Opinião
A profissão da senhorita Watanabe
A senhorita Watanabe, 40 anos, é hesitante. A sua mãe, a sra. Watanabe, é conhecida por fazer mexer os mercados de todo o mundo, com a negociação financeira que ocupa as suas pausas do trabalho doméstico.
“Sra. Watanabe” é o nome genérico pelo qual são conhecidas, no Japão, as donas de casa que se dedicam a investimentos especulativos, que têm exercido uma influência significativa sobre os mercados de divisas e outros bens. Depois de se formar na universidade, a sra. Watanabe deixou o emprego quando se casou com o sr. Watanabe (que trabalhou no mesmo escritório), tornou-se uma dona de casa, e criou uma filha. Fez isso porque no tempo da sra. Watanabe, o casamento era o posto de trabalho definitivo.
Os tempos são diferentes para a sua filha, a senhorita Watanabe, que se formou em Economia numa universidade famosa e foi contratada por uma empresa bem conhecida. Apesar de ser academicamente superior aos homens que entraram com ela na empresa, foi incapaz de competir por uma promoção. Nem sequer lhe deram um cartão profissional da empresa (o que é mais importante do que um passaporte no Japão); assim, não teve alternativa, senão fazê-lo ela própria no computador.
Seguindo o exemplo da sua mãe, decidiu melhorar as suas habilitações. Depois do trabalho, começou a frequentar a escola à noite para estudar contabilidade internacional. Não gostava de sair à noite com os colegas, para beber copos e falar mal do chefe; a comunicação através da bebida não a ajudaria a melhorar as suas capacidades nem a subir na hierarquia.
A história da senhorita Watanabe ajuda a ilustrar uma disparidade notável que existe no Japão. Embora a produtividade nas fábricas japonesas seja a mais elevada do mundo, devido aos robôs e outros tipos de automação, a produtividade dos trabalhadores de colarinho branco do Japão é a mais baixa entre os países da OCDE.
Em 1999, a Lei de Igualdade de Oportunidades Laborais foi alterada para proporcionar igualdade de oportunidades para homens e mulheres, proibindo práticas trabalhistas discriminatórias. Mas a legislação tem tido pouco impacto sobre o ambiente laboral para as mulheres.
As outras mulheres que foram trabalhar para a empresa, ao mesmo tempo que a senhorita Watanabe, casaram-se com colegas e saíram para se dedicarem aos filhos. A única diferença em relação à geração da sua mãe é que a geração actual renuncia, casa-se e tem filhos mais tarde. No Japão, mais de 80% das pessoas que pedem licença de maternidade ou paternidade são mulheres; na realidade, mais de 60% das mulheres japonesas abandona o posto de trabalho quando nascem os filhos, e não regressam.
O tempo passou a correr, e um dia a senhorita Watanabe percebeu que já estava na casa dos trinta. A sua mãe, a sra. Watanabe, usou o dinheiro que tinha ganho com as suas operações financeiras para pagar os estudos da filha no estrangeiro. É que as empresas japonesas pagam aos seus empregados (do sexo masculino) para estudarem fora do país, mas não fazem o mesmo investimento com as mulheres. Sem outras opções, a senhorita Watanabe pediu uma licença sem vencimento (que a sua empresa não concede normalmente às mulheres) para fazer um MBA nos Estados Unidos. Embora tenha regressado com excelentes notas, a sua posição dentro da empresa piorou, porque o seu chefe não deu uso às suas novas habilitações.
Um dia, a senhorita Watanabe recebeu um telefonema de uma agência de caça-talentos. Foi recrutada para trabalhar no departamento de contabilidade de uma empresa de importação e exportação japonesa. Incentivada pela sua mãe, a senhorita Watanabe decidiu dar um novo rumo à sua vida. Era um ambiente de trabalho completamente novo, mas os seus conhecimentos de inglês e o MBA provaram ser de um valor inestimável. O trabalho era interessante, e ela teve um papel importante. Mas às vezes punha-se a fazer planos para o futuro, e sonhava casar e ter filhos.
No ano passado, o governo do Japão mudou, com o regresso do Partido Liberal Democrático (PLD) ao poder. Anteriormente, o PLD tinha colocado o problema das mulheres em segundo plano, dando prioridade aos negócios e aos problemas de uma sociedade envelhecida. Agora, para surpresa da senhorita Watanabe, fez da política das mulheres um dos aspectos-chave da sua estratégia de longo prazo.
E não ficou por aí: as empresas cotadas em bolsa devem agora nomear, pelo menos, uma mulher para um cargo de direcção. Quando a senhorita Watanabe ouviu dizer que as empresas na Noruega ou França se arriscavam a perder o direito de operar em bolsa se a percentagem de mulheres em postos de chefia baixasse dos 40%, brincou com os seus amigos, dizendo que, se no Japão se aprovasse uma lei semelhante, a Keidanren (Federação Japonesa de Empresas) desapareceria. Agora que as empresas públicas japonesas estão obrigadas a nomear pelo menos uma mulher para um cargo de direcção, pode ser que algum dia lhe calhe a ela.
Mas ela já tem 40 anos, e está a pensar casar-se. Se fosse nomeada para um cargo desses, será que podia gozar a licença de maternidade? O governo do primeiro-ministro Shinzo Abe disse que iria construir creches, mas isso é realmente verdade?
A senhorita Watanabe está hesitante. Será que deveria assumir um cargo importante nesta fase? Ou deveria procurar a felicidade enquanto mulher?
A sra. Watanabe dá à sua filha o empurrão que ela precisa. A sra. Watanabe tem um talento especial para adivinhar o que está para vir. Aconselha-a a aproveitar as oportunidades no trabalho, e ao mesmo tempo, procurar a felicidade no matrimónio e na maternidade.
De acordo com uma estimativa da Kathy Matsui, directora dos estrategas para o mercado de acções japonês do Goldman Sachs, o PIB do país poderia aumentar em 15%, e poderiam ser criados 8,2 milhões de novos empregos se as mulheres japonesas ganhassem igualdade de
oportunidades no trabalho. Abe disse que "womanomics" é o pilar mais importante da "Abenomics," a estratégia de crescimento do seu governo. A sra. Watanabe e a sua filha têm muito a ganhar se a promessa for cumprida.
Yuriko Koike, ex-ministra da Defesa do Japão e conselheira de segurança nacional, foi presidente do Partido Liberal Democrata, e actualmente é membro da Dieta Nacional do japão (parlamento japonês).
© Project Syndicate, 2013.
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Tradução: Rita Faria