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2003 - O governador que o Governo e a oposição ouviam

Podia ter sido Jorge Sampaio mas foi Vítor Constâncio. Podia ter sido a Gescartão mas foi a Somague. Podia ter sido a morte do PEC europeu mas foi a vida da economia americana. Podia ter sido um bom ano mas foi um ano de má memória.

27 de Junho de 2013 às 00:01
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Figura do ano

 

O ano foi de recessão e de descrença colectiva. E a política não ajudou. "O governo diz uma coisa, a oposição diz outra. É no governador do Banco de Portugal que toda a gente acredita". É esta a justificação para que Vítor Constâncio, o então governador do Banco de Portugal, tenha sido a figura de destaque de 2003 para o Negócios.

"2003 será o pior ano desta fase da evolução da economia portuguesa."

 

Vítor Constâncio, Vice-presidente do Banco Central Europeu. Em 2003, era governador do Banco de Portugal

Nesta altura, vivia-se um choque em reacção aos excessos praticados na altura da adesão ao euro. Manuela Ferreira Leite, a ministra das Finanças, obrigava à consolidação orçamental e ao aperto do cinto. Constâncio dava um apoio implícito. Era nele que o País via o farol, era ele que seria capaz de conduzir o País para a estabilização. O líder do regulador da banca era considerado um centro de "lucidez" num momento em que os responsáveis políticos estavam mais decididos a não tomar medidas. Eram muitos os elogios aos seus alertas, quando se acusavam ministros de paralisarem reformas em sectores como a energia, o papel ou os transportes.

 

Guilherme d’Oliveira Martins dizia que vários dos avisos de Vítor Constâncio eram "pura e simplesmente incompreendidos". João César das Neves comentava que o governador merecia uma nota positiva à sua avaliação naquele ano, tanto devido às responsabilidades políticas internas como ao papel na representação nacional ou ainda devido à sua "influência na orientação do País.

 

Foi Vítor Constâncio quem apareceu na capa do jornal quando se iniciaram as edições diárias. E deixou alertas. Além de dizer que era indesejável uma OPA hostil sobre um banco nacional, avisou que a recuperação económica só se iria sentir dois anos depois.

 
O que veio a seguir

Constâncio foi elogiado em 2003 pela lucidez com que geriu o País em tempos de crise. Mas, nos anos que se seguiram, foram as críticas negativas que o acompanharam. Esteve, enquanto governador do Banco de Portugal, no centro das atenções por conta das alegadas falhas na supervisão dos casos BPN e BPP e na luta de poderes no BCP. Em 2010, deixou Lisboa e viajou para Frankfurt. Constâncio passou a ocupar a vice-presidência do Banco Central Europeu. Primeiro ao lado de Trichet, agora ao lado de Draghi. Tem nas suas mãos o projecto da união bancária. É o responsável por uma pasta que lhe gerou muitas críticas, nomeadamente de portugueses: a estabilidade financeira.

 

Facto nacional

Os portugueses entram numa depressão colectiva

 

Esperava-se a retoma. Não veio. Pelo contrário. Previa-se, inicialmente, uma contracção que seria, depois, revista em baixa. Mais contracção. O desequilíbrio vinha do lado público e não do privado. As famílias e as empresas tiveram de ajustar as carteiras e as contas em 2003. Mas o Estado não estava a fazê-lo ao mesmo ritmo.

 

Os portugueses passaram a consumir menos, as firmas começaram a investir menos. A despesa pública é que continuou por ajustar. O endividamento público, por exemplo, continuava a subir. Aproximava-se de 60% do PIB. "Para onde vai a dívida pública?", era a questão.

 
O que veio a seguir

Esperava-se o ano da recuperação para 2013. Seria aqui que se começaria a ganhar força. Depois de muitas previsões falhadas, já ninguém acredita nessa ideia e poucos avançam, com certezas, novas datas. A consolidação orçamental mantém-se, tanto do lado público como privado. O Estado está a cortar nas gorduras, mas a economia está a contrair, o que leva ao aumento do endividamento. Não há ainda resposta ao caminho que a dívida pública percorrerá. Mas, em dez anos, o valor duplicou. 


Facto internacional

Os EUA voltaram a ser o motor do globo

 

Com os receios relativos à Guerra do Iraque a abrandarem, a economia norte-americana conseguiu ganhar força em 2003. Foi, aliás, o motor do crescimento global. A contribuir para este comportamento esteve, em parte, a Reserva Federal, que baixou os juros de referência para 1%, aquele que, na altura, era um mínimo de quase meio século.

