Opinião
Limpar os Jogos Olímpicos
Os Jogos Olímpicos de Verão no Rio de Janeiro já começaram e por muito gostasse de estar sentada a ver cada hora das olimpíadas (admito que dei uma olhadela à admirável competição de Kohei Uchimura para a medalha de ouro em ginástica), fui uma espectadora que esteve absorvida noutro tipo de coisas: estive a estudar folhas de cálculo, contratos e organogramas.
Agora que fui eleita governadora de Tóquio, cidade que vai receber os Jogos em 2020, estou rapidamente a preparar-me, e à minha equipa, para os testes de gestão que vamos enfrentar.
Em particular, temos de nos tornar contabilistas de classe mundial no que diz respeito ao controlo de custos para que os Jogos sejam um sucesso não apenas para os atletas mas também para os cidadãos de Tóquio e todos os japoneses. Querermos orgulhar-nos dos nossos Jogos e não poderemos fazê-lo se prejudicarmos as futuras gerações com dívida. Tóquio não pode ficar povoada de elefantes brancos que sirvam um único propósito em 2020, apenas para danificar o horizonte nos anos e décadas posteriores.
Reconhecidamente, cheguei atrasada a esta tarefa e alguns dos planos para os Jogos – tal como a planta dos espaços do evento na cidade – foram já colocados no terreno pelos meus antecessores.
Yoichi Masuzoe, o meu antecessor no Governo de Tóquio, demitiu-se na sequência de um escândalo envolvendo gastos. Por isso, duvido que tenhamos tido até aqui a elaboração de um orçamento prudente para os Jogos. A minha equipa vai conduzir uma revisão forense cuidadosa dos contratos já assinados no âmbito da preparação dos Jogos. O nosso propósito é colocar em primeiro lugar o interesse dos cidadãos de Tóquio e dos atletas.
Tal como aconteceu em muitas outras cidades que receberam os Jogos, os custos excessivos estão já a acumular-se e os que lideraram o processo até aqui fizeram pouco para evitar desperdícios. De facto, suspeito que a ansiedade pública sobre o esbanjamento do Governo contribuiu para a minha eleição. Apesar de a minha equipa e eu enfrentarmos uma curva de aprendizagem acentuada, temos também um objectivo claro: que os Jogos de 2020 sejam bem-sucedidos e que melhorem o futuro de Tóquio – em vez de o fazer descarrilar.
Começamos por familiarizar-nos com a história dos Jogos, com um olhar sobre o impacto económico e social no longo prazo para as cidades anfitriãs. Infelizmente, os dados não são bons. As cidades anfitriãs das olimpíadas têm ficado frequentemente sobrecarregadas com dívidas e a sua paisagem urbana tem ficado cheia de infraestruturas desportivas não utilizadas e não utilizáveis. Pior do que isso é que os Jogos frequentemente são acompanhados por corrupção que permanece até muito depois do fim das olimpíadas, como uma infecção crónica para as cidades anfitriãs.
Parte da razão para este fraco registo histórico reside no facto de o processo de organizar e gerir os Jogos ser frequentemente disperso, fazendo com que não haja responsabilidades reais. Os governos nacionais assumem, claro, uma parte da responsabilidade e suportam os custos, mas os membros dos Governos têm muitas responsabilidades a seu cargo para se comprometerem totalmente com o processo.
Por isso, o próprio Governo da cidade anfitriã opta frequentemente por suportar a fatia de leão dos custos. Mas, mais uma vez, tendo recursos e especialistas limitados, para não falar no que se pode corromper, os Governos das cidades não estão bem colocados para controlar custos.
Por fim, há comités organizacionais constituídos por grandes senhores e empresários que ajudam a angariar dinheiro para os Jogos. Mas estes comités têm também uma influência significativa sobre decisões importantes relativas aos gastos como: onde vão ser construídas as principais infraestruturas, quem as vai construir e por aí em diante.
Neste acordo fragmentado, todos são responsáveis por tudo, o que significa que ninguém é responsável por nada. Como consequência, temos registos desanimadores relativos aos desperdícios, corrupção e dívida pública.
O meu Governo vai gerir os Jogos de forma muito diferente. Em primeiro lugar, vamos introduzir transparência nas contratações. Este evento é financiado através dos contribuintes para o consumo público, por isso, os que licitam projectos governamentais não devem esperar o mesmo nível de confidencialidade que existe nos acordos contratuais no sector privado. Afinal, nada é segredo sobre o maior evento desportivo do mundo.
Em segundo lugar, vamos delegar a supervisão dos Jogos a contabilistas especialmente seleccionados e a especialistas anti-corupção. Há simplesmente demasiado dinheiro em jogo para ser "business as usual".
Por fim, vamos recordar às outras partes envolvidas as suas próprias responsabilidades. O Comité Olímpico Internacional, as empresas patrocinadoras e as estações de televisão por todo o mundo devem querer que os Jogos sejam acessíveis e livres de corrupção. É contra o espírito dos Jogos estar presente e colher elevados lucros enquanto a cidade que abre as suas portas ao mundo enfrenta um esmagamento e custos geracionais.
Quando viajar para o Rio para receber a bandeira olímpica que vai estar nos Jogos de Verão de Tóquio, quero perguntar ao Comité Olímpico Internacional como pretende proteger o espírito dos Jogos em Tóquio e dos Jogos seguintes. O lema das olimpíadas tem sido "mais rápido, mais alto e mais forte". Pretendo propor ao Comité Olímpico Internacional, e aos patrocinadores olímpicos que, em Tóquio, tenhamos um quarto objectivo: mais limpos. Só quando garantirmos uns Jogos mais limpos e mais livres de corrupção para as cidades anfitriãs – e mais limpos e livres de doping para os atletas – vamos viver verdadeiramente o espírito olímpico.
Yuriko Koike, governadora de Tóquio, foi ministra da Defesa, conselheira de segurança nacional e membro do parlamento japonês (Dieta).
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
Nota: o texto original foi publicado antes do encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que decorreu no passado dia 21 de Agosto.