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25 de Agosto de 2014 às 15:59

O sonho chinês da Índia

Nos últimos anos, a China e a Índia emergiram como super-potências da economia mundial, com a China a assumir a liderança. No entanto, perante a desaceleração do crescimento chinês e a necessidade cada vez mais aguda de alterações estruturais, será que os esforços da reforma económica do novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, vão permitir que o país recupere o atraso?

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Desde a década de 80, a China tem registado um crescimento económico sem precedentes, impulsionado pela abundante mão-de-obra de baixo custo, elevadas taxas de poupança e de investimento, reformas de mercado substanciais, políticas orientadas para o exterior e uma gestão macroeconómica prudente. Os seus líderes agora esperam alcançar o estatuto de país de elevado rendimento graças ao desenvolvimento de indústrias tecnologicamente mais sofisticadas.

 

O desempenho económico da Índia tem sido menos notável. O crescimento económico começou a acelerar acentuadamente no início da década de 90 devido à liberalização do comércio e outras reformas económicas. Posteriormente verificou-se a estagnação do processo de reforma, os défices orçamental e da balança de conta corrente aumentaram e o crescimento anual do PIB caiu para 4-5%.

 

Como resultado, a China assumiu a dianteira, registando, no ano passado, um rendimento per capita de 11.850 dólares – mais do dobro dos 5.350 dólares da Índia. A questão agora é saber se os esforços de Modi para um crescimento mais rápido conseguirão reduzir a desigualdade de rendimentos nas próximas décadas.  

 

O "dividendo demográfico" constitui o factor mais importante a favor da Índia. Na China, o envelhecimento da população e as reduzidas taxas de fertilidade já estão a provocar a redução da faixa etária mais activa: as pessoas com idades entre os 15 e os 59 anos. Prevê-se que entre 2015 e 2040, este grupo registe uma redução superior a 115 milhões. Enquanto isso, a faixa etária mais activa da Índia deverá registar um aumento superior a 190 milhões.   

 

Contudo, uma demografia favorável, por si só, não conduzirá ao tipo de crescimento que tornou a China a segunda maior economia do mundo. Os líderes da Índia devem desenvolver um plano abrangente para eliminar os obstáculos à competitividade económica, aumentar as oportunidades de emprego na indústria e melhorar o ensino e as qualificações dos trabalhadores.

 

Actualmente, a Índia situa-se na 60.ª posição do ranking mundial de competitividade económica – muito abaixo da China que, na 29.ª posição, está próxima de países de rendimentos elevados como a Coreia do Sul (25.ª posição) e a França (23.ª posição). As razões para isto não são difíceis de identificar: a Índia apresenta um desempenho negativo no que diz respeito aos impulsionadores fundamentais da prosperidade económica de longo prazo.

 

De facto, as melhorias contínuas verificadas não foram suficientes para evitar que os níveis em matéria de saúde pública e educação se mantivessem baixos (102.ª posição a nível mundial). Além disso, a falta de infra-estruturas adequadas nos sectores dos transportes, das comunicações e da energia (85.ª posição) prejudica o crescimento da produtividade da Índia. A Índia está atrás da China ao nível da eficiência dos seus mercados de produtos e de trabalho (85.ª e 99.ª posições, respectivamente). Apenas ao enfrentar estas deficiências a Índia poderá atrair o investimento suficiente e impulsionar o crescimento económico.

 

Ao mesmo tempo, a Índia deverá ampliar a indústria intensiva em trabalho, criando assim oportunidades de emprego para o número crescente de trabalhadores. Dado que o sector da indústria contribui apenas para 15% da produção total da Índia, em comparação com o peso de 31% na China, há um espaço considerável para crescimento.

 

Neste sentido, a Índia tem a vantagem de poder aprender com a China. A China transformou a sua economia agrícola, ao construir uma base industrial forte e intensiva em mão-de-obra; transferiu trabalhadores da agricultura para a indústria e construção e melhorou a produtividade em todos os sectores. Actualmente, o sector agrícola representa apenas um terço do emprego total na China, o que compara com metade na Índia.

 

A transformação estrutural e o crescimento sustentável da Índia dependerão dos seus esforços para construir um mercado laboral flexível, centrado na flexibilização das antiquadas e complicadas leis do trabalho. As protecções legais dos trabalhadores no sector formal da Índia superam as dos países mais desenvolvidos, bem como da China; além disso, na Índia verifica-se um aumento dos requisitos obrigatórios à medida que aumenta o número de trabalhadores. Como Jagdish Bhagwati e Arvind Panagariya destacaram, as regulações excessivas no mercado laboral dissuadem os empreendedores da Índia de contratarem trabalhadores não-qualificados e de desenvolverem a indústria intensiva em mão-de-obra, o que implica que o governo deverá redobrar os seus esforços de reforma nesta área.  

 

Igualmente importante é que os trabalhadores da Índia – especialmente os jovens – precisam de oportunidades para melhorarem as suas capacidades continuamente. O McKinsey Global Institute estima que dos prováveis 90 milhões de pessoas que farão parte do excesso de oferta mundial de trabalhadores pouco qualificados em 2020, 27 milhões estarão na Índia. Enquanto isso, o país enfrentará uma escassez de 13 milhões de trabalhadores com qualificações médias.

 

Apesar da expansão educativa da Índia, especialmente nos níveis secundário e terciário, o seu sistema de educação superior, incluindo o sistema de educação técnica e vocacional e de formação continuam a ser insuficientes. Embora os sistemas públicos de educação e de formação profissional da Índia sejam bem institucionalizados, carecem da escala, plano de estudos, financiamento e incentivos necessários para preparar os jovens trabalhadores com a finalidade de que satisfaçam as exigências de uma rápida globalização e um rápido avanço tecnológico.   

 

A boa notícia é que Modi parece estar comprometido em aumentar a competitividade da Índia mediante a melhoria do seu clima de negócios. Por exemplo, já anunciou medidas para promover o investimento directo estrangeiro em seguros, defesa e telecomunicações, incluindo gastos mais elevados de infra-estruturas e novos incentivos fiscais para a poupança e o investimento. O governo da Índia também apoiará os esforços dos seus antecessores para fortalecer o ensino e a formação profissionais. 

 

O que falta ao plano de Modi é um foco forte na expansão das indústrias intensivas em trabalho da Índia. O que, em conjunto com as reformas planeadas, permitiria ao país aproveitar as oportunidades que surgem devido a situações demográficas favoráveis e que possa alcançar um crescimento ao estilo chinês.

 

Lee Jong-Wha é professor de economia e director do Asiatic Research Institute na Universidade da Coreia, e é também conselheiro para os assuntos económicos internacionais do antigo presidente sul-coreano Lee Myung-bak.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho 

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