Notícia
As duas faces da economia alemã
Em comparação com as eleições recentes nos EUA e em França, o escrutínio na Alemanha parece até aborrecido. A Bloomberg escrevia há alguns dias que a culpa é do crescimento da economia. Porém, muitas das suas forças são também fragilidades. Para a Alemanha mas também para todo o Continente.
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O acelerador
A Alemanha é o verdadeiro motor da economia europeia, com um crescimento dinâmico e um desemprego que renova mínimos. Por trás desse sucesso está uma máquina bem oleada, que vai desde o sistema de ensino vocacional e ligação entre sindicatos e patrões até ao objectivo final de estimular as exportações.
A força das exportações alemãs
Se a economia alemã tem a força de um exército, as exportações são a divisão de tanques. As vendas ao exterior representam quase metade da economia germânica e empurraram o país para o maior crescimento entre os países do G7 no ano passado (este ano ficará atrás do Canadá). O principal destaque está reservado para o seu musculado sector industrial. Cerca de 28% das exportações do bens do país têm origem em dois sectores apenas: maquinaria e automóveis. "A maioria dos alemães sabem que lucram com o comércio", dizia à Bloomberg o deputado Carsten Linnemann, da CDU. A vitalidade das exportações alemãs é o principal factor por trás do elevado excedente externo do país.
A caminho do pleno emprego
Dito de forma simples, os alemães trocaram aumentos salariais potenciais por maior segurança no emprego. Além de uma relação próxima entre empresas e trabalhadores (já lá vamos), as reformas laborais do início do século flexibilizaram o mercado de trabalho e limitaram o subsídio de desemprego. Hoje, a Alemanha tem uma das taxas de empregabilidade mais elevadas do mundo (75%), o que significa que há muita mão-de-obra a contribuir para o processo produtivo. Ao mesmo tempo, o desemprego está a cair desde os 11% de 2005 para perto de 4%. Uma tendência que quase não foi beliscada pela crise. Angela Merkel promete atingir uma situação de pleno emprego (3% de desemprego) até 2025.
Ligação trabalhador-empresa
Está relacionado com o ponto anterior. Na Alemanha existe um acordo implícito entre patrões e sindicatos: contenção salarial em troca de segurança no emprego, o que permitiu ao país ganhar competitividade externa e impulsionar as exportações. Os custos unitários de trabalho reais da Alemanha afundaram entre final dos anos 90 e a crise financeira, tendo estabilizado a partir dessa altura, com uma ligeira recuperação recente. Enquanto noutros países, a reacção à crise foi despedir, a Alemanha respondeu com menos horas de trabalho e bancos de horas. Os sindicatos estão representados nas administrações e a negociação salarial está menos centralizada.
Sistema de ensino vocacional
O sistema educativo alemão tem sido consistentemente referido como um dos principais responsáveis pela solidez do sector industrial do país e é invejado por muitos Governos. A vertente vocacional não tem o estigma de outros países e absorve cerca de metade dos estudantes alemães, que envolve a integração em estágios (ensino dual) e facilita a transição para o emprego. Serve como uma espécie de estufa para alimentar a indústria alemã – grande parte dela constituída por empresas familiares – com trabalhadores mais qualificados, o que, por sua vez, ajuda as exportações. Este pilar é acompanhado por uma aposta na formação ao longo da vida, assim como na inovação.
Contas públicas equilibradas
A uma economia poderosa junta-se um Estado com as contas equilibradas. A dívida pública está abaixo de 70% do PIB e o equilíbrio anual entre receitas e despesas não se exprime em défice, mas sim num excedente orçamental. Pelo terceiro ano consecutivo, o Estado alemão recebeu mais do que gastou (perto de 1% do PIB). Apesar das recomendações do FMI para utilizar o espaço orçamental que possui, o Governo alemão tem sido muito cauteloso, argumentando que é a sua contenção que lhe garante juros baixos e estabiliza o resto da Zona Euro. Qualquer perda de credibilidade fará disparar os custos de financiamento no país e no resto dos países da moeda única.
