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07 de Dezembro de 2006 às 16:24

Um pastor alemão no coração da Turquia

A visita do Papa Bento XVI à Turquia, independentemente das motivações que lhe estão subjacentes, foi, sobretudo após as declarações que proferiu na Universidade de Ratisbona e que inflamaram o mundo islâmico, um acto de grande coragem e diplomacia.

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A visita do Papa Bento XVI à Turquia, independentemente das motivações que lhe estão subjacentes, foi, sobretudo após as declarações que proferiu na Universidade de Ratisbona e que inflamaram o mundo islâmico, um acto de grande coragem e diplomacia.

Esta visita foi reconhecidamente perigosa dado que existem nos últimos trinta anos um sem número de precedentes em termos de atentados, como o de Mehmet Ali Agça, cidadão turco que tentou matar João Paulo II em 1981 e, o assassinato este ano do padre italiano Andrea Santoro, na sequência da controvérsia das caricaturas de Maomé.

Com efeito, a deslocação do Papa pode ter duas leituras extraídas das suas próprias palavras, dado que o fez para "dialogar com a minoria ortodoxa do país e para deixar uma mensagem aos muçulmanos".

Parece, assim, que este Papa que já se manifestou no passado contra a entrada da Turquia na União Europeia, sugere um retorno aos valores cristãos fundamentais numa aproximação declarada ao Patriarca Ecuménico Bartolomeu I, líder da igreja ortodoxa, com ambos a defender a reconciliação entre as duas igrejas selada numa declaração conjunta, na qual se refere a necessidade da completa reconstrução da unidade cristã, perante o crescendo de conflitos religiosos planetários.

Este propósito foi explicado pelo Cardeal Walter Kasper, presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos que, em entrevista ao diário alemão Frankfurter Allgemeine, declarou que a visita devia funcionar como um sinal de que as Igrejas do Oriente e do Ocidente estão dispostas a prosseguir o caminho da sua aproximação, dado que os conflitos do mundo globalizado obrigam os cristãos a juntarem-se e a descobrir o que tem em comum, em contraposição ao mundo islâmico.

Outra leitura desta visita seria a de ver nela um gesto de reconciliação entre a igreja católica e o mundo islâmico, vertida no simbolismo da visita à Mesquita Azul, a segunda feita na história do Vaticano, onde antes de entrar e rezar o Papa tirou os sapatos, seguindo simbolicamente o exemplo dos fiéis islâmicos, ao lado do seu chefe religioso Mustafa Cagrici.

Henri kissinger defendia que uma das melhores escolas diplomáticas do mundo era a do Vaticano, sobretudo agora com Bento XVI que é, reconhecidamente, um hábil estratega da Fé Católica e da sua aplicação nos países mais distantes. Por isso, não é impossível que esta diplomacia sábia tentasse justamente num país como a Turquia, de maioria islâmica, aparentemente apaziguar os ânimos exaltados depois do discurso na universidade alemã, enquanto dá passos no sentido da reunificação cristã, numa visão maquiavélica que prevê reacções e manifestações violentas que levem a afastar, ainda mais, a possibilidade da entrada do País na União Europeia.

Na verdade, tudo se conjuga agora para que as negociações de adesão sejam suspensas, sobretudo após a recusa de Erdogan em deixar circular os navios e aviões cipriotas gregos nas suas águas territoriais e aeroportos, o qual pede apenas a contrapartida do levantamento do embargo à República Turca do Chipre. Como se não bastasse, a Assembleia Nacional Francesa acaba de adoptar legislação que penaliza a rejeição do genocídio arménio com uma multa que pode ir ate aos 45.000 euros e um ano de prisão. Pensa-se, com efeito, que entre 1915 e 1921, cerca de dois milhões de arménios foram mortos por forças armadas e de segurança turcas, os quais à semelhança dos judeus, foram acusados de actos de traição por simpatizarem com os opositores russos do regime da época. No contraponto, a Turquia hodierna continua a punir severamente com penas de prisão e sanções económicas severas todos aqueles que reconheçam a existência de um genocídio arménio.

Em suma, a sempre controversa questão da adesão da Turquia à União Europeia está ao rubro, desta vez convenientemente numa Franca com eleições presidenciais à porta e com a Comissão a propor uma decisão hábil de não fechar nenhum capítulo negocial até ao cumprimento pleno do Protocolo de Ancara, o que só irá ser decidido, em definitivo, pelos Chefes de Estado e de Governo no próximo Conselho Europeu.

Caso o processo de adesão venha a ser suspenso, independentemente das verdadeiras razões, o que é facto é que a conjugação de todos estes factores poderá ter como consequência conseguir, para já, eliminar do mapa da União o único país que não pertence ao mais restrito e elitista clube cristão europeu.

Especialista em Assuntos Europeus.

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