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2012 - Gaspar cavou um enorme fosso entre Berlim e Lisboa

Dificilmente algum ministro português foi tão amado lá fora e tão desprezado cá dentro. Vítor Gaspar, a figura do ano, recolhe opiniões diferentes em Lisboa e em Berlim. O Governo tremeu com a TSU, mas esteve bem perto de privatizar a TAP.

Miguel Baltazar/Negócios
27 de Junho de 2013 às 00:01
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Figura do ano

 

Vítor Gaspar recebeu uma herança difícil quando se tornou ministro das Finanças: seria ele o principal responsável pela aplicação do memorando assinado com a troika.

 

Conhecido de Berlim, Vítor Gaspar acumulou um capital de credibilidade incalculável no estrangeiro. Mas em Portugal foi sendo cada vez mais odiado pelos cortes que foi impondo aos portugueses. Um estranho paradoxo que poucos ministros tiveram de enfrentar, escreveu então o Negócios. Vítor Gaspar é o pilar de Pedro Passos Coelho, mas já nem o próprio PSD resiste a criticar algumas das suas decisões.

"O povo português revelou-se o melhor povo do mundo e o melhor activo de Portugal." 

 

Vítor Gaspar, ministro das Finanças, no debate de duas moções de censura, 10 de Outubro

Em 2012, há um antes e um depois do caso da TSU, da derrapagem orçamental e do "enorme aumento de impostos" do Orçamento do Estado para 2013. Neste espaço de tempo, Gaspar passou de herói a vilão, de insubstituível a remodelável. Quando? Talvez mais tarde, eventualmente na campanha para as autárquicas. Os deputados do CDS exteriorizaram mais as críticas, rejeitando subidas de impostos e pedindo para colocar o foco no corte da despesa. No PSD, embora de forma tímida, Gaspar também ouviu críticas. Passou a ser um lugar comum ouvir dizer que o poder do Governo está nas mãos de Gaspar, e não de Passos Coelho.

 

Apelidado de "alemão", "mais troikista que a troika", Gaspar foi considerado o terceiro melhor ministro das Finanças, do ponto de vista político. Wolfgang Schäuble, o poderoso homólogo alemão, chegou a dizer que Gaspar seria um óptimo presidente do Eurogrupo. Gaspar teve elogios do exterior e más notícias dentro de portas. "Está a salvar o País/Está a destruir o País". É neste binómio que Gaspar se posiciona.

 
O que veio a seguir

Vítor Gaspar enfrentou resistências na TSU e teve dificuldades nas receitas fiscais. Por isso, no final de 2012 - e mesmo com uma flexibilização das metas do défice, que poderia ir até 5% - Portugal furou os limites e apresentou a Bruxelas um défice de 6%, uma vez que o Eurostat não aceitou a contabilização da concessão da ANA. O "enorme aumento de impostos" que foi aprovado para este ano deverá ser o último: Gaspar assegurou que em 2014 não vai haver subida de impostos - pode até haver uma redução. Agora, a prioridade do Executivo é cortar na despesa pública e a área eleita para o fazer deve ser o Estado Social. O guião da reforma foi entregue a Paulo Portas e está na fase final. Este ano Portugal deve contrair 2,3% e a troika permite um défice até 5,5%.

 

Facto nacional

Uma taxa que ia deitando abaixo um Governo

 

As mexidas na TSU eram uma ideia antiga de Pedro Passos Coelho. O FMI também foi sempre um defensor desta medida, que reduz os custos salariais das empresas e aumenta a sua competitividade.

 

Apesar de, depois de ter chegado ao Governo, Passos ter desistido dessa ideia - por causa da contrapartida em receita fiscal que seria necessário recolher, voltou a ela em Setembro de 2012. Numa comunicação ao País feita minutos antes de um jogo da selecção nacional, o primeiro-ministro anunciou uma subida da taxa para os trabalhadores e uma descida para as empresas, para amealhar 500 milhões de euros.

 
O que veio a seguir

Passos Coelho ouviu um coro de críticas à intenção de subir a TSU para os trabalhadores e baixá-la para as empresas. Mas o que o terá feito recuar foi a oposição pública de Paulo Portas, que reuniu os órgãos do partido e comunicou que não concordou com a decisão, mas que optou por não a bloquear para não criar uma crise política. A verdade é que a crise já estava instalada. O Governo acabou por recuar na medida, que morreu no Conselho de Estado, e anunciou a subida de impostos para a compensar.

 

Facto internacional

Hollande toma o poder em França

 

François Hollande encabeçou a corrida às presidenciais francesas após o afastamento de Dominique Strauss-Kahn, envolvido num escândalo sexual em Nova Iorque.

