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03 de Agosto de 2005 às 13:59

Um silêncio pouco inocente

Se é fácil acusar a família Vaz Guedes ou o empresário Pais do Amaral de «vende pátrias», quem se acusará num dia em que o BBVA oferecer 2,50 euros por cada acção do Millennium?

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As centenas de milhar de accionistas que acorrerão alegremente em direcção aos seus legítimos lucros?

As notícias de que Miguel Pais do Amaral pondera a venda de uma posição de controlo na Media Capital ao grupo Prisa, levantaram de novo a polémica sobre o crescente peso espanhol sobre a economia portuguesa. De um lado, colunistas defendendo a excelência da gestão nacional e a necessidade de manter os famosos «centros de decisão nacional» e, do outro, editorialistas lembrando que vivemos num mundo globalizado, em que a eficácia da gestão empresarial e a livre circulação dos capitais são valores em si mesmo. Até Diogo Vaz Guedes, insuspeito nesta matéria, lembrou esta semana que a banca é um sector estratégico, que deve ser preservado das investidas estrangeiras. Ninguém, no seu perfeito juízo, poderá imaginar um país cujas empresas mais importantes são controladas por capital e gestão de um outro país vizinho, reservando para os nacionais sectores mais insignificantes, tipo restauração, táxis e biscastes afins. Um país é mais do que um amontoado de gente, partilhando fronteiras geográficas e uma cultura e língua próprias. É também uma rede de interesses empresariais, capaz de gerar riqueza e a sua capacidade de manter a independência face a interesses externos. Repare-se que até os campeões do liberalismo económico, os Estados Unidos da América, acabam de «boicotar» uma oferta da chinesa CNOOC sobre a Unocal, a quarta maior petrolífera norte-americana, porque não lhes interessa que os chineses se apropriem das reservas petrolíferas que esta companhia detém e que são essenciais às necessidades norte-americanas de abastecimento energético. Ainda mais descarado, o governo francês - de direita - ameaçou há 15 dias uma oferta da Pepsi sobre a Danone. A multinacional norte-americana acabou por descartar a hipótese de comprar a companhia francesa. Ou seja, num mundo em que tudo parece livre e simples, quando os interesses vitais das nações são ameaçados tudo é travado por questões de interesse económico.

Há, por razões de continuidade geográfica e economias de escala, um real interesse das empresas espanholas pelo mercado português: é o mercado mais fácil de atacar a partir de Espanha, permitindo fazer crescer as vendas com custos adicionais baixos - por vezes basta uma antena comercial em Lisboa. É especulativo escrever que há uma conspiração séria para tomar os sectores estratégicos da economia portuguesa, mas por um processo natural de proximidade e interesse gradual, aos poucos as coisas que interessam vão caindo debaixo do mando espanhol. Ontem foi uma construtora, hoje um grupo de imprensa, amanhã talvez uma telecom, um dia será um grande banco. E, se há responsabilidades a assacar sobre isto, não será com certeza aos vendedores: verdade seja dita que qualquer tipo, de qualquer nacionalidade, se receber uma boa proposta sobre a sua empresa, vende. Os accionistas da Unocal vendem as suas acções se a oferta chinesa gerar mais-valias. Idem para os da Danone. E idem, idem para os da Portugal Telecom ou para os do BPI ou do Millennium/BCP.

É ao Estado que compete estabelecer e executar uma política de defesa dos centros estratégicos da economia nacional. Porque se é fácil acusar a família Vaz Guedes ou o empresário Pais do Amaral de «vende pátrias», quem se acusará num dia em que o BBVA oferecer 2,50 euros por cada acção do Millennium? As centenas de milhar de accionistas que acorrerão alegremente em direcção aos seus legítimos lucros?

Ora bem, nem no caso da Sacyr/Somague nem no caso Prisa/MediaCapital se ouviu uma voz governamental que desse um sinal contra estes negócios. Mesmo na «novela» Santander/grupo Champalimaud, os sinais foram distintos no que foi a posição dos ministros das Finanças Eduardo Catroga e Sousa Franco e depois a decisão de Pina Moura, enquanto ministro da Economia e das Finanças que revogou o veto ao negócio Santander/Champalimaud, na sequência de Bruxelas o ter declarado «contrário à legislação comunitária». Não é uma questão de animosidade particular contra os espanhóis. Poderiam ser americanos, russos ou chineses. Mas, na verdade, a economia portuguesa apenas interessa aos nossos vizinhos. Mas um Estado que vive sem política de defesa dos seus interesses económicos centrais arrisca-se a deixar passar uma, deixar passar duas, deixar passar todas e, no final da história, perder o seu sentido de ser. Assim, é importante que os políticos falem sobre este assunto. O que pensam o PS e o PSD sobre isto? E os respectivos pré-candidatos presidenciais Soares e Cavaco? E a sociedade civil, empresários e cidadãos? E, em resultado de tudo isto, porque não se faz o que tem de ser feito - determinar os sectores e as empresas intocáveis e a partir daí não abrir mão deles, ameace a União Europeia o que ameaçar (vide como os italianos rechaçaram o interesse do BBVA sobre o BNI)? E, mais estranho, porque é que nunca ninguém, de lado político nenhum, se quer comprometer com estes temas? O silêncio, aqui, não parece nada inocente.

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