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25 de Maio de 2017 às 14:00

Como os imigrantes do Médio Oriente impulsionam a competitividade dos EUA

As restrições à imigração colocam os EUA - onde 30% dos prémios Nobel do país nasceram noutro lugar - em risco de perderem a sua atractividade para os talentos estrangeiros.

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No seu romance de ficção científica de 1961 Stranger in a Strange Land, Robert A. Heinlein escolheu um linguista muçulmano, "Dr. Mahmoud", para ajudar o protagonista do livro, criado no planeta Marte, a fazer a transição para a vida nos Estados Unidos. Stranger pode ser ficção, mas a escolha de Heinlein de um intérprete muçulmano teve por base a realidade. De facto, as pessoas do Médio Oriente e do Norte de África (MONA) têm sido "tradutores" de inovação e descoberta nos EUA há décadas.

 

Pesquisas recentes que levei a cabo, juntamente com dois colegas do Instituto Austríaco de Tecnologia, Georg Zahradnik e Bernhard Dachs, basearam-se em dados de patentes nos EUA para esclarecer o papel que os indivíduos de ascendência árabe, curda, persa e turca desempenham no desenvolvimento da tecnologia dos EUA. Começámos a nossa pesquisa depois da ordem executiva do presidente dos EUA, Donald Trump, que proibiu cidadãos de seis países predominantemente muçulmanos de entrarem nos Estados Unidos (a lista incluía inicialmente o Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen; o Iraque foi depois retirado).

 

O que descobrimos não foi nenhuma surpresa para nós. Mas aqueles que garantem que os EUA continuam a ser o líder mundial a trazer novas ideias para o mercado devem estar preocupados.

 

Em 2013, havia aproximadamente um milhão de imigrantes do MONA a residir nos Estados Unidos, representando 2,5% dos 41,3 milhões de imigrantes do país. Cerca de 43% dos imigrantes do MONA com mais de 25 anos tinham uma licenciatura ou um grau superior, em comparação com 28% de todos os imigrantes dos EUA, e 30% dos nativos. Se o milhão de pessoas de origem persa e turca fossem incluídas, os números relativos ao nível de escolaridade provavelmente seriam ainda maiores.

 

Para percebermos a contribuição dos imigrantes do MONA para a inovação nos Estados Unidos, cruzámos aproximadamente 2.500 nomes que são específicos do MONA com documentos de patentes registadas na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Descobrimos que, de 2009 a 2013, houve 13.180 pedidos de patentes apresentados por organizações dos EUA, ou indivíduos residentes nos EUA, em que pelo menos um candidato tinha um nome do MONA. Isto representa 5,1% de todos os pedidos de patentes dos EUA à OMPI durante o período 2009-2013. E, dado que seleccionámos apenas nomes específicos do MONA, muitos inventores do MONA que têm nomes partilhados com outras etnias, como nomes bíblicos, foram deixados de fora. Os números reais são certamente mais elevados.

 

Para colocar essas descobertas em perspectiva, ao longo do período de cinco anos que medimos, descobrimos que os indivíduos ligados ao MONA estavam envolvidos em 220 pedidos de patentes dos EUA a cada mês. O número de pedidos de patentes apresentados por inventores dos EUA com antecedentes do MONA foi o dobro do que na União Europeia. Com 1.780 pedidos de patentes, a Califórnia representou 15% de todas as patentes apresentadas por inventores ligados ao MONA em todo o mundo. Apenas a Turquia tinha um número maior.

 

Outros estados dos EUA com um número notável de pedidos de patente ligados ao MONA foram o Texas e Massachusetts; o Texas, por exemplo, tinha pouco menos do que a Arábia Saudita durante o período 2009-2013.

 

À primeira vista, as medidas de imigração tomadas pelo governo de Trump não devem ser motivo de grande preocupação. Há muito pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento a fluir entre os EUA e qualquer um dos países alvo. Mas, com mais pessoas originárias do MONA submetidas ao chamado controlo extremo, menos pessoas da região irão mudar-se para os EUA. Um declínio assim teria um efeito perceptível, já que os inventores do MONA tendem a trabalhar em campos de tecnologia que estão no cerne da inovação dos EUA.

 

Mesmo aos cidadãos de países isentos de visto que têm nomes do Médio Oriente está a ser pedido que obtenham visto antes de viajarem para os EUA. As medidas têm afectado visitantes estrangeiros de todos os tipos, desde o historiador francês nascido no Egipto, Henry Rousso, aos delegados comerciais africanos da Nigéria, Gana, Serra Leoa e África do Sul. Naturalmente, pessoas de todo o mundo estão a pensar duas vezes antes de visitarem os Estados Unidos, com a aplicação de previsões de passagens aéreas Hopper  a registar uma queda de 17% nas pesquisas online de voos para os EUA nas semanas após a proibição de Trump ter sido proposta pela primeira vez.

 

Os EUA são mais vulneráveis ao impacto das restrições à imigração na inovação do que qualquer outro país do mundo. De 2000 a 2010, tinha oito vezes mais patentes registadas por imigrantes (194.600) do que o seu concorrente mais próximo, a Alemanha (25.300). Dependendo da área, de 24% a 80% dos cientistas e engenheiros empregados nos EUA são estrangeiros.

 

Por outras palavras, as restrições à imigração colocam os EUA - onde 30% dos prémios Nobel do país nasceram noutro lugar - em risco de perderem a sua atractividade para os talentos estrangeiros. Os departamentos universitários de ciência, particularmente em áreas como a engenharia, dependem fortemente de estudantes estrangeiros. Sem acesso a esses talentos, alguns departamentos não teriam escolha a não ser fechar. As empresas americanas também poderiam ser obrigadas a transferir uma maior parcela das suas actividades para fora dos EUA se persistirem as políticas de imigração restritivas. Dadas as barreiras persistentes à concessão de vistos e às entradas, as empresas americanas podem acabar por considerar mais vantajoso levar a sua produção e empregos para fora do país.

 

Em Stranger in a Strange Land, o Dr. Mahmoud descreve uma personagem americana "vulgar" que é "barulhenta, provavelmente ignorante e quase certamente provinciana". Para muitos inventores ligados ao MONA que vivem e trabalham nos Estados Unidos e especialmente aqueles que procuram residir lá, a caracterização de Mahmoud ressoará hoje. Para todos os outros, não é necessária tradução.

 

Sami Mahroum, director do INSEAD Innovation & Policy Initiative e membro do grupo estratégico regional do Fórum Económico Mundial para o Médio Oriente e Norte de África, é o autor de Black Swan Start-ups: Understanding the Rise of Successful Technology Business in Unlikely Places.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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