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Enfrentar a responsabilidade do Facebook

O Facebook deve protecções aos seus utilizadores, na qualidade de consumidores e produtores. A questão é como fazer com que a empresa cumpra essa obrigação.

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Quando o Facebook se estreou em bolsa em Maio de 2012, a sua capacidade de governança já estava em dúvida. Seis anos depois, o Facebook acumulou poder, acesso e influência massivos - e, em larga medida, provou que os cépticos estavam certos.

Os que duvidavam não eram uma pequena minoria. Pelo contrário, o consenso geral entre investidores e consultores era que o Facebook era demasiado grande, tinha demasiado potencial de crescimento e pouca capacidade para proteger adequadamente as informações pessoais dos milhões de utilizadores da plataforma.

Como disse na altura, "o Facebook nada contra a maré de um movimento global em direcção à transparência, compromisso e sistemas de controlo. É como se todos tivéssemos entrado numa máquina do tempo e nenhuma das lições de governança dos últimos anos - incluindo os fracassos dos conselhos de administração na crise do sector bancário - tivesse acontecido".

Mas, como tantas vezes acontece, os investidores deixaram-se levar pela euforia. Para aqueles que apostaram no Facebook, ver o CEO Mark Zuckerberg testemunhar perante o Congresso dos Estados Unidos no início de Abril - após a revelação de que a Cambridge Analytica acedeu aos dados pessoais de cerca de 90 milhões de utilizadores - deve ter sido um duro alerta.

O depoimento de Zuckerberg foi marcado por pedidos de desculpa. Mas, embora ele tenha assumido a responsabilidade pelas falhas do Facebook em proteger os utilizadores de "notícias falsas, interferência estrangeira nas eleições e discursos de ódio" e preservar a privacidade dos dados, retratou o Facebook como uma empresa "idealista" focada na missão de "conectar pessoas".

Isso fez eco das tentativas anteriores de Zuckerberg de se pintar, quando foi conveniente, como um jovem líder de olhos arregalados. Numa entrevista à CNN, garantiu que confiou em empresas como a Cambridge Analytica quando disseram ao Facebook que não mantinham nenhuns dados da rede social. Quando questionado pela CNN sobre os motivos de não ter sido realizada nenhuma auditoria, respondeu em tom de brincadeira: "Quanto a si não sei, mas estou habituado a que as pessoas façam aquilo que asseguram legalmente que vão fazer".

As desculpas de Zuckerberg ao Congresso soam ainda mais vazias porque nem sequer são as primeiras. Em Outubro passado, após a revelação de que grupos ligados à Rússia haviam comprado mais de 100 mil dólares em anúncios na plataforma para influenciar as eleições presidenciais de 2016, a empresa enviou a sua COO, Sheryl Sandberg, para Washington DC para conduzir a gestão de danos.

Reunindo-se com vários líderes eleitos – desde o Congressional Black Caucus aos legisladores que investigavam a interferência da Rússia nas eleições - Sandberg prometeu repetidamente "fazer melhor", dando a entender que o Facebook investiria mais na erradicação das notícias falsas e na investigação aos anunciantes. Mas, ao tratar uma falha de governança como uma crise de comunicação corporativa, o Facebook permitiu que os seus problemas reais continuassem a crescer.

Alguns argumentam que os utilizadores do Facebook só se podem culpar a si próprios por violações de privacidade. Afinal, eles inscreveram-se numa plataforma gratuita e forneceram os seus dados livremente. Não é culpa do Facebook que não tenham lido as letras pequenas.

No entanto, a expectativa de uma protecção razoável dos consumidores está incorporada nas nossas economias. Se uma empresa vende um carro que, digamos, não foi testado de forma adequada, resultando num acidente, a empresa paga um preço. O mesmo se aplica a praticamente todos os negócios voltados para o consumidor, desde companhias aéreas a fornecedores de alimentos. Um restaurante não pode fugir da responsabilidade de servir comida fora do prazo simplesmente colocando uma placa a dizer: "Clientes, cuidado".

Além disso, no que diz respeito ao Facebook, os utilizadores não são apenas consumidores passivos, já que a empresa comercializa os seus dados. (Vale a pena notar que, como Zuckerberg admitiu no Congresso, o Facebook recolhe dados até mesmo de pessoas que não têm uma conta, através dos seus amigos e dos seus browsers, embora a empresa não possa vender esses dados).

Os utilizadores do Facebook são essencialmente trabalhadores subcontratados para fabricar o produto (dados) que a empresa vende. E nós, até certo ponto, responsabilizamos as empresas pelas condições de trabalho dos seus subcontratados. No mínimo, submetemo-las à regulação e supervisão.

Assim, o Facebook deve protecções aos seus utilizadores, na qualidade de consumidores e produtores. A questão é como fazer com que a empresa cumpra essa obrigação.

Tendo Zuckerberg a maioria dos direitos de voto, o conselho do Facebook tem pouca capacidade para fazer mudanças sem o seu consentimento. Na reunião anual de accionistas da empresa no ano passado, cinco propostas para começar a abordar algumas das fraquezas do Facebook foram rejeitadas.

Isso incluía propostas para publicar um relatório sobre equidade de género nas remunerações e outro sobre questões de políticas públicas associadas à gestão de notícias falsas e discursos de ódio, incluindo o impacto no processo democrático, liberdade de expressão e uma sociedade coesa. Houve também uma proposta para o Facebook divulgar completamente os seus gastos em lóbi político. E houve propostas para nomear um presidente independente e mudar a estrutura de voto dos accionistas para reduzir a influência de Zuckerberg.

É um clichê dizer que com um grande poder vem uma grande responsabilidade. Mas é cliché que Zuckerberg deveria levar a sério. Ele é o CEO de uma empresa extremamente influente, sobre a qual está a ser construída uma indústria inteiramente nova: de acordo com um relatório da Deloitte de 2017, o Facebook possibilitou 227 mil milhões de dólares em actividade económica e contribuiu para a criação de 4,5 milhões de empregos em 2014. Dado o alcance da empresa, as desculpas não são mais suficientes.

O Facebook precisa de assumir a responsabilidade pelo seu comportamento de forma condizente com a sua influência, alterando a sua governança e comportamento operacional. O desafio é muito mais profundo do que um clique em "Concordo" num novo conjunto de "Termos e Condições". Vai ao coração da forma como o Facebook é gerido.

 

Lucy P. Marcus é CEO da Marcus Venture Consulting.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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