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O elefante no conselho de administração

Os líderes empresariais e os líderes de Governo preocupam-se com uma grande quantidade de assuntos por estes dias.

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As mudanças climáticas, as armas de destruição em massa, a escassez de água, a migração e a energia são as maiores ameaças que enfrentamos, de acordo com os 750 especialistas inquiridos pelo Fórum Económico Mundial (FEM) para o Relatório sobre os Riscos Mundiais 2016 (Global Risk Report 2016). E no encontro anual do Fórum Económico Mundial em Davos deste ano, o número absoluto de assuntos conturbados – o descalabro no Médio Oriente, o futuro da União Europeia (em especial devido à possibilidade de saída do Reino Unido), as eleições presidenciais nos Estados Unidos, a crise dos refugiados, o abrandamento económico da China, os preços do petróleo e mais – foi em si mesmo inquietante.

 

Mas considerem isto: nenhum dos riscos destacados no relatório do FEM causou o recente pico na crise da dívida ou a onda de escândalos que envolveram – ainda no ano passado – a Volkswagen, a Toshiba, a Valeant e a FIFA. Estes desenvolvimentos (e muitos outros) estão enraizados em problemas mais pedestres e perenes: a incapacidade ou a recusa em reconhecer a necessidade de uma correcção do rumo (incluindo uma nova gestão).

 

À medida que os partidos e candidatos com ideias contra o sistema (anti-establishment em inglês) ganham terreno junto do eleitorado europeu e norte-americano, os líderes políticos que continuam a perseguir uma abordagem "business-as-usual" podem deparar-se com a situação em que têm de procurar novos empregos. E o mesmo é verdade para os líderes empresariais: investidores activistas estão fartos e determinados em forçar uma mudança, tanto com uma abordagem prática ou através de uma manifestação da sua posição e mesmo saindo de empresas que não vão ao encontro dos seus critérios.

 

Como Barbara Novick, vice-presidente do BlackRock, apontou num painel sobre governação empresarial e ética no encontro deste ano em Davos, a sua empresa olha atentamente para ver se os conselhos de administração das empresas nas quais investem incluem pessoas comprometidas com a empresa e que colocam questões difíceis de forma consistente ao longo do ano.

 

E ainda assim, os líderes de algumas das maiores empresas mundiais continuam a estar aparentemente em negação. No ano passado, estive várias horas reunida com o presidente executivo e presidente de um banco que pensava ser injusto que os investidores estivesse a planear votar contra o facto de ele ocupar ambos os cargos. Apesar de concordar que ter apenas uma pessoa a desempenhar ambos os papeis, em princípio, é uma má ideia, insistia que ele era uma excepção.

 

Tive uma conversa semelhante este ano com alguém que notou que a maioria do conselho de administração da sua empresa esteve nesta posição durante mais de 20 anos. A sua empresa tinha acabado de estabelecer a idade limite para os membros do conselho de administração: 80 anos. Uma rotatividade maior pode funcionar para outras empresas, reconheceu; mas, novamente, a sua empresa era de alguma maneira excepcional.

Por outro lado, Hiroaki Nakanishi, CEO e presidente da Hitachi, falou comigo de forma eloquente sobre a importância da governação empresarial e as novas exigências que as empresas mundiais enfrentam. Notou a importância de ter membros do conselho de administração que não sejam japoneses numa altura em que a Hitachi procura expandir-se ainda mais em termos internacionais.

 

O problema é que aqueles que agora se manifestam a favor do investimento de longo prazo, de compromissos para com a comunidade e construção de empresas que durem estão a fazê-lo ao jantar, a portas fechadas ou sob a protecção da regra Chatham House (que exige que as declarações relatadas não sejam atribuídas a quem as proferiu). De facto, no programa para o encontro deste ano de Davos, a expressão "governação empresarial" aparecia apenas uma vez (no painel onde eu e Novick estávamos). O mesmo era verdade para "conselho de administração" e "direcção", enquanto a pesquisa por "ética" aparecia em sessões sobre medicina e biotecnologia. "Governação" foi em primeiro lugar sobre a governação política e "administração" referindo-se ao planeta.

 

Muitas pessoas são cínicas sobre Davos – e não estão completamente erradas. Há anos era porque estes encontros eram tão abertamente secretos (de forma muito semelhante à forma como as pessoas entendem as reuniões dos conselhos de administração). Actualmente, o FEM transmite através da internet muitas das sessões e o cinismo advêm no sentido do que está a ser discutido não é o que os empresários e os líderes governamentais precisam de estar a pensar.

 

Isso não é culpa do FEM. Davos tem um poder de convocação extraordinário e a capacidade para trazer assuntos importantes para a ribalta, incluindo as questões LGBT este ano. Não há razão para que não possa incluir assuntos como o hiato salarial entre directores e trabalhadores, o impacto das decisões das empresas nas comunidades e no ambiente e a crescente perda de confiança nas empresas e nos governos. O que pode fazer é forçar os CEO, os conselhos de administração, os investidores e os políticos a falarem sobre tais questões de forma aberta e que possa ficar registada.

 

É fácil para as empresas verem riscos distantes que não podem controlar. É bem mais difícil, mas bem mais importante, para eles tomarem conhecimento dos riscos decorrentes da forma como eles operam. E continua a ser difícil persuadir esses líderes empresariais que compreendem tais riscos a falarem sobre eles num palco. A relutância em falar abertamente sobre como restruturar a governação empresarial de forma a melhorar a gestão coloca-nos a todos em risco.

 

Lucy P. Marcus é CEO da consultora Marcus Venture.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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