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Virgolino Faneca dissecou as manhãs da TV e ficou chalupa

Os programas da manhã das televisões generalistas são um verdadeiro mundo de revelações. Quer um exemplo? Aqui vai. Sabia que Cristina Ferreira irá ser Presidente da República? Não se ria porque o oráculo Goucha é infalível.

Duarte Roriz
15 de Setembro de 2017 às 17:00
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Amigo Nicolau,

Muito agradeço a confiança que depositaste, investindo-me de crítico dos programas da manhã das televisões generalistas. Foi uma tarefa que tomei a peito e como todas as outras partes do corpo, especialmente os olhos e as orelhas, embora atemorizado pela sombra tutelar do guru da crítica dos meus tempos, o lendário Mário Castrim (se o nome não lhe diz nada, pergunte aos mais velhos ou então pesquise na internet porque nesta paróquia não habita o didactismo). Mas a que não pretendo dar continuidade.

Devo dizer-te que escolhi um dia bom para a execução desta espinhosa missão (repare na beleza dos lugares comuns). A 13 de Setembro, o Você na TV, da TVI, celebrou 13 anos da dupla Cristina Ferreira/Manuel Luís Goucha e levou 13 convidados que viram a sua vida mudar (para melhor, claro está) depois de surgirem na pantalha, ladeados pela senhora de voz esganiçada e o senhor que veste casacos feitos com tecidos de cortinados. Após a dissecação crítica do dito, não pude evitar o paralelismo mental com os 13 convivas da Última Ceia e do azar que isso trouxe a Jesus, portanto, tendo findado este escrito, fui logo comprar uma pata de coelho a uma loja dos chineses.

Mas adiante. Pelo Você na TV ficámos a saber que Cristina Ferreira será, se assim o aprouver, a próxima Presidente da República, palavra de Manuel Luís Goucha, na medida em que ela (a Cristina) consegue tudo o quer, começando pelo facto de ter prometido e alcançado o feito de apresentar o programa com ele. Manuel Luís, em abono da infalibilidade da sua previsão, lembrou também que um dia apertou a mão a Pedro Passos Coelho e lhe disse, o senhor ainda irá ser líder do PSD. E foi o que se viu. Ora toma, Maria Helena!

E por falar em Maria Helena, da SIC, é agora a vez de sublinhar o brutal alinhamento do Queridas Manhãs da estação de Carnaxide, apresentado por Júlia Pinheiro (que perdeu o título de diva das esganiçadas para Cristina Ferreira) e João Paulo Rodrigues. Um exemplo. O Queridas Manhãs começa por apelar aos telespectadores para jogarem o Furo da Sorte, vá lá, telefone, xis euros mais IVA e pode ser que ganhe mil euros e logo a seguir dá voz a uma especialista em poupança que ensina, de forma clara e estratégica, a atingir este desiderato. Só não disse o óbvio, comece por não ligar para estas coisas tipo Furo da Sorte porque as possibilidades de ganhar são ridiculamente ínfimas e as de gastar mais são 100% garantidas.

E depois apareceu o senhor Cláudio Ramos, a apresentar um chamado Jornal Rosa e a avisar que ia falar de um assunto sério, a situação aparentemente limite da dona Cristina Caras Lindas, sublinhando que o fazia porque um jornal rosa não serve apenas para falar de cenas bonitas ou de fofocas inócuas, mas também de dramas. Está bem, abelha! Ou, como facilmente se percebe, eis um cromo a querer ganhar audiências à custa da desgraça alheia.

Por fim, uma menção ao programa RTP Mais Perto, que no dia 13 estava na Bairrada com o Jorge Gabriel e a Tânia Ribas de Oliveira, tendo-se ficado a saber que o vinho da região afinal é bom e que o único produto a martelo está mesmo nos músicos convidados para abrilhantar o dito. No meio há uma espécie de subprograma (uma rubrica, em linguagem técnica), apresentado pelo José Carlos Malato, denominado A Minha Mãe Cozinha Melhor Do Que A Tua. Malato revelou que quer dar o seu contributo para a história da culinária, tendo um predicado que o habilita a tal, dois pneus Michelin (disse-o apalpando as partes laterais do abdómen), o que significa que já não lhe falta tudo para chegar às estrelas Michelin.

Posto isto, o que me resta, Nicolau, é declinar a tua proposta de fazer de mim crítico de TV residente, evocando para tal a resposta dada por Mário Castrim, quando Maria Augusta Silva lhe perguntou em Agosto de 1992: como fica um homem depois de ter passado uma vida em frente de um televisor para fazer crítica? "Fico doente, infeliz, chalupa, cadastrado, diminuído, esmagado, triturado." Para mim, foram duas horas intermitentes e tive de ir a correr tomar comprimidos para os nervos.
Espero que entendas a minha escusa, visto que a minha sanidade mental correria sérios riscos. Um abraço deste que te estima,

Virgolino Faneca


Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.

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