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21 de Setembro de 2017 às 13:45

A hora da Alemanha

Determinar porque é que a Alemanha tem sido bem-sucedida economicamente parecer ser difícil. Mas três características únicas do chamado modelo da Renânia destacam-se.

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Quem gere a União Europeia? Na véspera das eleições gerais na Alemanha esta é uma questão muito oportuna.

 

Uma resposta comum é: "os Estados-membros da União Europeia" - todos os 28. Outra resposta típica é: "a Comissão Europeia". Mas Paul Lever, antigo embaixador britânico na Alemanha, tem uma resposta mais pertinente: Berlin Rules (as regras de Berlim) é o título do seu novo livro, no qual escreve que "a Alemanha moderna mostrou que a política pode alcançar aquilo que costumava exigir uma guerra".

 

A Alemanha é o Estado mais populoso da União Europeia (UE) e o seu motor económico, sendo o responsável por mais de 20% do PIB do bloco. Determinar porque é que a Alemanha tem sido bem-sucedida economicamente parecer ser difícil. Mas três características únicas do chamado modelo da Renânia destacam-se.

 

Em primeiro lugar, a Alemanha preservou muito melhor a sua capacidade produtiva do que outras economias avançadas. A manufactura continua a representar 23% da economia germânica, o que compara com os 12% que representa na economia norte-americana e com os 10% na britânica. E a produção dá emprego a 19% da força de trabalho alemã, o que contrasta com os 10% nos EUA e os 9% no Reino Unido.

 

O sucesso da Alemanha ao manter a sua base industrial contradiz as práticas padronizadas dos países ricos, que deslocam a manufactura para locais com custos laborais baixos. Mas a Alemanha nunca aceitou a teoria das vantagens comparativas, na qual assenta esta prática de deslocalização da produção. Fiel ao legado de Friedrich List, pai da economia alemã, que escreveu em 1841 que "o poder de produzir riqueza é, por conseguinte, infinitamente mais importante do que a própria riqueza", a Alemanha manteve a sua vantagem produtiva através de um compromisso incessante com o processo de inovação, apoiado por uma rede de institutos de investigação. O seu crescimento assente nas exportações deu o benefício de aumentar os retornos de escala.

 

A segunda característica do modelo germânico é a sua "economia social de mercado", melhor reflectida no seu sistema único de "co-determinação" industrial. Sozinha entre as principais economias avançadas, a Alemanha pratica o "capitalismo participativo". É exigido por lei a todas as companhias que tenham conselhos de empresa. De facto, as grandes empresas são geridas por dois conselhos: o conselho de administração e o conselho de supervisão - que está dividido equitativamente entre os representantes dos accionistas e dos empregados -, e que são quem toma as decisões estratégicas. A resistência à deslocalização é, por conseguinte, muito mais forte do que em outros locais, assim como a vontade de limitar os custos salariais.

 

Finalmente, na Alemanha há um compromisso firme com a estabilidade dos preços. A Alemanha não precisa de lições de Milton Friedman sobre os males da inflação. Foram já incorporadas na instituição mais famosa do pós-guerra, o Bundesbank.

 

Paul Lever sugere que esta lição foi apreendida tanto devido às memórias do colapso da moeda, entre 1945-1948, como devido à hiperinflação da década de 1920. Da mesma forma, a aversão a défices públicos espelha a resistência da população ao endividamento privado.

 

Institucionalmente, a UE tornou-se numa Alemanha em larga escala. A Comissão, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e o Tribunal Europeu de Justiça reflectem a estrutura descentralizada da própria Alemanha. O evangelho da UE de "subsidiariedade" espelha a divisão de poderes entre o governo federal alemão e os Estados (Länder). A Alemanha garante que as principais posições nas instituições da União Europeia são preenchidas por alemães. A UE manda nas suas instituições mas o governo germânico manda nessas instituições.

 

Embora falar de "hegemonia" ou mesmo de "liderança" seja um tabu na Alemanha – uma renitência que tem origem na determinação dos alemães em não lembrar as pessoas do passado negro do país. Mas negar a liderança enquanto estão a exercê-la significa que não é possível nenhuma discussão sobre as responsabilidades da Alemanha. E isto implica custos – em especial custos económicos – para os outros Estados-membros da UE.

 

A Alemanha criou um sistema de regras que consolida a sua vantagem competitiva. A moeda única descarta uma desvalorização dentro da Zona Euro. E também assegura que o euro vale menos do que uma moeda puramente germânica valeria.

 

O recente Tratado Orçamental – o sucessor do Pacto de Estabilidade e Crescimento – prescreve compromissos legais vinculativos para o equilíbrio orçamental e para que as dívidas nacionais sejam moderadas, algo que é analisado através de supervisão e sanções. Isto impede que o estímulo ao crescimento seja feito com recurso a défice. A insistência da Alemanha de que os custos não-salariais sejam equivalentes por toda a UE provavelmente não vai melhorar a competitividade da Alemanha mas reduzir a dos outros.

 

A UE, em especial a Zona Euro, funciona como uma base de operação para a Alemanha, a partir da qual pode lançar o seu assalto aos mercados externos. E essa base é forte. A Alemanha exporta 30% da sua produção para a União Europeia, o que é mais do que importa, e tem o maior excedente da conta corrente do mundo.

 

É uma hegemonia benigna em vez de brutal. Mas no seu centro reside uma grande contradição. As contas nacionais têm de estar em equilíbrio. Um excedente numa parte da Europa significa um défice noutra parte. A Zona Euro foi criada sem um mecanismo de transferência orçamental para ajudar os membros da família que se metam em problemas; o Banco Central Europeu está proibido de actuar como credor de último recurso do sistema financeiro; a proposta da Comissão para o lançamento de Eurobonds – dívida nacional garantida colectivamente – fracassou devido à objecção germânica, que considera que teria que arcar com grande parte da responsabilidade.

 

A Alemanha tem estado disponível para dar financiamento de emergência a membros da Zona Euro que estejam presos em dívida, como a Grécia, sendo que, para isso, os países têm de "colocar a sua casa em ordem" – cortar os gastos sociais, vender activos estatais e darem outros passos para que se tornem mais competitivos. Os alemães não encontram nenhum motivo para assumirem medidas para reduzir a sua própria super-competitividade.

 

O que é que pode ser feito para que se alcance um ajustamento mais simétrico entre os credores europeus e os devedores? Excluindo um mecanismo de transferência orçamental, o International Clearing Union, o plano de John Maynard Keynes, de 1941, pode ser adaptado para a Zona Euro. Os bancos centrais dos Estados-membros manteriam os seus saldos residuais em euros em contas no European Clearing Bank. A pressão para equilibrarem as suas contas seria simultaneamente colocada nos países credores e nos países devedores, ao serem cobradas taxas de juro crescentes aos desequilíbrios persistentes.

 

Numa câmara de compensação da UE, a intrusão da Alemanha nos interesses nacionais seria menos visível do que numa união de transferências orçamentais. A questão essencial, contudo, é que para que a Zona Euro funcione, o mais forte tem estar preparado para mostrar solidariedade para com o mais fraco. Sem algum tipo de mecanismo para que isso possa acontecer, a UE vai andar de crise em crise – provavelmente perdendo membros pelo caminho.

 

Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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