Notícia
2010 - Um Orçamento e três PEC para domar o défice
A maior crise financeira do milénio desgastou a imagem de Teixeira dos Santos e contribuiu para fechar empresas e despedir milhares de portugueses. O resgate da Grécia aumentou a pressão sobre os periféricos e Passos iniciou a caminhada do poder.
Figura do ano
Fernando Teixeira dos Santos foi a figura do ano que antecedeu o pedido de ajuda externa. Aceitou manter-se como ministro das Finanças no segundo mandato de Sócrates e começou 2010 a todo o gás, a negociar medidas de austeridade que haveria de ver materializadas, em Março, no primeiro de uma série de quatro PEC – Programa de Estabilidade e Crescimento. As verdadeiras medidas de austeridade, contudo, apenas conheceriam a luz do dia depois de a Grécia ter pedido ajuda externa, a 23 de Abril.
"Portugal reduzirá o seu défice orçamental em 2010 em dois pontos percentuais do PIB."
Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, 9 de Novembro de 2010
Em Maio, portanto, surgiu o PEC 2, após acordo com o PSD. Nessa altura, a pressão do ministro das Finanças sobre Sócrates ajuda o primeiro-ministro a voltar-se para a consolidação das contas públicas e não apenas para o estímulo à economia. Antes do Verão, com a aparente fragilidade de Sócrates, até se fala na possibilidade de Teixeira dos Santos ser o novo primeiro-ministro, também pelo apoio que recebe de Cavaco Silva.
Depois do Verão, tudo se complica para o ministro. Remetido ao silêncio durante muito tempo, começa a especular-se sobre a sua falta de vontade para aplicar a austeridade exigida por Bruxelas e pelos mercados. O défice começa a ficar indomável nesta altura, por causa do sector da saúde. O PEC 3, que coincide com o Orçamento do Estado para 2011, inclui medidas que tocam no bolso das clientelas partidárias e da classe média, o que acende o rastilho do descontentamento. Teixeira dos Santos disse ao Expresso que seria preciso pedir ajuda externa caso os juros da dívida a 10 anos passassem os 7%. Para o Negócios, personificou a crise e a batalha contra a crise, sendo por isso a figura do ano de 2010.
O que veio a seguir
Teixeira dos Santos garantiu que o défice ia cair dois pontos face ao ano anterior. Ele de facto acabou por cair, até porque em 2009 registou-se um dos défices orçamentais mais altos de sempre (10,2% do PIB). Em 2010, depois de sucessivas revisões - primeiro para acomodar prejuízos do BPN e a reclassificação de empresas públicas, depois para incluir o impacto de três Parcerias Público Privadas, e finalmente para somar o "buraco" da Madeira - o défice cifrou-se em 9,8% do PIB. Houve uma queda, mas não como o ministro previa. Teixeira dos Santos acabaria por deixar o Governo poucos meses depois do início de 2011, tendo forçado o pedido de ajuda externa numa altura em que já estava quase de relações cortadas com José Sócrates. Agora, é professor na Faculdade de Economia do Porto.
Facto nacional
Falências e despedimentos avolumam-se
Em 2009, "caíram" na insolvência a Qimonda, então a maior exportadora nacional, e a Aerosoles. Em 2010, o movimento de fecho de portas continuou e ganhou força, e as filas dos centros de emprego a começaram a engrossar. Foram mais de 3.600 falências, o que levou então o número de desempregados para os 600 mil.
Houve despedimentos na Olecom, Marsans, Chip7, na Delphi, na Visteon, na Groundforce, na Estoril-Sol, e até na Controlinveste, detentora de jornais com o "Diário de Notícias". Houve até empresas a despedir trabalhadores por SMS. Mas muitas outras empresas não fizeram as manchetes dos jornais.
O que veio a seguir
Ainda que a Nanium, que resultou na Qimonda, já esteja a chegar aos 600 trabalhadores, ainda não conseguiu recuperar os 1.500 despedimentos de 2009. Num panorama mais geral, as falências continuaram a crescer e, só no ano passado, entraram em insolvência mais de sete mil empresas. O desemprego, esse, já está bem longe dos níveis registados em 2010. No segundo trimestre deste ano, segundo dados do INE, estavam desempregados 952 mil portugueses, um número que vai continuar a subir.
Facto internacional
Grécia é resgatada e a Zona Euro cai
George Papandreou chegou ao Governo e encontrou uma situação terrível: contas fora de controlo e dados "martelados" para esconder buracos financeiros da Europa. A crise das dívidas soberanas recebeu um impulso forte da Grécia.
