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11 de Setembro de 2016 às 20:00

A Tóquio que o mundo precisa

E depois existe Tóquio. De todas as grandes cidades mundiais, a maior do mundo parece atribuir a si mesma pouco mais do que fluentes devaneios.

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As verdadeiramente grandes cidades capturam a nossa imaginação, mesmo quando nunca as visitámos. Paris invoca renovação e amor, Nova Iorque é toda uma azáfama e dinamismo, e Londres representa o verdadeiro charme. Istambul fala de mistério, o Rio de Janeiro da deleitosa libertinagem e Shangai de rápida reinvenção.

 

E depois existe Tóquio. De todas as grandes cidades mundiais, a maior do mundo parece atribuir a si mesma pouco mais do que fluentes devaneios.

 

Não ajuda que Hollywood caricature regularmente Tóquio de forma irreconhecível. Nos anos 1980 e 1990, quando o Japão apresentou um verdadeiro desafio aos Estados Unidos pela primazia económica global, filmes como "Rising Sun", com Sean Connery, ou "Black Rain", com Michael Douglas, retractavam Tóquio segundo os clássicos moldes dos filmes negros – sombria, ameaçadora e povoada por compostos de grandes empresas e gangsters Yakuza.

 

Mais recentemente, "The Fast and the Furious: Tokyo Drift" descreveu uma metrópole metálica e estranhamente despovoada, enquanto na comédia "Lost in Translation", Bill Murray retractou ofensivamente Tóquio como culturalmente incompreensível e bizarra.

 

Nenhum destes estereótipos de Hollywood faz justiça à real Tóquio, a que eu e outros quase 38 milhões de cidadãos chamamos casa. Tal como outras extraordinárias cidades mundiais, a nossa Tóquio tem a sua própria riqueza.

 

Tóquio é a cidade japonesa do romance e da ambição jovem e a casa tanto do nosso passado imperial, como do nosso presente "J-pop". É a nossa Silicon Valley, a nossa Wall Street, a nossa Washington DC. É uma cidade milenar que se reinventa constantemente e de formas surpreendentes. Basta olhar para a Rakuten, a maior retalhista online japonesa que recentemente fez do inglês a língua oficial da empresa.

 

Tóquio foi premiada com a realização dos Jogos Olímpicos de Verão de 2020 e, nos anos que faltam até ao evento, a cidade vai mover-se para o palco principal mundial. Os Jogos serão, portanto, um momento definidor – uma ocasião para os habitantes de Tóquio avaliarem como queremos ser vistos e como nos queremos ver a nós próprios – equivalente ao que foram os Jogos de 1964, enquanto momento definidor do Japão pós-guerra. Nessa altura, Tóquio levantou-se orgulhosamente enquanto uma cidade que, através de trabalho árduo, sacríficio pessoal e imaginação, se ergueu das cinzas da Segunda Guerra Mundial.

 

A Tóquio de 1964 foi construída pela grande geração que criou o "Japão, Inc". Foi a Tóquio das chaminés e das grandes indústrias, mas também das novas tecnologias e inovação, exemplificada pela Sony e pelo seu "self-made" fundador, Akio Morita, que em vários aspectos foi o Steve Jobs da sua era.

 

Este período foi também notável porque representou o início de outro tipo de transformação da cidade, em direcção à sustentabilidade. Na altura, o Japão dependia em grande medida de energia importada; mas quando o choque petrolífero dos anos 1970 elevou os preços energéticos, o Japão respondeu com aquilo que foi, provavelmente, o primeiro esforço nacional sustentado para alcançar a independência energética. Em Tóquio, os resultados poderiam ser vistos no final dessa década, com a indústria pesada a ser substituída pelas brilhantes torres do comércio pós-industrial.

 

Tóquio tem muito com que se orgulhar, mas o meu período predilecto é um sobre o qual, hoje em dia, poucos pensam. É a Tóquio de 1900, quando a cidade pugnou pela modernidade depois de um milénio a ser ensombrada pelo ocidente.

 

A Tóquio do início do século XX foi um resultado directo da Restauração Meiji de 1868. Muitas pessoas externas ao Japão associaram a Restauração com o imperialismo e militarismo que eclodiu nos anos 1930, mas esta análise perde o foco ao reduzir uma época inteira àquilo que aconteceu em apenas uma década. A Restauração foi, acima de tudo, um curso intensivo de modernização, um esforço nacional abrangente no sentido de uma aproximação o mais rápida possível ao ocidente.

 

Por volta de 1900, o Japão tinha superado largamente as expectativas dos líderes Meiji. Tendo deixado de ser um reino eremita, o Japão tornou-se num farol da modernização asiática. Na verdade, muitos dos maiores nomes da história da Ásia moderna afluíram para Tóquio, não apenas para aprenderem por eles próprios aquilo que o Japão alcançara tão rapidamente, mas também para pensarem e escreverem livremente – as liberdades eram-lhes normalmente negadas pelas regras feudais ou censura imperial vigente nos seus países de origem.

 

Esta era a Tóquio onde Sun Yat-sen, fundador e o primeiro presidente da República da China, se refugiou. Esta foi a Tóquio para onde o jovem Chiang Kai-shek veio para aprender tácticas militares, logísticas e organização modernas.

 

Foi também essa Tóquio a ser frequentemente visitada por Rabindranath Tagore, o enorme poeta nacional e filósofo de Bengal, que inspirou Mahatma Gandhi. Tagore foi o primeiro não-europeu a vencer o Prémio Nobel da Literatura e o seu brilhante livro, "The Spirit of Japan", captura a vitalidade, aparentemente sem limite, do Japão, além de também avisar para a utilização abusiva desse dinamismo para efeitos nacionalistas. Esta Tóquio até partilha a última ligação viva à idade dourada de Hollywood: Olivia de Havilland, estrela em "Gone With the Wind", nasceu em Tóquio em 1916, na mesma altura em que Tagore dava as suas conferências.

 

A Tóquio do início do século XX é aquilo que o mundo hoje precisa. Com o seu vigor inspirador e cosmopolitismo inclusivo, que melhor imagem pode alguém encontrar para o futuro da Ásia?

 

Yuriko Koike, antigo ministro da Defesa do Japão e conselheiro para a Segurança Nacional, foi presidente do Conselho Geral do Partido Liberal Democrata japonês e é actualmente membro do Parlamento Nacional.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.

www.project-syndicate.org

Tradução: David Santiago

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