O travão de mão
Os mesmos mecanismos e relações que ajudam a explicar o sucesso da economia alemã contribuem também para alguns dos problemas estruturais da Zona Euro e das dificuldades em sair da crise. O FMI tem sido das instituições mais críticas: a estratégia germânica dificulta a vida dos países do Sul da Europa e do BCE e falha em suprir necessidades de investimento do país.
Necessidades de investimento por suprir
É a outra face da moeda de finanças públicas excedentárias. A Alemanha tem necessidades importantes de investimento, nomeadamente em infraestruturas. Há reabilitação por fazer e tempo a recuperar naquilo a que se chama a agenda para a digitalização. Tal como para a totalidade da economia, a contenção orçamental alemã não está a ajudar os países do Sul da Europa. Segundo o FMI, por cada 0,5% do PIB de investimento público alemão adicional a economia dos países periféricos seria estimulada 0,3%. O instituto Ifo estima que metade do excedente externo alemão se justifica com falta de investimento, uma parte importante do qual é da responsabilidade do Estado.
Travão na normalização do BCE
A insistência de Berlim em promover tendências deflacionistas no país (e, por arrasto, no resto do euro) tem merecido a atenção do FMI, representando um dos obstáculos à normalização da política monetária do BCE e à sua capacidade de atingir o seu objectivo de inflação. A posição germânica contribui para o risco de o país e o euro ficarem amarrados a taxas de juro baixas durante muito tempo. Um cenário que traz problemas ao sistema financeiro e pressões adicionais ao mercado imobiliário. Bancos e seguradoras terão a tentação de apostar em activos mais arriscados. O FMI recomenda que salários e preços sejam estimulados, mas avisa que, depois de tanto tempo contidos, podem não reagir.
Salários muito comprimidos
Pode parecer estranho dizê-lo sobre um país onde se recebe muito mais do que em Portugal, mas os avanços salariais na Alemanha têm sido muito limitados. Até à crise financeira, as remunerações cresciam a um ritmo três vezes inferior à média da OCDE. Entre 1995 e 2007, os custos unitários do trabalho reais caíram mais de 9%. Com o desemprego tão baixo, a economia parece estar a "pedir" subidas de salários, que desaceleraram em 2015 e 2016. Porém, existe grande resistência devido ao possível efeito negativo nas exportações. A The Economist escrevia em Julho que "o instinto nacional contra aumentos salariais é formidável". Salários mais altos dinamizariam a procura interna e ajudariam o BCE e outros países do euro.
Pobreza e desigualdade
A Alemanha tem também problemas de pobreza e desigualdade, alguns dos quais promovidos pela estrutura que sustenta a economia. É o caso dos "mini-jobs", empregos part-time com salários baixos que já empregam mais de sete milhões de alemães. Segundo uma análise da OCDE, a Alemanha está entre os países com maior concentração de riqueza no topo 10%, enquanto os 40% mais pobres pouco têm (um dos motivos é o facto de poucos terem casa própria). A reunificação agravou a desigualdade do país, atenuada nos últimos anos pela melhoria do emprego. O mesmo estudo da OCDE conclui que a Alemanha está entre os países onde a riqueza dos pais mais diferença faz nos resultados escolares das crianças.
O excedente de uns é o défice de outros
8,5% do PIB. O excedente externo alemão reflecte o poderio das exportações do país, mas é também uma das causas para o desequilíbrio interno da Zona Euro. A essa poupança corresponde o endividamento de outros países, nomeadamente no Sul da Europa. O ajustamento de economias como Portugal e Espanha foi doloroso e poderia ter sido atenuado se a Alemanha fizesse o caminho inverso e estimulasse a sua procura interna (puxando pelas importações e virando a produção mais para o consumo interno). Na base do excedente alemão está, não só uma indústria forte, como uma moeda que facilita a vida às suas exportações. O FMI estima que ao ter o euro – em vez do marco – a taxa de câmbio real alemã pode estar até 20% subapreciada.
