Opinião
A errância da política fiscal e o investimento
Possuir o sistema fiscal europeu mais amigo do investimento devia ser para nós consensual.
UM OBJETIVO EXTRA FISCAL CLARO
A escassez de capital, a necessidade de criar emprego e a imperiosa necessidade de virar a economia ao exterior (aos bens e serviços transacionáveis) aconselham, determinam mesmo, que a fiscalidade fomente o investimento e o empreendorismo, facilitando também a mobilidade social.
Possuir o sistema fiscal europeu mais amigo do investimento e do empreendorismo deveria ser para nós consensual, portanto. Como o deveria ser a perniciosidade de discriminar negativamente as empresas de maior dimensão e com maior capacidade de exportação, de criação de emprego e de arrasto dos restantes agentes económicos.
Um sistema fiscal que seja amigo do investimento e do empreendorismo precisa de ser estável, consistente, previsível e confiável. Precisa ainda de ser moderado e não um aspirador da riqueza criada ou acumulada pelos agentes económicos, cerceando e penalizando o sucesso económico. Implica pois uma redução da insustentável carga fiscal incidente sobre as famílias e as empresas.
Essa redução deve começar pelos impostos sobre o rendimento, pela revogação da tributação dos ditos "imóveis habitacionais de luxo" e deixar a redução dos impostos sobre a despesa para quando o controlo do défice público o permita.
No início da semana fiz um exercício pessoal de listar as medidas fiscais que seriam mais eficazes para aquele objectivo. Comparando a proposta orçamental com aquela lista pessoal, a conclusão é frustrante.
O QUE LÁ ESTÁ
O RFAI e outros incentivos ao investimento são reforçados.
A Remuneração Convencional do Capital Social deveria ser aplicável a todas as empresas, de modo a abolir a discriminação negativa das empresas de maior dimensão e do capital próprio. E da proposta resulta que o regime é alargado substancialmente.
Incentivos ao investimentos em start-ups
A promoção da celeridade dos processos tributários, com opção de passagem à arbitragem tributária por delonga processual significativa (e.g. maior de 12 meses) e causa não imputável ao sujeito passivo, não consta da proposta, mas deverá constar de lei avulsa. Mais, a prevista cessação das garantias prestadas, em caso de ganho de causa em primeira instância, e de dispensa da sua prestação em casos de menor relevância, são excelentes medidas no sentido de melhorar a justiça tributária.
Previsão da autoliquidação do IVA nas importações, mas diferida para 2018
A criação de um gabinete de apoio personalizado e célere ao investidor, que permita confirmar rapidamente o enquadramento tributário, também não consta da proposta. Mas consta a redução de 90 para 75 dias, da resposta aos pedidos de informação vinculativa urgente é igualmente muito positiva para a captação de investimento. Mas essa redução só será relevante se o prazo for observado na prática, o que não acontece hoje. Na verdade, eu preferiria um alargamento do prazo para 120 dias e que fosse respeitado na prática, do que um encurtamento do mesmo para 75 dias, mantendo-se as mais diversas justificações para o sistemático incumprimentos desse prazo.
O QUE LÁ NÃO ESTÁ
A taxa nominal de IRC deveria descer para 19%, de modo a ser das mais competititiva na Europa, mas mantém-se inalterada.
As taxas de tributação dos rendimentos das sociedades não devem ser progressivas, por discriminarem negativamente as empresas de maior dimensão, mas a derrama estadual mantém-se, o que torna o sistema erradamente progressivo.
O regime de participation exemption para mais valias e dividendos (à entrada e à saída) deveria ser aplicável também a investimentos superiors a determinado montante (e.g. 10 milhões de euros), ou metade desse valor no caso de empresas com valores mobilàrios admitidos à cotação em bolsa de valores
Inclusão dos denominados embedded royalties no regime de patent box, e alargamento do regime às marcas, pela sua relevância para a indústria e distribuição.
Aplicação do regime especial de tributação de grupos de sociedades a entidades tributadas por regimes especiais, desde que o grupo seja limitado a estas entidades, e.g. entidades licenciadas para operarem no CINM.
Clarificaçao de que os impostos petrolíferos ou sobre outras indústrias extractivas são considerados como imposto sobre rendimento das sociedades para efeitos de crédito de imposto por dupla tributação internacional e de que a tributação dos denominados striped dividends (dividendos em espécie por atribuição de ações próprias) corresponde à tributação da incorporação de reservas.
Criação de um crédito fiscal por criação de postos de trabalho.
Alargamento da dedutibilidade do IVA suportado no segmento do MICE (Meetings, Incentives, Conferences and Entertainment), para consolidar a posição de Portugal no turismo de negócios.
O QUE LÁ ESTÁ AO CONTRÁRIO
Não se removem da lista negra de paraísos fiscais os Estados com os quais já temos em vigor Convenções para evitar a dupla tributação ou Acordos de troca de informações em matéria fiscal e, a este propósito, há até uma disposição ininteligível e que aparentemente visa alargar o conceito de paraíso fiscal, mesmo em caso de vigência daqueles acordos internacionais.
Agravamento da tributação: fat tax, munições e demais impostos do vício (tradicional).
Manutenção da sobretaxa, com ligeira redução diferenciada por escalões, do que decorre o aumento da presente exagerada hiper progressividade da tributação dos rendimentos das famílias.
Não alargamento da lista dos residentes não habituais, inconsistência da tributação com o regime dos ditos vistos gold e ausência de revisão da tributação dos Trusts e de outras estruturas fiduciárias para permitir a instação de family offices em Portugal.
Ora, todo o regime do AIMI é absolutamente incompatível com a fixação da residência de famílias de elevado património no País e com o turismo residencial (e já agora também o regime do alojamento local). Mais, todo o regime do AIMI é contrário ao investimento económico (e.g. agricultura, distribuição, promoção imobiliária, arrendamento) e à captação de investimento. As debilidades, aliás, são tantas que seria fastidioso listá-las.
CONCLUSÃO
São escassas as medidas desenhadas para a captação de investimento constantes da proposta.
E tudo é deitado a perder por um insignificante valor de receita adicional, a qual fará os títulos da imprensa internacional: "Portugal alarga e aumenta a tributação do património imobiliário"; "Portugal ataca os incautos que acreditaram nos programas golden visa e residentes não habituais"; "Portugal afugenta novos residentes com agravamenta da tributação do imobiliário".
Daqui a um ano, com escassos 80 milhões de receita adicional e várias centenas de milhões de investimento e de receita fiscal perdidos, vamo-nos perguntar se valeu a pena ter sido tributariamente inconsistente. E mais uma vez responderemos que não.
Mas, mais uma vez ainda, não teremos aprendido a nossa lição. Ou seja, de que um sistema fiscal amigo do investimento e do empreendorismo tem de ser estável, consistente, previsível e confiável.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico