Opinião
Sermos verdadeiros em 2018
Uma violação de segurança é frustrante, exasperante mesmo, tanto para os clientes como para os investidores. Mas a negação consciente de tal violação dizima a confiança.
Tem sido um ano em cheio no sentido de tornar o invisível em visível. Os últimos 12 meses ficaram marcados por uma inundação de fugas de informação, alegações e outras revelações, não apenas de má conduta por parte de indivíduos, empresários e políticos, mas também esquemas pró-activos para evitar que estas condutas viessem a público.
Em Novembro, foi revelado que um pirata informático de 20 anos de idade entrou no sistema da Uber em 2016, e que teve acesso a informação relativa a cerca de 57 milhões de pessoas, incluindo dados de alguns dos 600 mil condutores da Uber nos Estados Unidos. Em vez de admitir a falha de segurança, a Uber, de forma discreta, pagou 100 mil dólares para que os dados fossem destruídos, na esperança de que as vítimas – e, talvez mais importante para a Uber, os seus investidores – nunca descobrissem.
A violação dos dados na Equifax – na qual os hackers tiveram acesso a informações pessoais sensíveis, desde datas de nascimento a números de Segurança Social, de cerca de 143 milhões de clientes norte-americanos – não foi encoberta da mesma maneira. Mas, ainda assim, houve um período de seis semanas entre a descoberta da violação e a revelação ao público, período durante o qual três executivos venderam participações accionistas pequenas, embora tenham insistido que, aquando da venda, não tinham conhecimento da violação de dados.
Uma violação de segurança é frustrante, exasperante mesmo, tanto para os clientes como para os investidores. Mas a negação consciente de tal violação dizima a confiança. Se uma empresa divulgar uma falha, pelo menos os clientes sabem que podem esperar que lhes seja dito o que está a acontecer com a sua informação (e podem estar atentos a actividades fraudulentas nas suas contas) e os investidores podem avaliar com precisão o risco do negócio.
Se a verdade for conhecida só mais tarde – como aconteceu, em particular, no caso da Uber – a história sobre um problema técnico torna-se rapidamente numa história acerca da integridade da empresa. Os receios dos utilizadores em partilhar as suas informações pessoais com as empresas – algo difícil de evitar na vida moderna – acentuam-se e as empresas começam a tornar-se objecto de um maior cepticismo.
Mas as empresas não têm estado apenas a encobrir os seus erros; elas têm estado a esconder crimes graves cometidos por figuras superiores. Em nenhum lugar isto é mais visível do que nos padrões de assédio sexual de longo prazo e nos seus encobrimentos que foram revelados nos últimos meses.
Na Fox News, as grandes personalidades – desde o comentador Bill O’Reilly ao presidente da empresa Roger Ailes – foram durante muito tempo protegidas pela empresa-mãe, a 21st Century Fox, perante as alegações de assédio sexual. A 21st Century Fox ajudou não apenas a que o acordo de 32 milhões de dólares, alcançado em Janeiro entre O’Reilly e uma convidada frequente do seu programa (pelo menos o quinto acordo do género devido ao comportamento de O’Reilly) não fosse conhecido; a empresa ofereceu à sua estrela um novo contrato bastante lucrativo pouco tempo depois.
O’Reilly acabou por ser afastado mas apenas depois de a verdade sobre as alegações e os acordos terem sido tornados públicos. A companhia seguiu basicamente o mesmo guião em relação ao Ailes, durante o seu mandato de 20 anos.
Uma máquina semelhante protegeu o peso-pesado de Hollywood, Harvey Weinstein, durante as décadas em que usou a sua posição para assediar e abusar de mulheres. Como escreveu recentemente o The New York Times, Weinstein recebeu ajuda de todos os lados. O seu irmão e parceiro, Robert Weinstein, participou com recompensas. Os seus parceiros de negócios foram incentivados a olhar para o outro lado. Os jornalistas foram encarregados de desacreditaram quem o acusava. Mesmo os próprios agentes e gestores das vítimas foram pressionados ou pagos para aconselharem as suas clientes a manterem-se discretas.
A boa notícia é que, quando mais figuras poderosas são responsabilizadas pelo seu comportamento abusivo, mais vítimas ganham confiança para revelarem o que sofreram. À medida que a dinâmica de poder muda, as vítimas ultrapassam a crença de que têm de sofrer em silêncio e confiam que vai haver pessoas que as vão ouvir.
Neste sentido, a aceleração de revelações do último ano é o culminar de uma tendência de longo prazo, na qual os actores mais poderosos que a vida e as instituições aparentemente inabaláveis foram derrubadas devido aos seus próprios delitos. No rescaldo da crise financeira mundial, os executivos do sector financeiro podem não ter sido totalmente responsabilizados pelas suas acções, mas o protesto certamente contribuiu para "a primavera dos accionistas" que começou em 2012, com os investidores a rejeitarem pacotes remuneratórios dos executivos e prestam mais atenção às questões de governação corporativa.
No desporto, vários membros da FIFA, incluindo o presidente da organização internacional do futebol, Sepp Blatter, foram derrubados depois de resultados combinados, subornos e outras práticas corruptivas. E a Rússia foi banida dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno por ter usado um sistema complexo para contornar o regime de testes de droga nas Olimpíadas de Sochi, em 2014.
Uma área onde outro sapato tem ainda de cair é o grande encobrimento na política norte-americana: a ligação entre membros da campanha presidencial de Donald Trump, incluindo o seu filho, Donald Trump Jr, e os círculos oficiais russos. Os factos, que estão gradualmente a surgir, são já suficientemente condenatórios. Mas as tentativas de esconder a verdade tornaram a situação muito pior para a administração Trump e, de uma forma mais ampla, para a política norte-americana, já para não falar do posicionamento internacional do país.
Se não houvesse mais nada, as revelações recentes deveriam criar uma máxima de que encobrir faz com que os erros originais se tornem dez vezes mais graves. O presidente Richard Nixon e muitos dos seus assessores aprenderam essa lição durante o escândalo de Watergate. Em 2018, a administração Trump – e as empresas como a Uber e a 21st Century Fox – vão ignorar o seu perigo.
Lucy P. Marcus é CEO da Marcus Venture Consulting.
Copyright: Project Syndicate, 2017.
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Tradução: Ana Laranjeiro