 

Foi um ano de política expansionista, com a despesa pública a disparar e os impostos a resvalarem. E a economia a responder. Temia-se o que podia vir por aí, mas o momento era de festa por se terem cumprido as expectativas.

 
O que veio a seguir

Os EUA passaram por uma forte crise financeira, iniciada em 2007, que foi o motor de uma crise global. Crise da qual o mundo desenvolvido ainda se está a tentar erguer. Neste momento, a Reserva Federal tenta ajudar a economia a recuperar-se. Os juros estão em mínimos históricos, perto de zero. Está em debate a redução das medidas de estímulo àquela que ainda é a maior economia do mundo. Mas há países a crescer mais depressa.

 

Imagem do ano

Um grande buraco. Que se tornou cada vez mais profundo

 

"Tudo aquilo que podia correu mal, correu. A economia em recessão. O desemprego em alta. As famílias com os rendimentos sacrificados. As empresas com os negócios parados. A Europa estagnada e as incertezas geopolíticas que mantêm este mundo em sobressalto". 2013? Sim. Mas não. 2003. As palavras são do então director do Negócios, Sérgio Figueiredo. "Um ano (quase) para esquecer". Era o sentimento que dominava. Daí a escolha do autocarro afundado para ilustrar o ano. O País "bateu no fundo", lia-se.

 

O pessimismo das famílias chegara a tocar no valor mais baixo de sempre (até à altura). Para ajudar, 2003 foi o ano do escândalo da Casa Pia, com a prisão do apresentador de televisão Carlos Cruz.

 

No resto do mundo, a Guerra do Iraque trouxe receios para os negócios, para as economias, para a sociedade. Foi neste palco que morreu o enviado especial Sérgio Vieira de Melo. Uma das poucas coisas boas - que fez com que o buraco do autocarro não fosse maior - foi a subida das bolsas mundiais, movimento ao qual Lisboa não escapou. O índice de referência do mercado nacional ficou, em 2003, em terreno positivo. O verde não tingia o PSI-20 desde 1999. 

 
O que veio a seguir

Portugal bateu num fundo ainda mais profundo. Dez anos depois, o desemprego está mais alto (aproxima-se dos 18%). A recessão económica é intensa e prolongada. As famílias continuam sacrificadas. As empresas - as que se mantêm abertas - não têm dinheiro para investir. A Europa está a contrair e o mundo continua em tensão. Se a fotografia fosse de 2013, pouco mais do que a cauda do autocarro escaparia ao buraco. 

 

Negócio do ano

Somague passa a falar espanhol

 

O buraco engoliu o autocarro. A Sacyr engoliu a Somague. Foi só no final do ano, mas foi suficiente para ser o negócio de 2003. Um acordo, assinado em Dezembro, integrou a construtora nacional Somague na Sacyr Vallermoso. A espanhola comprou a participação do BPP na portuguesa. O negócio foi avaliado em 180 milhões de euros. Mais que o dinheiro, as atenções estavam viradas para o investimento espanhol. Era uma absorção?

 

No final do ano, a operação ainda era incerta. As dúvidas no sector ainda eram muitas. Qual o impacto do negócio no sector da construção português? O racional da operação estava relacionado com a actuação concertada nos mercados ibérico e sul-americano. Do acordo, fazia parte a entrada do presidente da Somague, Diogo Vaz Pinto, no capital da Sacyr. Depois, ainda veio a OPA. E o lançamento da espanhola no mercado nacional. Na primeira sessão em bolsa, a Sacyr Vallermoso surpreendeu pelo elevado volume. 

 
O que veio a seguir

Depois de adquirir 90% do capital social da Somague, a Sacyr lançou uma oferta pública de aquisição sobre o restante capital. Passou a deter 99,2% da empresa nacional. "[O negócio] irá contribuir para o desenvolvimento de novas áreas tais como a eólica, o mercado da água e saneamento, as obras portuárias permitindo também o acesso ao mercado brasileiro". A Somague está no Brasil desde 2007 e ainda este ano reforçou aí a sua presença, com a construção de estações de metro em São Paulo. Dez anos depois, a portuguesa continua integrada na congénere ibérica. Ao longo deste tempo, a Sacyr foi mesmo lançada na praça nacional, a par da cotação noutros mercados. Essa aventura terminou em 2012. Depois de tocar nos 48 euros em 2006, saiu a valer 2,09 euros por acção. A Bolsa de Lisboa engoliu a Sacyr. 

 
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