As coligações possíveis nas eleições deste domingo:
A Alemanha é o verdadeiro motor da economia europeia, com um crescimento dinâmico e um desemprego que renova mínimos. Por trás desse sucesso está uma máquina bem oleada, que vai desde o sistema de ensino vocacional e ligação entre sindicatos e patrões até ao objectivo final de estimular as exportações.
Se a economia alemã tem a força de um exército, as exportações são a divisão de tanques. As vendas ao exterior representam quase metade da economia germânica e empurraram o país para o maior crescimento entre os países do G7 no ano passado (este ano ficará atrás do Canadá). O principal destaque está reservado para o seu musculado sector industrial. Cerca de 28% das exportações do bens do país têm origem em dois sectores apenas: maquinaria e automóveis. "A maioria dos alemães sabem que lucram com o comércio", dizia à Bloomberg o deputado Carsten Linnemann, da CDU. A vitalidade das exportações alemãs é o principal factor por trás do elevado excedente externo do país.
A caminho do pleno emprego
Dito de forma simples, os alemães trocaram aumentos salariais potenciais por maior segurança no emprego. Além de uma relação próxima entre empresas e trabalhadores (já lá vamos), as reformas laborais do início do século flexibilizaram o mercado de trabalho e limitaram o subsídio de desemprego. Hoje, a Alemanha tem uma das taxas de empregabilidade mais elevadas do mundo (75%), o que significa que há muita mão-de-obra a contribuir para o processo produtivo. Ao mesmo tempo, o desemprego está a cair desde os 11% de 2005 para perto de 4%. Uma tendência que quase não foi beliscada pela crise. Angela Merkel promete atingir uma situação de pleno emprego (3% de desemprego) até 2025.
Ligação trabalhador-empresa
Está relacionado com o ponto anterior. Na Alemanha existe um acordo implícito entre patrões e sindicatos: contenção salarial em troca de segurança no emprego, o que permitiu ao país ganhar competitividade externa e impulsionar as exportações. Os custos unitários de trabalho reais da Alemanha afundaram entre final dos anos 90 e a crise financeira, tendo estabilizado a partir dessa altura, com uma ligeira recuperação recente. Enquanto noutros países, a reacção à crise foi despedir, a Alemanha respondeu com menos horas de trabalho e bancos de horas. Os sindicatos estão representados nas administrações e a negociação salarial está menos centralizada.
Sistema de ensino vocacional
O sistema educativo alemão tem sido consistentemente referido como um dos principais responsáveis pela solidez do sector industrial do país e é invejado por muitos Governos. A vertente vocacional não tem o estigma de outros países e absorve cerca de metade dos estudantes alemães, que envolve a integração em estágios (ensino dual) e facilita a transição para o emprego. Serve como uma espécie de estufa para alimentar a indústria alemã – grande parte dela constituída por empresas familiares – com trabalhadores mais qualificados, o que, por sua vez, ajuda as exportações. Este pilar é acompanhado por uma aposta na formação ao longo da vida, assim como na inovação.
Contas públicas equilibradas
A uma economia poderosa junta-se um Estado com as contas equilibradas. A dívida pública está abaixo de 70% do PIB e o equilíbrio anual entre receitas e despesas não se exprime em défice, mas sim num excedente orçamental. Pelo terceiro ano consecutivo, o Estado alemão recebeu mais do que gastou (perto de 1% do PIB). Apesar das recomendações do FMI para utilizar o espaço orçamental que possui, o Governo alemão tem sido muito cauteloso, argumentando que é a sua contenção que lhe garante juros baixos e estabiliza o resto da Zona Euro. Qualquer perda de credibilidade fará disparar os custos de financiamento no país e no resto dos países da moeda única.
