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07 de Julho de 2016 às 20:00

As lições do Brexit para as democracias asiáticas

Hoje, o povo britânico perdeu claramente de vista os objectivos comuns - metas partilhadas uns com os outros e com a Europa. Desferiram um duro golpe para o Ocidente que só pode ser combatido reavivando a vontade e o espírito que inspiraram a integração europeia e a criação da NATO, em primeiro lugar.

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O Reino Unido, ao votar pelo divórcio da União Europeia, está a conduzir o Ocidente para território desconhecido. Irá a UE desfazer-se, com outros populistas e nacionalistas a exigirem referendos sobre a permanência dos seus respectivos países? Irá a NATO, a grande aliança do pós-guerra que tem garantido a segurança da Europa durante quase sete décadas, começar também a desintegrar-se, com os seus membros a voltarem-se para dentro (como o Reino Unido) ou pior ainda, uns contra os outros?

 

Muitas pessoas na Ásia vão descartar estas perguntas da mesma maneira que Neville Chamberlain desvalorizou a Europa Central em 1938: como problemas em países distantes com os quais se preocupam pouco. Mas a verdade é que a onda populista que agita o Ocidente tem os seus próprios ecos na Ásia.

 

Uma maior desunião aqui é particularmente perigosa, porque a Ásia carece do quadro institucional conjunto e de amortecedores regionais de choques. A recordação recente de uma declaração da ASEAN criticando a China pelas suas acções no Mar da China Meridional é apenas mais um exemplo da imaturidade do processo de segurança colectiva da Ásia.

 

Em toda a região, as rivalidades nacionais continuam acesas, e as memórias históricas continuam a semear divisões. Assim, todos os asiáticos devem reconhecer que os seus países e regiões estão igualmente vulneráveis ??àqueles que possam pôr em causa o Estado de direito e as estruturas existentes de paz e prosperidade, por mais frágeis que sejam.

 

A Ásia deve, portanto, tomar atenção à mensagem que o Brexit envia. A capacidade dos apoiantes do "Leave" de reunirem uma maioria, apelando aos instintos mais básicos dos eleitores, mostra que muitas pessoas dão agora as suas liberdades, segurança e prosperidade como garantidas. Isso revela que muitos se esqueceram o que é que tornou o mundo desenvolvido do pós-guerra tão próspero, livre e seguro.

 

Durante décadas, as democracias do mundo - na Ásia e no Ocidente - não questionaram as bases do seu sucesso. Entendemos que precisávamos de estar juntos, às vezes em alianças formais, às vezes em alianças formadas simplesmente por um interesse partilhado na democracia. Entendemos que a nossa prosperidade foi construída sobre o Estado de direito, a integridade das nossas instituições políticas e a abertura das nossas sociedades - para o mundo exterior e para os "estrangeiros" entre nós.

 

Este conhecimento histórico está agora a ser escarnecido e rejeitado, de forma aberta pelos apoiantes de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Marine Le Pen, em França, e de forma encriptada pelos líderes do Brexit como o antigo mayor de Londres Boris Johnson e o ministro da Justiça Michael Gove. Muitos eleitores, ansiosos pela confirmação dos seus preconceitos, acreditaram que o retrato feito por Johnson e Gove – a UE como uma espécie de projecto nazi dos nossos dias – descrevia realmente a realidade.  

 

Uma avaliação histórica honesta da UE reconheceria que ela estabeleceu para os europeus uma zona de paz, baseada nos direitos individuais, no Estado de direito e na justiça social. Esta foi, sem dúvida, a razão pela qual a Europa conseguiu superar os estragos económicos da Segunda Guerra Mundial, atingir níveis de vida sem precedentes em todo o continente e, ao mesmo tempo, resolver antigas inimizades - como entre a França e a Alemanha.

A unificação da Europa exigiu uma grande visão e vontade política, nascida da revolta colectiva contra os horrores da Segunda Guerra Mundial, a insegurança desencadeada pela Guerra Fria e o dinamismo económico impulsionado pela fundação da Comunidade Económica Europeia, a precursora da UE. Mas, como os apoiantes do "Remain" aprenderam, as forças económicas por si só não proporcionam o sentido de coesão ou solidariedade necessária para sustentar o projecto de unificação. Para funcionar como uma política viável e vital, a Europa tem agora um novo imperativo, um novo sentido de missão. As democracias da Ásia precisam da mesma coisa.

 

No Ocidente e na Ásia, hoje, a solidariedade - um verdadeiro sentido de comunidade cívica e auto-identidade - é mais necessária do que nunca para gerir as profundas mudanças sociais e políticas geradas pelo capitalismo global. Os mercados, e as cadeias de produção e fornecimento que ligam agora a Ásia mais profundamente do que nunca, podem criar a base material para um povo, ou povos, cooperarem. Não podem, no entanto, produzir o sentido de propósito comum que as sociedades precisam para florescerem.

 

Hoje, o povo britânico perdeu claramente de vista os objectivos comuns - metas partilhadas uns com os outros e com a Europa. Desferiram um duro golpe para o Ocidente que só pode ser combatido reavivando a vontade e o espírito que inspiraram a integração europeia e a criação da NATO, em primeiro lugar.

 

E onde a unidade europeia foi outrora o projecto do futuro, uma maior unidade entre as democracias da Ásia deve tornar-se o projecto da nossa região para hoje. As democracias asiáticas têm uma clara oportunidade para começarem a construir um sentimento de solidariedade entre si; mas devem fazê-lo de uma forma que os nossos cidadãos entendam. Sucessivos governos britânicos foram incapazes de defender a permanência do seu país na UE - e usaram-na frequentemente como um bicho-papão para explicar os seus próprios fracassos políticos.

 

O Reino Unido e a Europa - onde muitos outros governos se comportam da mesma maneira – estão agora a pagar a factura. A Ásia não deve cometer o mesmo erro.

 

Um teste à capacidade e vontade da Ásia para construir um sentido de solidariedade regional aproxima-se. Nas próximas semanas, o Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia irá pronunciar-se sobre se a reivindicação chinesa de propriedade do Mar da China Meridional tem alguma base legal. Se as democracias da Ásia apoiarem a decisão do Tribunal de Arbitragem, seja ela qual for, podem começar a demonstrar que, com um sentido de missão partilhado, estão preparadas para defender o Estado de direito - e uns aos outros.

 

Foi essa solidariedade robusta perante uma ameaça comum que ajudou a impulsionar a unidade europeia há muitas décadas. Agora é a vez de a Ásia tentar.

 

Yuriko Koike, antiga ministra da Defesa e assessora de segurança nacional, foi presidente do Conselho Geral do Partido Liberal Democrata do Japão e é, actualmente, membro da Dieta Nacional.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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