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Rui Peres Jorge - Jornalista rpjorge@negocios.pt 03 de Dezembro de 2017 às 19:00

Porque Centeno deve ir para o Eurogrupo

Mário Centeno tem revelado imaginação a encontrar soluções políticas que satisfaçam o acordo entre PS, PCP e Bloco de Esquerda, o que só pode jogar a seu favor para um cargo como o de Presidente do Eurogrupo. Além disso, atingiu as metas a que se propôs, identificou bem os erros do passado e as prioridades nesta fase do ciclo económico.

O Camilo Lourenço defendeu aqui há uns dias no Negócios que Mário Centeno não deveria ir para o Eurogrupo, em parte porque perdeu o controlo das contas públicas em Portugal com o recente acordo com os professores. Acho que o Camilo não tem razão.

O acordo com os professores, se para alguma coisa serve, é para mostrar precisamente o contrário. Primeiro porque Mário Centeno, que não controla todo o processo negocial, acabou por ficar com mais garantias do que a contraparte. Depois porque a experiência adquirida num governo com estas características só pode jogar a favor de quem quer ocupar um cargo onde se jogam 19 interesses, muitas vezes divergentes. Mas as vantagens da ida do português para o Eurogrupo estão longe de se esgotar aqui.

Para quem como eu tem criticado as políticas dos últimos anos na Europa, e em particular os "Erros da troika em Portugal", uma das principais vantagens de Centeno é a crítica construtiva que tem oferecido ao debate.

Apontou, com acerto, as falhas do programa de ajustamento do anterior governo e da troika, em particular o excesso de austeridade, o enfoque exagerado nas medidas de liberalização e nos cortes salariais, e a desvalorização da importância fulcral da recuperação do sector financeiro.


Enquanto ministro das Finanças, aliou qualidade técnica na definição e implementação de políticas, à capacidade de garantir resultados, um elemento central para a confiança nas economias, em particular depois de um período traumático como um terceiro resgate em três décadas. Além disso, identificou correctamente as três prioridades económicas nesta fase do ciclo económico: aliviar pressão sobre os rendimentos, cumprir metas europeias sem querer ir mais longe que as regras, e estabilização do sistema financeiro.

Finalmente, na frente europeia, e já com a presidência do Eurogrupo no horizonte, não hesitou em defender que a Zona Euro está a criar divergência e não convergência entre Estados-membros, avisando que é um poderoso combustível para os populismos. É por isso que defende reformas estruturais mais inteligentes adaptadas a cada país, e instrumentos comuns de estabilização, como seguros comuns de desemprego.  

Se me perguntarem se fez tudo bem, acho que não. Gastou provavelmente dinheiro a mais com a banca, a começar pela resolução do Banif, depois com a reestrutrução dos empréstimos ao Fundo de Resolução, e provavelmente também com a restruturação e recapitalização da CGD, onde ainda se envolveu numa polémica que quase lhe custou o lugar. Além disso tem pecado na informação e contas que presta sobre contas públicas, e em 2018 deveria provavelmente imprimir mais ambição à redução de défice, dada a recuperação europeia. Também gostaria de ver mais ideias de reforma para além das políticas de rendimentos. Mas, contas feitas, o balanço é positivo, e os seus resultados mostram na Europa que mesmo dentro do estreito espectro de possibilidades da união monetária, há políticas alternativas. Haja quem as saiba imaginar e implementar.

É claro que a sua eleição não chegaria sem riscos para Portugal e para o próprio. Os trabalhos em Bruxelas podem desfocá-lo da exigente situação política e orçamental nacional, como temia o primeiro-ministro que hesitou na candidatura e tem avisado o Presidente da República. A sua capacidade de gerar consensos, ingrediente central do sucesso no Eurogrupo, está por testar e a atitude muitas vezes confrontacional que adopta pode não ajudar. Acresce que a liderança de 19 ministros de uma Europa desconfiada, onde está em minoria e representa um país pequeno, pode acabar em imobilidade.


Mas onde há risco, há também ganhos possíveis. A sua preparação técnica, experiência política e disponibilidade para o confronto de ideias poderão elevar o debate em Bruxelas que bem precisa (e com ele a imagem de Portugal). Pelo caminho, os portugueses, que estão demasiado afastados da política europeia, serão convocados à reflexão sobre temas que cada vez mais condicionam as suas vidas.

Finalmente, e apesar das limitações dos poderes de um Presidente, Mário Centeno estará numa posição privilegiada para contribuir para convergências em torno de políticas mais ambiciosas e originais a favor da convergência europeia. Por pouco que seja, já será importante para uma Europa que com a crise perdeu o seu brilho e precisa de abrir horizontes. 

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