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Punição pelo assédio sexual

Os abusos de poder e o desrespeito pelo dever de diligência estão a tornar-se cada vez mais difíceis de cobrir e, portanto, com cada vez mais probabilidade de ter consequências negativas.

"Acções e não palavras!", gritavam as sufragistas do Reino Unido, enquanto lutavam pelo direito de votar há 100 anos. Hoje, esse apelo à acção parece mais apropriado que nunca. Depois de todos os avanços que as mulheres fizeram no século passado, a tendência para defender esses direitos e a sua dignidade da boca para fora, sem fazer o que é verdadeiramente necessário para as proteger, é mais óbvia do que nunca.

Nos últimos meses, movimentos como o #MeToo amplificaram as vozes das mulheres e levaram outros a apresentar histórias angustiantes de abuso e assédio. Expuseram publicamente aqueles que, estando numa posição de poder, abusaram e maltrataram mulheres e meninas – desde o antigo titã de Hollywood Harvey Weinstein e do bilionários dos casinos Steve Wynn aos funcionários da Oxfam que terão trocado sexo por ajuda.

Algumas destas figuras, como o antigo médico da selecção de ginástica dos Estados Unidos [USA Gymnastics]  Larry Nassar, foram levadas à justiça. E mesmo outros, que não fizeram nada para proteger as jovens e as mulheres - incluindo as direcções da USA Gymnastics e da Wynn Resorts, e o presidente da Universidade do Michigan, onde Nassar estava na faculdade - estão a sofrer as consequências. Tudo isto aumentou a pressão sobre os homens com posições de poder para reconhecerem, pelo menos, os obstáculos que as mulheres enfrentam, desde o assédio no local de trabalho até à persistente disparidade salarial.

Mas o reconhecimento não é suficiente; nem a punição de um agressor poderoso de vez em quando. Devemos construir uma cultura e um sistema em que as mulheres - para não mencionar outros grupos marginalizados - não enfrentem esse tipo de barreiras. E, apesar de todas as palavras de apoio, têm faltado acções concretas neste frente.

E como seria essa acção? Por um lado, abordaria o esbatimento da distinção entre privado e público - uma tendência que alguns líderes tardaram em reconhecer.

De certa forma, esse esbatimento beneficia os marginalizados. Um comportamento profissional no trabalho, mas monstruoso em casa já não é tolerado como era. Isso ficou claro no caso do antigo secretário da Casa Branca, Rob Porter, que havia sido acusado de violência doméstica por duas das suas ex-mulheres; a sua segunda mulher apresentou um pedido de protecção de emergência contra ele em 2010.

A Casa Branca estava bem ciente das alegações - apoiadas por provas fotográficas - contra Porter. O seu certificado de segurança foi adiada, devido às preocupações de que ele seria "violento". No entanto, continuou a subir nas fileiras da administração Trump, que repetidamente tentou ofuscar o problema. Só quando a informação sobre o passado de Porter foi revelada publicamente é que ele foi obrigado a renunciar.

A forma como a Casa Branca lidou com o caso de Porter reflecte a disposição da administração Trump para se unir a qualquer um que sirva a sua agenda política - como Roy Moore, que foi candidato do Alabama para o Senado, mesmo após acusações credíveis de que Moore havia feito avanços sexuais contra várias mulheres quando eram menores de idade. Mas a tolerância do público para com esse tipo de comportamento está claramente a diminuir. Os eleitores do Alabama, de maioria republicana, elegeram o opositor democrata de Moore.

Mas há outro lado de esbatimento da linha entre público e privado, devido à interconectividade do trabalho das pessoas com a sua vida social. Festas do escritório ou trabalho fora do local, por exemplo, podem criar confusão sobre protocolos comportamentais, para não mencionar oportunidades de mau comportamento.

Em alguns casos, foram projectados eventos sociais para permitir esse comportamento. Uma investigação secreta do Financial Times revelou recentemente que o "Presidents Club" realizava reuniões anuais de angariação de fundos apenas para homens, encontros onde homens de negócio, elementos do governo e figuras do entretenimento angariavam dinheiro para causas dignas. Mas estes também eram eventos sociais, onde os participantes bebiam e assediavam sexualmente as hospedeiras, que haviam assinado acordos de confidencialidade.

Tomar medidas efectivas para parar essas actividades é do interesse de todos e não apenas das potenciais vítimas. As organizações que os agressores representam também beneficiarão com a redução do risco de danos reputacionais sérios.

Quando se trata de empresas, os CEO e os membros do conselho de administração têm a obrigação de proteger a reputação da sua companhia. Isso significa implementar medidas confiáveis para garantir que colegas ou funcionários não abusem do seu poder dentro ou fora do escritório, e responsabilizando aqueles que coloquem a empresa numa situação de descrédito.

Os abusos de poder e o desrespeito pelo dever de diligência estão a tornar-se cada vez mais difíceis de cobrir e, portanto, com cada vez mais probabilidade de ter consequências negativas. Aquelas figuras poderosas que esperam poder oferecer apenas palavras de apoio, comprando tempo até que tudo volte ao mesmo, estão a ter um despertar doloroso. As punições começaram. Como as sufragistas do Reino Unido, aqueles que pedem acção só ficarão satisfeitos quando as suas exigências tiverem como resposta medidas concretas. 

 

Lucy P. Marcus é CEO da Marcus Venture Consulting.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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