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Uma fiscalidade eficaz

O reforço da vertente punitiva da fiscalidade só poderá ter surpreendido os mais distraídos.

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A prevenção de Laffe

O reforço da vertente punitiva da fiscalidade só poderá ter surpreendido os mais distraídos. Um orçamento marcado por um necessário aumento generalizado da tributação, num quadro económico recessivo, carece de um reforço da prevenção geral e especial. Isto de modo a empurrar para a direita a curva do famoso gráfico de Arthur Laffer, que nos diz que após um determinado limiar de tributação, ao aumento desta corresponde, paradoxalmente, uma diminuição da receita. Este paradoxo decorre, não apenas do efeito negativo sobre a iniciativa dos agentes económicos do excesso de tributação, mas igualmente de um maior estímulo à fraude e evasão fiscais. Desta pressão real decorre a necessidade de incrementar, igualmente, os estímulos negativos aos comportamentos desviantes.

No entanto e por aqui passará um dos aspectos essenciais deste Orçamento, o sucesso da execução dependerá menos da bondade da lei escrita e mais da sua concreta aplicação, designadamente ao nível da fiscalização e da capacidade de resposta dos tribunais. Vale isto por dizer que a rápida reforma da justiça, a aceleração das pendências, bem como a eficaz (e pacífica) fusão das direcções gerais, serão fundamentais para o sucesso da execução orçamental.

Pedidos de informação "prévios" e deferimento tácito

Para as informações vinculativas urgentes, são paradoxalmente alargados os prazos de resposta pela Administração Tributária: 30 dias (actualmente 15 dias) para responder ao carácter de urgência e 120 dias (actualmente 60 dias) para responder à informação. Já nas informações vinculativas normais, o prazo de resposta é alargado de 90 dias para 150 dias.

O alargamento do prazo de resposta aos pedidos de informação vinculativa parece uma medida contrária ao interesse dos agentes económicos. No entanto, caso sejam efectivamente cumpridos tratar-se-á de um alargamento que será muito bem acolhido pela comunidade empresarial. Mais, o facto de se voltar a permitir que estes pedidos sejam prévios à prática dos actos tributários é, também, de extrema relevância e algo absolutamente fundamental para os agentes económicos.

A taxa máxima do encargo para o contribuinte passou de Euros 10 200 para Euros 25 500. Para os casos de inexactidões ou omissões em sede de pedidos de informação vinculativa, é estabelecida uma coima variável entre Euros 375 a 22 500, sendo reduzida para um quarto no caso do pedido não ter carácter de urgência.

A benefício da celeridade processual é, porém, encurtado de 6 para 4 meses o prazo para a formação do indeferimento tácito, ou seja, o prazo em que se permite o recurso imediato para Tribunal em caso de falta de resposta por parte da Administração Tributária.

Normas anti-abuso e paraísos fiscais

Mais uma vez a lei parece apontar no sentido de um significativo reforço da aplicação quer da cláusula geral anti-abuso, quer das cláusulas especiais. Assim, o prazo para início do procedimento de aplicação de normas anti-abuso é alargado, sendo revogado o prazo especial de 3 anos para a abertura do correspondente procedimento, aplicando-se assim o prazo geral de caducidade mais longo. Por outro lado, é ainda flexibilizada a prova a produzir pela Administração Tributária para a instauração deste procedimento.

Adicionalmente, o prazo dado à administração tributária para fiscalização e cobrança na eventualidade de factos tributários conexos com paraísos fiscais é significativamente alargado. Nestes casos, a caducidade do direito à liquidação passa para 12 anos (contra o prazo geral de 4 anos) e a prescrição é alargada para 15 anos (que compara com o prazo geral de 8 anos).

É ainda criada uma nova coima (de até dez mil euros), para a eventualidade de imputação de lucros de sociedades domiciliadas em paraísos fiscais . Esta previsão de coima específica para os casos de imputação, o alargamento dos casos em que para o efeito a participação é imputada ao sócio residente (detenção através de mandatário, fiduciário ou interposta pessoa), bem como a meramente aparente suavização da sua aplicação no caso da União Europeia ou Espaço Económico Europeu (exclusão em caso de existência de razões económicas válidas com exercício de actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços), corresponde a um expectável acréscimo da relevância prática da norma.