Depois dos estímulos, as agulhas europeias começavam a virar-se para a consolidação. O risco da Grécia para a Zona Euro fez disparar os custos do financiamento de Atenas no mercado, tornando-o incomportável. Papandreou fez de tudo mas não conseguiu evitar, a 23 de Abril de 2010, um resgate de 110 mil milhões de euros.
O que veio a seguir
A Grécia foi a cobaia da Europa e do FMI na resolução dos resgates, e a primeira vítima do ajustamento para colocar as contas em níveis saudáveis. O primeiro resgate aos gregos revelou-se rapidamente insuficiente, tendo sido acordado um segundo, de 109 mil milhões de euros. Os gregos têm reagido à austeridade com muita violência e nem dois novos chefes de Governo nem um perdão de dívida de 50% parecem ter resolvido as coisas.
Imagem do ano
Passos Coelho ganha o PSD e começa a ameaçar Sócrates
Pedro Passos Coelho subiu para a ribalta social-democrata em 2010. Depois de, em 2008, ter sido derrotado por Manuela Ferreira Leite. Passos Coelho, ex-presidente da JSD e administrador de empresas de Ângelo Correia, foi novamente disputar, em Março de 2010, a liderança do partido, desta vez contra Paulo Rangel e com José Pedro Aguiar Branco. Não só venceu como convenceu: o novo líder recolheu 61,2% dos votos dos militantes sociais-democratas, deixando a grande distância Paulo Rangel, que obteve 34,4% dos votos.
Aguiar Branco teve um resultado marginal (3,42%). Passos Coelho foi eleito presidente do maior partido da oposição, mas não pôde fazê-lo no Parlamento, uma vez que não foi incluído na lista de deputados apresentada por Manuela Ferreira Leite, com quem se incompatibilizou. A liderar a bancada laranja estava Miguel Macedo. Passos Coelho deve grande parte da sua vitória ao trabalho de sapa de Miguel Relvas, que convenceu as bases a apoiá-lo. Uma das primeiras propostas de Passos Coelho foi uma revisão constitucional, que acabou por ser posta na gaveta. Mas Passos começou aí a pressionar Sócrates.
O que veio a seguir
Passos Coelho teve uma ascensão meteórica: foi eleito líder do PSD em Março de 2010, um ano depois o seu partido bloqueou o PEC 4, forçando eleições antecipadas, e em Junho de 2011 já era primeiro-ministro. Passos Coelho levou para o Governo um dos adversários que derrotou na corrida ao PSD (Aguiar Branco), o então líder parlamentar (Miguel Macedo) e também Miguel Relvas.
Negócio do ano
PT vende à Telefónica a posição na Vivo
Em 2010, a espanhola Telefónica cortejou a PT por causa da participação de 50% que a operadora portuguesa detinha na Brasilcel, "holding" que controlava 60% da operadora brasileira Vivo. Uma primeira proposta do gigante espanhol, de 7,15 mil milhões de euros, foi aprovada por 75% dos accionistas da empresa, mas rejeitado pelo Estado, que chumbou o negócio graças à "golden share" que detinha na empresa. O Governo considerava o Brasil um mercado estratégico para a PT, pelo que não quis que o Brasil desaparecesse do mapa.
Nem um mês depois, a Telefónica voltou à carga, oferecendo 7,5 mil milhões de euros pela mesma participação na Brasilcel. Desta vez, a proposta foi aceite porque previa a assinatura de um memorando de entendimento para a entrada no capital de outra operadora móvel brasileira - a Oi. Dessa forma, o negócio agradou ao poder político e aos accionistas - e ainda sobrou muito dinheiro.
Depois da venda da Vivo à Telefónica, ficou previsto que a PT iria tratar da entrada na Oi em Janeiro de 2011. O comunicado enviado à CMVM estabelecia que o acordo "prevê a constituição de uma parceria estratégica entre a Portugal Telecom e as empresas do Grupo Oi com uma participação económica da Portugal Telecom, directa e indirecta de 22,38%". Esta participação custou 3,5 mil milhões de euros, exactamente metade da participação vendida à Telefónica. Os acordos de parceria e investimento entre PT e Oi foram assinados logo a 26 de Janeiro, altura em que a PT passou a deter 22,4% da Oi. E a Oi também comprou 10% da PT, por 750 milhões de euros. Mais recentemente, o CEO da PT, Zeinal Bava, assumiu a presidência executiva da Oi, o que alimentou cenários de fusão entre PT e Oi.