O travão de mão
Os mesmos mecanismos e relações que ajudam a explicar o sucesso da economia alemã contribuem também para alguns dos problemas estruturais da Zona Euro e das dificuldades em sair da crise. O FMI tem sido das instituições mais críticas: a estratégia germânica dificulta a vida dos países do Sul da Europa e do BCE e falha em suprir necessidades de investimento do país.
Necessidades de investimento por suprir
É a outra face da moeda de finanças públicas excedentárias. A Alemanha tem necessidades importantes de investimento, nomeadamente em infraestruturas. Há reabilitação por fazer e tempo a recuperar naquilo a que se chama a agenda para a digitalização. Tal como para a totalidade da economia, a contenção orçamental alemã não está a ajudar os países do Sul da Europa. Segundo o FMI, por cada 0,5% do PIB de investimento público alemão adicional a economia dos países periféricos seria estimulada 0,3%. O instituto Ifo estima que metade do excedente externo alemão se justifica com falta de investimento, uma parte importante do qual é da responsabilidade do Estado.
Travão na normalização do BCE
A insistência de Berlim em promover tendências deflacionistas no país (e, por arrasto, no resto do euro) tem merecido a atenção do FMI, representando um dos obstáculos à normalização da política monetária do BCE e à sua capacidade de atingir o seu objectivo de inflação. A posição germânica contribui para o risco de o país e o euro ficarem amarrados a taxas de juro baixas durante muito tempo. Um cenário que traz problemas ao sistema financeiro e pressões adicionais ao mercado imobiliário. Bancos e seguradoras terão a tentação de apostar em activos mais arriscados. O FMI recomenda que salários e preços sejam estimulados, mas avisa que, depois de tanto tempo contidos, podem não reagir.
Salários muito comprimidos
Pode parecer estranho dizê-lo sobre um país onde se recebe muito mais do que em Portugal, mas os avanços salariais na Alemanha têm sido muito limitados. Até à crise financeira, as remunerações cresciam a um ritmo três vezes inferior à média da OCDE. Entre 1995 e 2007, os custos unitários do trabalho reais caíram mais de 9%. Com o desemprego tão baixo, a economia parece estar a "pedir" subidas de salários, que desaceleraram em 2015 e 2016. Porém, existe grande resistência devido ao possível efeito negativo nas exportações. A The Economist escrevia em Julho que "o instinto nacional contra aumentos salariais é formidável". Salários mais altos dinamizariam a procura interna e ajudariam o BCE e outros países do euro.
Pobreza e desigualdade
A Alemanha tem também problemas de pobreza e desigualdade, alguns dos quais promovidos pela estrutura que sustenta a economia. É o caso dos "mini-jobs", empregos part-time com salários baixos que já empregam mais de sete milhões de alemães. Segundo uma análise da OCDE, a Alemanha está entre os países com maior concentração de riqueza no topo 10%, enquanto os 40% mais pobres pouco têm (um dos motivos é o facto de poucos terem casa própria). A reunificação agravou a desigualdade do país, atenuada nos últimos anos pela melhoria do emprego. O mesmo estudo da OCDE conclui que a Alemanha está entre os países onde a riqueza dos pais mais diferença faz nos resultados escolares das crianças.
O excedente de uns é o défice de outros
8,5% do PIB. O excedente externo alemão reflecte o poderio das exportações do país, mas é também uma das causas para o desequilíbrio interno da Zona Euro. A essa poupança corresponde o endividamento de outros países, nomeadamente no Sul da Europa. O ajustamento de economias como Portugal e Espanha foi doloroso e poderia ter sido atenuado se a Alemanha fizesse o caminho inverso e estimulasse a sua procura interna (puxando pelas importações e virando a produção mais para o consumo interno). Na base do excedente alemão está, não só uma indústria forte, como uma moeda que facilita a vida às suas exportações. O FMI estima que ao ter o euro – em vez do marco – a taxa de câmbio real alemã pode estar até 20% subapreciada.
As coligações possíveis nas eleições deste domingo: