Opinião
Como a Ásia deve responder ao proteccionismo dos EUA
Em vez de retaliar, as economias asiáticas deveriam usar a ameaça de tarifas dos EUA como uma oportunidade para reformular os seus próprios modelos de desenvolvimento, aumentando assim a sua prosperidade e resiliência.
Nas últimas cinco décadas, as economias asiáticas dependeram, em grande medida, de um modelo de desenvolvimento orientado para as exportações para apoiar a rápida transformação económica e o crescimento. Mas com o presidente dos EUA, Donald Trump, a cumprir a sua promessa de adoptar uma abordagem mais proteccionista ao nível do comércio - um esforço que conduzirá a medidas de retaliação de outros países - esse modelo está a ficar sob uma crescente pressão.
No último ano, Trump retirou os EUA da Parceria Transpacífico (TPP), renegociou o seu acordo de livre comércio com a Coreia do Sul e elevou as tarifas de "salvaguarda" sobre máquinas de lavar e painéis solares importados da China e Coreia do Sul. Agora, a Casa Branca anunciou tarifas sobre o aço e o alumínio, supostamente para fortalecer a segurança nacional. E ainda tarifas punitivas sobre uma série de produtos chineses por causa do suposto roubo de propriedade intelectual.
Esta é uma reviravolta surpreendente para os Estados Unidos, que têm sido o principal defensor do livre comércio desde a década de 1930. É claro que alguns dos antecessores de Trump adoptaram políticas proteccionistas; mas essas foram o resultado de negociações com os parceiros comerciais. Como afirmou Dani Rodrik, de Harvard, "as restrições comerciais de Trump têm uma natureza mais unilateral".
É pouco provável que as acções de Trump sejam benéficas para as indústrias em questão, e muito menos para a economia geral dos EUA. As tarifas sobre o aço, por exemplo, ajudarão um pequeno número de trabalhadores na indústria siderúrgica, ao mesmo tempo que prejudicarão um número muito maior de trabalhadores de outros sectores, como a construção, petróleo e gás, e produção automóvel. Estas medidas não têm qualquer hipótese de reverter o declínio das indústrias manufactureiras tradicionais nos EUA.
As tarifas também não vão fazer muito pelo equilíbrio comercial dos EUA. Trump e os seus assessores acreditam que o comércio internacional é um jogo de soma zero e, portanto, que as tarifas são um caminho directo para défices comerciais menores. Mas a verdadeira origem dos défices comerciais dos EUA são os desequilíbrios macroeconómicos na economia dos EUA, como o consumo excessivo das famílias e os défices orçamentais - desequilíbrios que as tarifas não vão resolver.
O que as tarifas de Trump vão fazer é aumentar o risco de uma guerra comercial global. De acordo com o porta-voz do Estado chinês, o Global Times, a China está a preparar-se para esse resultado. Em resposta ao aumento das restrições comerciais, a China pode limitar as importações de aeronaves ou produtos agrícolas, como a soja.
Até os aliados dos EUA estão a preparar-se para uma guerra comercial. Antes de a União Europeia ganhar uma suspensão de última hora das tarifas sobre o aço e o alumínio, anunciou que estava a considerar tarifas de retaliação sobre produtos americanos, incluindo whisky e motas, ao que os EUA responderam com ameaças de tarifas sobre carros europeus.
Quando Trump afirma que "as guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar", não poderia estar mais errado. A verdade foi dita claramente pelo presidente chinês, Xi Jinping, em Janeiro de 2017: "Ninguém sai a ganhar numa guerra comercial".
Uma guerra comercial global prejudicaria a recuperação económica, penalizando empresas e consumidores, dificultando as cadeias globais de fornecimento e elevando os preços dos produtos importados. As economias asiáticas com modelos de crescimento dependentes da exportação - como o Vietname (onde as exportações constituem 90% do PIB), a Malásia (71%) e a Coreia do Sul (45%) - seriam particularmente afectadas.
Para mitigar os riscos, as economias da Ásia devem assumir um papel mais proactivo na preservação do livre comércio. Trabalhando em conjunto, as economias asiáticas poderiam usar fóruns como o G-20 e a Organização Mundial do Comércio para melhorar a monitorização do comércio global, reduzir a tensão comercial e evitar políticas destrutivas que têm como objectivo penalizar os outros.
Para aumentar as suas hipóteses de sucesso, as economias asiáticas devem eliminar quaisquer medidas proteccionistas nos seus próprios mercados e abster-se de despejar a produção gerada pelo excesso de capacidade nos mercados globais a preços subsidiados. A China, que tem enfrentado duras críticas dos EUA, da UE e do Japão por práticas comerciais desleais - incluindo subsídios à exportação, manipulação de moeda, roubo de propriedade intelectual e transferência forçada de tecnologia - tem uma responsabilidade particular aqui.
As economias asiáticas também devem trabalhar para promover a liberalização do comércio dentro da sua própria região. As dez economias da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), juntamente com mais seis países (Austrália, China, Índia, Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia), já concordaram em lançar a Parceria Económica Regional Abrangente. Esse acordo poderia impulsionar a expansão e o aprofundamento do comércio intra-regional.
Outro acordo com um potencial considerável é o Acordo Abrangente e Progressivo para o TPP, o sucessor do TPP, que surgiu após a retirada dos EUA. Sete economias da Ásia-Pacífico (Japão, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Malásia, Singapura e Vietname) já assinaram o pacto, que representa 13,5% do PIB global, e mais membros poderão juntar-se, como é o caso da Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Filipinas e Sri Lanka. Se a China aderisse, ou os EUA voltassem, o impacto positivo do pacto seria consideravelmente fortalecido.
Por fim, as economias asiáticas devem fortalecer os seus mecanismos de crescimento interno, incluindo o consumo e o investimento, reduzindo, assim, a sua dependência dos mercados externos. Em particular, devem seguir políticas que promovam a criação de empregos de qualidade e a transferência de mais poupanças corporativas para as famílias.
Ao mesmo tempo, esses países devem melhorar o clima de investimento para empresas nacionais e estrangeiras, removendo regulamentações excessivas nos mercados de produtos, de trabalho e financeiro. Mais investimentos em indústrias de serviços de alta produtividade - como saúde, educação, telecomunicações e serviços financeiros - também ajudariam.
A administração Trump parece determinada em seguir um caminho proteccionista destrutivo. Mas, em vez de retaliar, as economias asiáticas deveriam usar a ameaça de tarifas dos EUA como uma oportunidade para reformular os seus próprios modelos de desenvolvimento, aumentando assim a sua prosperidade e resiliência, já para não falar das suas posições como actores globais construtivos.
Lee Jong-Wha é professor de Economia e director do Instituto de Pesquisa Asiática da Universidade da Coreia. O seu mais recente livro, escrito em co-autoria com Robert J. Barro, é Education Matters: Global Gains from the 19th to the 21st Century.
Copyright: Project Syndicate, 2018.
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Tradução: Rita Faria