A este propósito, aguarda-se ainda que entrem rapidamente em vigor os vários acordos de trocas de informações já celebrados.

Como é sabido, noutras jurisdições, a matéria de preços de transferência é terreno fértil para larga controvérsia e litigância. Expectavelmente, como forma reforçar a fiscalização desta matéria e tal como era já antecipado, é criada uma coima específica para a ausência de adequada documentação dos preços de transferência, que variará entre 500 a 10.000 euros.

Crimes e contra-ordenações em geral

Em linha com o acima referido, assiste-se a um significativo aumento das molduras penal e contra-ordenacional, podendo aquele aumento, no caso de condutas tipificadas como crime, implicar prisão efectiva. Adicionalmente, prevê-se ainda a diminuição do montante de redução da coima, bem como das situações em que essa redução pode ser conferida.

RERT III – uma última oportunidade?

Dado o incremento do quadro punitivo e atenta a necessidade de obtenção de receita adicional, bem como o facto de no passado se ter exigido a efectiva repatriação para Portugal de determinados activos, o que em muitas circunstâncias não se revelou viável, é criado um novo regime especial de regularização tributária (o RERT III). Em tudo similar ao anterior, o novo regime visa incentivar a declaração, até 30 de Junho de 2012, dos elementos patrimoniais localizados no estrangeiro a 31 de Dezembro de 2010, mediante o pagamento de uma taxa de 7,5% sobre o seu valor respectivo. Como referido e contrariamente ao anterior regime, em caso algum será necessário proceder ao repatriamento dos activos para Portugal.

Da adesão ao regime decorre, como seria expectável, a exoneração de responsabilidade pelas correspondentes infracções tributárias. No entanto, a falta de adesão à regularização ora proposta, bem como as omissões ou inexactidões na mesma, implicam o agravamento de 50% (RERT II) para 60% (RERT III) da majoração do imposto devido pelos rendimentos relativos aos elementos patrimoniais que não tenham sido declarados, que tenham sido omitidos ou que, tendo sido declarados, o tenham sido de modo inexacto.

Arbitragem

No contexto da arbitragem, a surpresa decorre das alterações às regras de suspensão da liquidação, caducidade e prescrição, bem como do âmbito de competência. Ainda que as alterações sejam de pormenor, mas estando o sucesso da agilização das pendências, actuais e futuras, também dependente do sucesso da arbitragem tributária, qualquer alteração do seu novíssimo regime, deve ver vista como profundamente negativa para o seu sucesso prático, i.e., para a percepção que os utilizadores da justiça tributária terão do mesmo, e consequentemente, um erro a evitar.

Outros

Cumprindo jurisprudência recente e em linha com o que vinha sendo reclamado, as entidades residentes na UE ou no EEE não necessitarão de nomear representante fiscal, ao contrário do que a lei, em violação das liberdades fundamentais, prevê actualmente. Os sujeitos passivos de IRC e os sujeitos passivos enquadrados no regime normal do IVA terão de possuir um endereço de correio electrónico declarado, até 31 de Março de 2012, sendo as notificações e citações efectuadas através de e-mail.

É revogado o prazo máximo de 3 anos para cálculo de juros de mora, sendo estes agora calculados até ao pagamento da dívida fiscal. A taxa de juros de mora é elevada para o dobro (cerca de 12%), se a Administração Tributária ou os contribuintes não derem cumprimento atempado à sentença judicial. Prevê-se ainda a possibilidade de requerer o pagamento a prestações até à data da marcação da venda dos bens penhorados.

Os órgãos do Ministério da Solidariedade e Segurança Social passarão a remeter à DGCI, por via electrónica e até ao final do mês de Fevereiro de cada ano, os valores de todas as prestações sociais pagas, incluindo pensões, bolsas de estudo e de formação, subsídios de renda de casa e outros apoios públicos à habitação, por beneficiário, relativas ao ano anterior, através de modelo oficial.

Sócio da PwC - Lidera os departamentos de "Fiscalidade" e de "Governo e Sector Público"

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