mais desemprego, as contas da OCDE, assim como as da Comissão Europeia, apontam para um défice colado ao limite de 3% do PIB: 2,9% e 2,8%, respectivamente. Já o FMI prevê há largos meses que o défice se mantenha acima dessa fasquia, em 3,2%, o que, a confirmar-se, anularia a possibilidade de Portugal sair do procedimento dos défices excessivos no fim deste ano e agravaria a probabilidade de o país sofrer sanções em Julho por ter falhado esse objectivo em 2015.
Em 18 de Maio, Bruxelas voltou a avisar que são precisas mais medidas de contenção do défice orçamental para este ano e para o próximo, de modo a que Portugal possa cumprir as exigências mínimas das regras europeias e escapar à possibilidade de sofrer sanções. Segundo Bruxelas, isso significa agora atingir, em 2016, um défice nominal de 2,3% do PIB e uma redução do défice estrutural de 0,25 pontos percentuais. Trata-se de metas menos exigentes do que as recomendadas no ano passado ao governo de Passos Coelho quando Bruxelas exigira uma correcção estrutural de 0,6 pontos. Contas feitas, existirá, ainda assim, um "buraco" de 740 milhões de euros no Orçamento deste ano, que ficará sob maior pressão precisamente a partir de Julho, com o regresso das 35 horas à Função Pública, a descida do IVA na restauração e a subida da taxa de reposição dos cortes nos salários públicos acima de 1.500 euros.