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Virgolino Faneca foi à raiz do problema de Madonna e voltou
O caso da encomenda de Madonna deve ser tratado como um assunto de interesse nacional. Virgolino Faneca conta o que efectivamente se passou e avança com uma solução para o problema.
Minha dilecta prima. Acuso a recepção da tua carta onde me pedes que esclareças as últimas sobre a senhora dona Madonna que muito nos prestigia por ter escolhido Portugal, mais concretamente Lisboa, como sua nova morada.
A senhora dona Madonna chega à dona Suzete dos correios, apresenta-se como tal, e diz: menina estou aqui para levantar uma encomenda, e ouve como resposta, em português esganiçado: não há aqui nenhuma encomenda para uma "Mandona", só para uma tal Luísa "Ciclone", ou "Chicone" ou seja lá o que for, porque esta caligrafia não presta nada.
E não serviu de nada a Madonna dizer, essa sou eu, porque a dona menina Suzete, ciosa no cumprimento da lei dos correios, atirou-lhe com o pedido fatal: então mostre-me lá o cartão do cidadão. E a Madonna, que não percebeu bem, ainda piorou as coisas ao dizer, só tenho American Express e Visa. E a dona Suzete: olha-me estes estrangeiros, vêm para cá e lá porque têm dinheiro pensam que podem fazer pouco de nós. Com que então American Express… Olha, filha, sem cartão do cidadão, bem que podes pedir que daqui não levas nada, o melhor é desamparares a loja que eu tenho de vender umas sardinhas em loiça e três livros de auto-ajuda ao Aniceto que está aí atrás a tirar-te as medidas, como se tu valesses alguma coisa, quando nem o cabelo sabes pintar em condições.
E de nada valeu a Madonna mostrar-lhe o passaporte. Isso é para viajar e aqui não dá para nada, excepto para viajares daqui para a rua, retorquiu ácida a dona menina Suzete, enquanto ajeitava os óculos no nariz adunco.
É por isso que vês aquela imagem que a senhora dona Madonna publicou no Instagram, com o cabelo deslavado, a preparar-se para escrever uma carta. A carta era destinada ao senhor ministro dos Negócios Estrangeiros a pedir-lhe ajuda para desbloquear o assunto. Só que Augusto Santos Silva despachou para a ministra da Administração Interna, e Constança Urbano de Sousa, que tem mais com que se coçar, varreu para a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, que por sua vez atirou para o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que sem delongas empurrou com a barriga para o presidente dos CTT, Francisco Lacerda, o qual convocou uma reunião da comissão executiva que se deverá realizar na próxima semana para debater o assunto. O dossiê queima porque ninguém quer ser acusado de favorecimento (vide viagens Galp, Oracle, Microsoft) e de ajudar uma camone, quando os de cá andam ao tio, ao tio.
O que ninguém sabe e te revelo em primeira mão, Hermengarda, é que estes dois factos estão intimamente ligados. Ouve-se agora um rufar de tambores destinado a criar suspense. Segue-se um silêncio. E um novo rufar de tambores para aumentar o dito suspense. Mais um silêncio. Porra, que já chega de encanar a perna à rã (pensamento de mim para mim que o leitor poderá subscrever). Está bem. Avanço para a revelação: a encomenda que a senhora dona Madonna foi impedida de levantar pela menina dona Suzete contém tintas destinadas a pintar as raízes do cabelo. Sem elas, a senhora dona Madonna parece uma daquelas senhoras que vende o seu corpo em troca de pouco dinheiro, devido à sua fraca figura.
Por isso, o desbloqueamento da encomenda da senhora dona Madonna é um assunto de interesse nacional, porque está em causa a imagem do país. Já que os ministros, os secretários de Estado e o presidente dos CTT estão a procrastinar, é imperiosa a intervenção concomitante do professor Marcelo e do doutor Costa. A bem da nação. Não achas, Hermengarda?
Um beijo afectuoso deste que te estima,
Virgolino Faneca
Quem é Virgolino Faneca
Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.