Notícia
Virgolino Faneca faz género com a problemática dos géneros
Em nome da igualdade de género, Virgolino Faneca sugere uma alterações radicais nos dicionários e nas gramáticas. É ler. Amigos de todos os géneros.
Sei que o senhor professor já não está entre nós, mas ainda assim acredito que esta carta irá chegar até si, dado que é considerado o pai do novo dicionário português e o assunto que me move, sem que eu saia do lugar, tem precisamente a ver com isso.
Para o contextualizar, informo que a polémica voltou à ribalta devido a um livro de exercícios da Porto Editora com duas versões, uma para menino e outra para menina, algo que foi considerado como uma discriminação de géneros e levou mesmo o Governo a intervir pedindo à empresa que retirasse o livro de circulação, sendo que esta aquiesceu. Já tinham existido questiúnculas sérias pelo facto de o McDonald's ter brinquedos para meninas e meninos. Um dia destes também iremos assistir à batalha pela imposição de todos fazerem chichi da mesma maneira, ou de pé, ou sentados (possivelmente far-se-á um referendo sobre esta matéria) e fazer regressar a tese de que os bebés, afinal, chegam mesmo de França transportados por cegonhas.
Mas estas questões são minudências quando comparadas com a revolução não-discriminatória que se impõe gradualmente e vai inevitavelmente chegar aos dicionários e às gramáticas. Neste medida, o desafio que lhe lanço, professor Torrinha, é o de que seja o fautor de uma revolução linguística, a qual passa por tirar o género a todos os adjectivos, substantivos, etc, porque tal constitui a pedra basilar da perversão que dá lastro a esta horrorosa discriminação.
A proposta que lhe lanço é radical mas é indubitavelmente, perdoe-me a imodéstia, a panaceia para este mal. Nos futuros dicionários (alô, alô, Porto Editora!) passa-se tudo a género indefinido, condição gramatical que já é atribuída a alguns artigos e pronomes, resolvendo-se o problema de uma assentada. Sendo assim, vamos poder escrever, sem que isso seja considerado um erro, a primeira-ministra, António Costa, a Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa ou o ministro da Justiça, Francisca Van Dunem. E palavras como mulher ou homem, feminino ou masculino, terão mesmo de ser erradicadas, para não ferir susceptibilidades e alimentar o preconceito. Passa-se a dizer, indiscriminadamente, a pessoa ou o pessoa e obriga-se o (a) pessoal todo a fazer depilação ou, em alternativa, a deixar crescer a barba, que isso de falar em buço também é discriminatório.
Isto já para não falar de livros onde existe claramente uma discriminação por via da raça, do sexo, ou de outra condição que incomode um qualquer grupo, não importa qual, porque temos de ter um país asséptico.
No fim disto tudo, Portugal vai ser uma espécie de Clube do Bolinha, versão 3.0, ou seja, quem tiver género não entra.
Será que o professor Torrinha pode dar uma ajuda ou indicar quem o possa fazer para atingir este telúrico desiderato?
Atenciosamente,
Virgolino Faneca
Quem é Virgolino Faneca
Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.