Opinião
O problema do alívio de activos tóxicos chineses
Voltando a 2009, no contexto da recessão mundial, o governo da China lançou um pacote massivo de estímulos económicos que impulsionou o crescimento do produto interno bruto (PIB) ao estimular um aumento do crédito da banca.
Mas, actualmente, está a tornar-se cada vez mais evidente para os responsáveis políticos e para os investidores que o crédito fácil e as políticas desequilibradas têm criado riscos significativos para o sistema bancário da China. De facto, tendo em conta as preocupações crescentes sobre os activos tóxicos dos bancos, neutralizar o risco financeiro tornou-se o objectivo central das autoridades.
De acordo com a Comissão para a Regulação Bancária da China, os créditos vencidos (NPL, na sigla em inglês) dos bancos comerciais, no final de Junho, ascendiam a 539,5 mil milhões de yuans (88,1 mil milhões de dólares) – cerca de 1% dos empréstimos por liquidar. O fundo de reserva de perdas de crédito era de 1,5 biliões de yuans (mais 19% do que no trimestre anterior), o rácio de cobertura de provisões era de 292,5% e o rácio de crédito era de 2,8%.
Os empréstimos suportados pelo governo ascendiam a 9,7 biliões de yuans, representando um aumento de 6,2% desde o último trimestre – nove pontos percentuais abaixo da taxa de crescimento média de todas as categorias de crédito bancário. E o saldo de produtos de gestão de riqueza situa-se nos 9,1 biliões de yuans, dos quais os activos de crédito não tradicionais representavam 2,8 biliões de yuans.
De acordo com os números oficiais, os créditos vencidos não representam na realidade uma quota muito elevada do total de activos, e o rácio de créditos vencidos (0,96%) é manobrável. O problema é que a maior parte dos créditos vencidos da China são empréstimos fora de balanço, pelo que o rácio pode ser muito mais elevado – e o sector financeiro da China muito mais arriscado – do que se percebe.
De facto, os empréstimos fora de balanço de muitos bancos – muitas vezes, alargados a credores de maior risco, como promotores de imobiliário altamente alavancados e veículos de financiamento do governo local – agora supera os empréstimos do balanço recentemente emitidos. Se os mutuários incumprirem os seus empréstimos fora do balanço, os bancos devem optar por proteger a sua reputação, cobrindo a diferença utilizando fundos internos e transferindo, assim, o risco para o seu balanço e aumentando o rácio de crédito vencido.
A exposição dos bancos à dívida dos governos locais e ao mercado imobiliário já enfraqueceu a qualidade dos seus activos, aumentando a pressão da dívida e enfraquecendo a rentabilidade. Além disso, o crédito fora de balanço tem ajudado a impulsionar o excesso de investimento em alguns sectores (especialmente infra-estrutura, ferro e aço, energia, indústria e imobiliário), levando a um excesso de capacidade e injetando a economia com o aparecimento de “zonas de desastre” de dívida de cobrança duvidosa, o que aumentaria ainda mais os rácios de crédito vencido. Movimentos para liberalizar as taxas de juro colocariam ainda mais pressão na qualidade dos activos e na rentabilidade dos bancos.
Contra a sua experiência, os activos tóxicos vão continuar a ser convertidos em passivos. De acordo com a Academia de Ciências Sociais da China, o volume de activos tóxicos dos bancos desceu de cerca de 2,2 biliões de yuans em 2000 para 433,6 mil milhões de yuans em 2010, enquanto os passivos formados a partir destes activos dissolvidos cresceu de 1,4 biliões de yuans para 4,2 biliões de yuans.
Eliminar o risco do sector bancário vai requer uma acção governamental decisiva, incluindo uma reforma financeira abrangente e estratégias de gestão de risco eficazes para operações financeiras em sectores “core”. Mas, talvez, o maior desafio será determinar que mecanismos vão abordar de forma mais eficiente o problema dos activos tóxicos da China. A China tem-se libertado em larga escala de activos tóxicos através de três canais – injecções de capital, empresas de gestão de activos (AMC, na sigla em inglês) e o Banco Popular da China (PBOC) – dos quais todos têm desvantagens graves.