 

Hollande fez campanha a prometer uma nova visão para a Europa, assente no crescimento, e foi visto pela esquerda como líder de um novo bloco que iria fazer frente a Berlim e à exigência de consolidação das contas públicas.

 

Eleito a 6 de Maio, Hollande prometeu lançar um imposto de 75% sobre os rendimentos acima de um milhão de euros, colocar a idade de reforma nos 60 anos e criar postos de emprego.

 
O que veio a seguir

O discurso de Hollande, que António José Seguro seguiu atentamente, não conseguiu alterar o paradigma europeu de forma significativa - a tónica ainda está no ajustamento. Em França, Hollande conseguiu aplicar a taxa sobre os ricos, o que levou a que vários milionários tenham adoptado outras nacionalidades. Também baixou a idade de reforma, mas não controlou o desemprego e os seus níveis de aprovação estão em mínimos históricos.

 

Imagem do ano

No 15 de Setembro e em duas greves gerais, o povo saiu à rua

 

As mexidas do Governo nas leis laborais, o corte de subsídios, o aumento de impostos e as mexidas na TSU tiveram o condão de "acordar" a sociedade, que saiu às ruas como já não acontecia desde 2011 para contestar o Governo.

 

No ano passado, o Executivo enfrentou duas greves gerais, uma delas bastante violenta, com confrontos em frente à Assembleia da República. Mas o que marcou realmente o ano foi a manifestação de 15 de Setembro, que colocou centenas de milhares de portugueses nas ruas. Foi a manifestação que virou o ambiente social e político do País, apenas alguns dias depois de Passos Coelho ter anunciado mexidas na Taxa Social Única, que tinham como objectivo baixar a comparticipação das empresas e aumentar a dos trabalhadores. O protesto, pacífico, viu nas ruas pessoas de todas as idades, muitas pela primeira vez. A sociedade engrossou a voz. Todos os estratos estiveram presentes, unidos a uma só voz para protestar contra a austeridade.

 

O Negócios fez o levantamento dos diferentes tipos de portugueses que participaram: entre eles estavam o manifestante, o desempregado, o insolvente, o falido, o sobreendividado ou o pobre.

 
O que veio a seguir

A manifestação de 15 de Setembro, que colocou cerca de meio milhão de pessoas nas ruas em todo o País, contribuiu para forçar o Governo a recuar nas alterações à TSU. Não foi um contributo único, uma vez que Paulo Portas também se opôs, mas terá ajudado. Recentemente, a 2 de Março, teve lugar uma nova manifestação, que segundo a organização terá reunido 800 mil pessoas em Lisboa.

 

Negócio do ano

Privatizações na aviação abrem sector estratégico

 

A venda da TAP era um objectivo antigo do Governo: há mais de uma década que diferentes Executivos tentavam fazê-lo. Com a ajuda (ou será pressão?) da troika, o actual Governo abriu um concurso e até chegou a escolher um vencedor, o milionário Germán Efromovich. O negócio esfumou-se, contudo, porque o investidor não deu garantias bancárias para a compra. O grupo do milionário colombiano, que adquiriu nacionalidade polaca para poder concorrer à TAP, foi dos poucos a mostrar interesse na companhia portuguesa.

 

Já no caso da gestora dos aeroportos, a ANA, as negociações para a respectiva venda decorreram com quatro grupos estrangeiros, e foram os franceses da Vinci a garantirem a compra da empresa, por três mil milhões de euros. O negócio concretizou-se mesmo no final do ano: o Conselho de Ministros decidiu vender à Vinci a 27 de Dezembro. Para não atrapalhar a venda, o Governo pagou 300 milhões à Câmara de Lisboa.

 
O que veio a seguir

A Comissão Europeia validou este mês a compra da ANA pela Vinci, considerando que não viola as regras europeias de concorrência. A operadora francesa tem de pagar a totalidade dos três mil milhões de euros por 95% da ANA até Setembro. O Governo comprou entretanto a participação de 20% que a Região Autónoma da Madeira detinha na gestora dos aeroportos do Funchal e de Porto Santo. Os madeirenses exigiam 100 milhões de euros, o Governo fez o negócio por 80 milhões. Já a venda da TAP continua a estar sobre a mesa, especialmente depois de o Governo ter posto à venda o negócio mais deficitário da companhia - a manutenção no Brasil. Sem essa empresa no pacote, a privatização da TAP torna-se mais atractiva para os investidores. Mas ainda não há datas para a retomar. 

 

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