Opinião
Assustador
Se o que acaba de se passar com Marcelo Rebelo de Sousa é o que parece, há um nome para isso: censura. Não há como dar-lhe a volta, inventar atenuantes ou encontrar eufemismos. O caso é gravíssimo e perturbador, tanto por aquilo que revela como por prátic
E cada um vê os que quer.
Um ministro de um governo incomodado com as críticas de um comentador televisivo, faz um desabafo público, que assume contornos patéticos quando se sabe que ele é um destacado militante do partido que se queixa.
Três dias depois concluímos que os patetas, afinal, somos todos nós. O comentador deixa de o ser após uma conversa suscitada pelo presidente do Conselho de Administração da empresa que detém esse canal de televisão.
Miguel Paes do Amaral, não deixou, de repente, de gostar das audiências, da influência e das receitas associadas que Marcelo Rebelo de Sousa lhe dava. Nem sequer se levantou na manhã de ontem preocupado com a falta do «princípio do contraditório» que nunca existiu nos quatro anos em que Marcelo esteve na TVI. Esse tipo de preocupações estariam mais bem entregues à direcção de informação do que à administração.
Mas também não se pense que o presidente da Media Capital perdeu, ainda que momentaneamente, a racionalidade inerente ao negócio.
Por isso, o que importa perguntar é o que ganha a TVI por deixar de ter, de forma tão pronta e zelosa, um «ex-libris» como Marcelo.
Haverá um deve e haver com o Governo?
Nem nos passa pela cabeça que a partilha da Lusomundo, que se adivinha próxima, possa ter alguma coisa a ver com isto. Nem o negócio da televisão digital terrestre, que vai ser reabilitado. Nem com transmissões de futebol «a um preço simpático» (a expressão atribuída por José Eduardo Moniz à sua administração). Nem com mais canais no cabo ou o que quer que seja onde possa aparecer uma mão amiga, mas longa e invisível, de um ministro ou outro.
Num país que se tem por civilizado e bem frequentado nada disto pode ser uma possibilidade.
Mas têm sobrado nos últimos meses os sintomas de fortes tentativas para controlar a informação. E essas investidas assumem várias formas.
Da criação da central de informação governamental, até nomeações politicamente cirúrgicas em certos grupos de comunicação social. De entorses em linhas editoriais de jornais ditos de referência até ao tráfico de notícias como moeda de troca de comentários e editoriais mais simpáticos.
Isto só acontece porque se conjugam três factores: um excessivo poder do Estado nos media (grupo do Estado, Lusomundo, atribuição de licenças para certos negócios), gente com menos escrúpulos em certos cargos da governação e debilidade de direcções editoriais dos órgãos.
O assunto é muito sério e mexe com a essência de um regime democrático. E não há nenhuma reforma sectorial (rendas, função pública, justiça, etc.) que valha limitações à liberdade de opinião.