Durante a crise financeira asiática do final da década de 90, os quatro maiores bancos detidos pelo Estado da China, que representavam mais de metade do sector bancário do país, tinham um rácio de adequação de capital de apenas 3,7% (em comparação com o padrão internacional de 8%) e um rácio de crédito vencido de cerca de 25%. De modo a recapitalizar estes bancos, o governo da China emitiu 270 mil milhões de yuans em obrigações do Tesouro especiais em 1998, injectando todos os rendimentos nos bancos como capital – e, no processo, criando passivos financeiros significativos.
Em 1999, o governo decidiu que as quatro recém-criadas AMC comprariam cerca de 1,4 biliões de yuans em activos tóxicos desses bancos, utilizando uma combinação de empréstimos do Banco Popular da China e obrigações das AMC emitidas para os bancos. De forma a mitigar o risco associado a estas compras de crédito financiadas com dívida, o PBOC garantiu as obrigações das AMC.
Esta abordagem gerou um risco substancial para o PBOC. E, embora tenha reforçado o balanço dos bancos consideravelmente, as AMC tinham uma taxa de recuperação média de activos tóxicos ligeiramente inferior a 25% em 2006, com as perdas reais a aproximarem-se de um bilião de yuans.
A China não é, claro, o único país que tem lutado contra a libertação dos activos tóxicos. Desde a crise financeira de 2008, as amortizações de activos das instituições financeiras americanas ascenderam a 13% do PIB. O programa da administração Bush de resgate de activos tóxicos (“Troubled Asset Relief Program”) e o plano de resgate financeiro da administração Obama custaram perto de 2,2 biliões de dólares, com a Reserva Federal a comprar uma quantidade massiva de activos dos bancos. Para apoiar a desalavancagem do sector financeiro, a própria Fed tornou-se altamente alavancada e os activos tóxicos ainda afectam o seu balanço.
Dadas as falhas significativas nos canais conturbados da libertação de activos tóxicos, outra opção – securitização – tem sido discutida na China. O PBOC já apelou aos bancos para securitizarem os seus activos de elevada qualidade e venderem os títulos aos investidores do mercado interbancário; o que poderia ser um prelúdio para a securitização de activos tóxicos. Ao venderem activos tóxicos no mercado secundário, os bancos comerciais poderiam reforçar o seu balanço enquanto evitavam o aumento das responsabilidades e melhoravam a liquidez dos activos.
Mas, a securitização cria os seus próprios desafios, nomeadamente como avaliar os activos. Além disso, uma vez um empréstimo seja securitizado, o banco que o emite não tem mais qualquer incentivo para garantir o reembolso pelo mutuário, o que aumenta o risco de incumprimento e eleva as taxas de juro. A securitização competitiva foi uma das principais causas da crise do “subprime” nos Estados Unidos; devido aos incumprimentos, os créditos hipotecários continuam a ser o activo tóxico número um dos Estados Unidos.
De modo a acalmar os investidores perante o aumento do risco de incumprimento, o governo da China deve forçar os bancos comerciais a reforçarem os seus balanços através da colateralização ou da troca de empréstimos em incumprimento por novas obrigações, garantidos pelas reservas externas da China detidas nas “Treasuries” dos Estados Unidos. Mas, estes requisitos deverão levar a ainda mais risco.
Uma melhor solução seria desenvolver um mercado de “rating” de crédito, estabelecer um quadro regulatório mais abrangente para o sistema financeiro e criar um mecanismo eficaz para o risco de delimitação. Estas medidas podem oferecer a segurança e a credibilidade necessárias para permitir a securitização bem-sucedida de activos problemáticos, abrindo o caminho para os líderes da China aprofundarem a reforma financeira.
Zhang Monan é membro do Centro de Informação da China, membro da Fundação Chinesa de Estudos Internacionais e investigadora da Plataforma de Pesquisa Macroeconómica da China.
Copyright: Project Syndicate, 2013.
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Tradução: Raquel Godinho