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Eleições alemãs: muita esperança, pouca uva

Alemanha e França partilham uma responsabilidade e não deixarão cair a sua relação, mas os avanços na governação europeia serão muito mais graduais e menos ambiciosos do que o clima actual parece sugerir.

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O euro foi criado para domar o poderio de uma Alemanha unida, mas a Alemanha tem hoje mais poder e influência do que nunca na política e na economia europeias. As legislativas germânicas tornaram-se num verdadeiro evento político continental, a seguir de Vigo a Varna, como diria Juncker. E a eleição deste domingo está a dar esperança. A pró-europeia Merkel sairá vencedora e forjará uma coligação com um ou mais partidos pró-europeus. A ameaça populista está por agora contida, a economia do euro recupera e há esperança de que o eixo franco-alemão aja decisivamente para ajudar o euro a transcender a barreira política da nacionalidade. Esta é, contudo, uma esperança infundada.

 

Macron entrou bem, a jogar forte. Por um lado, avança com reformas estruturais internas como a do mercado de trabalho, há muito adiada para insatisfação dos alemães. Por outro, usa esse crédito para apresentar propostas ambiciosas de maior partilha de risco e soberania entre os países do euro. Sobram dúvidas sobre se a capacidade de implementação de Macron acompanha as suas palavras. Berlim vai observar o que acontece numa França que resiste ferozmente a mudanças como a que o seu Presidente agora anuncia. Este ponto é importante na construção de confiança entre Merkel e Macron e vai levar o seu tempo a ser provado. E mesmo que faça vingar a sua agenda, Macron sabe que vai encontrar do outro lado uma resistência enorme a mudanças significativas na governação europeia.

 

As negociações políticas a seguir às eleições de domingo terão alguma influência no aumento ou diminuição dessa resistência. Uma coligação entre a direita CDU/CSU com o centro-esquerda do SPD (favorável às propostas de Macron) oferece mais margem na relação com França do que um entendimento de Merkel com os liberais do FDP (desfavorável). Esta última opção parece a mais viável nesta altura, embora nada esteja excluído em conversas que vão levar semanas - é por isso que Macron já sinalizou que vai detalhar as propostas para o euro em plena fase negocial na Alemanha, para forçar a entrada do tema europeu nas negociações. 

 

Mas seja qual for o arranjo final do poder na Alemanha, a resistência em partilhar risco e soberania será sempre grande. Até aqui os sinais de entendimento entre França e Alemanha foram sobre ideias muito vagas e é no detalhe sobre o que cada um quer e a velocidade a que o quer que mora o Diabo. A doutrina económica alemã, a desconfiança sobre os "países do Sul", a exposição já assumida nos resgates e no programa do Banco Central Europeu e a gestão de outros dossiês complicados sobre soberania e cultura (como o que fazer ao milhão de refugiados que a Alemanha acolheu) cavam um fosso perante as propostas de França. A questão dos refugiados é especialmente importante - é o que alimenta o AfD, partido da direita dura, que poderá ter mais de 12% no domingo e nasceu com um manifesto antieuro.

 

Esta tensão entre a vontade de eleitorados com incentivos diferentes, a sobrevivência dos líderes políticos e o que o euro precisa é o que torna tão difícil perspectivar o futuro da moeda única. A crise acalmou, mas a divergência económica entre Norte e Sul e a limitação de instrumentos para lidar com crises assimétricas continuam vivos. Alemanha e França partilham uma responsabilidade e não deixarão cair a sua relação, mas os avanços na governação europeia serão muito mais graduais e menos ambiciosos do que o clima actual parece sugerir. A eleição deste domingo na Alemanha não muda o essencial do problema - e da incerteza sobre um projecto estruturante para Portugal.

 

Jornalista da revista Sábado

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