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04 de Maio de 2005 às 13:59

Todos Mourinhos

O Estado enquadra, mas a revolução começa nas pessoas. Em potência, somos todos Mourinhos. E, quem esquece isso, não só não apreendeu o potencial de estar vivo, como o verdadeiro significado da palavra cidadania.

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As vitórias do Chelsea na Taça de Inglaterra e na Premier League – e, às horas que escrevo, a eventualidade de ganhar também a Taça dos Campeões Europeus – catapultou José Mourinho para a primeira dimensão das celebridades mundiais. Com razão. O senhor conseguiu um excelente desempenho e, merecidamente, tornou-se um ídolo das multidões que o futebol fanatiza. Para quem, como os portugueses, vive a vida nacional como uma ondulação perpétua de euforias e depressões, é o motivo do orgulho momentâneo. Mas é claro que para a marca Portugal, a ascensão de Mourinho é coisa boa. Não é só a moral do «tuga» que vai para cima, é também a nossa «fama» junto dos ingleses e demais povos que ligam ao futebol. Não haverá muitas ocasiões para que, nas ruas de Chelsea, as multidões gritem pelo nome de um português. Ainda que não seja o único, porque Luís Figo, Cristiano Ronaldo, Rui Costa e etc são outros nomes «consagrados» destas coisas. Ainda que Mourinho apareça num patamar superior – ele não tem jogo de pés, ou um jeitinho especial para fintar. Ele é um gestor, com preocupações estratégicas, tácticas e sobre os seus recursos humanos, que faz uso do seu cérebro. José Mourinho, não saindo do mundo da bola, atira a capacidade dos portugueses para outro nível – o da capacidade de gestão. E isso é excelente. Porque o problema de Portugal começa por um problema de percepção – dos portugueses sobre si próprios e dos outros sobre os portugueses. Mas claro que os outros não mudam de percepção enquanto nós continuarmos com a casa desarrumada.

A primeira coisa errada é continuarmos com a conversa de que isto é tudo uma grande trampa, passe a expressão. Que se reduz à conversa de que «este País não vale a pena», que tem ainda como variante o «este País não existe». Isto reduz todos nós a quase nada e, mais complicado, desresponsabiliza toda a gente. Porque não são os países que não prestam, são os povos que os habitam que não fazem para os merecer. É como aquela citação do Kennedy «não perguntem o que a América pode fazer por vocês, mas o que vocês podem fazer pela América». E há imensos portugueses que estão a fazer por eles e, ao mesmo tempo, pelo seu País. Não é só Mourinho e aquele lote de atletas que promove o nome de Portugal lá fora. São também muitos outros portugueses, muitos deles absolutamente anónimos, que estão a fazer, e também cá dentro, um País melhor. Em pequenas e grandes coisas, algumas delas invisíveis aos olhos da comunicação e outras que, de tanto aparecerem, se tornam maçadoras. Mas, indubitavelmente, Portugal tem caminhado, progressivamente, no sentido da sua modernização e da sua abertura ao mundo. Para lá dos nomes sonantes do futebol, há o António Damásio e o João Magueijo nas ciências, e há o Belmiro de Azevedo e o Jardim Gonçalves na internacionalização das empresas portuguesas. Mas o que interessa fazer é a exposição mediática de mais gente menos conhecida, mas que constituem a nova geração de empreendedores e gestores portugueses. E que estão, inexoravelmente, a caminhar cada vez mais para fora de Portugal – SAP, Cisco, Microsoft, Siemens, Vivo, YDreams, Chipideia, Altitude são organizações de todos os tamanhos, feitios e nacionalidades onde cérebros portugueses mandam ou ganham protagonismo crescente. A ideia é que estes exemplos frutifiquem e permitam a alavancagem de mais projectos nacionais e de mais portugueses em grandes multinacionais. E se isto depende da qualidade da matéria-prima – e já vimos que ela existe e é boa – depende também do enquadramento que lhe for dada. Aqui, o Estado tem que saber construir uma política de «networking» entre pessoas e de maturação dos sectores de actividades que mais interessam: e que são aqueles que permitem iniciar um projecto grande para o crescimento das exportações nacionais de bens e serviços. O Estado não pode ficar apenas a ver o que se faz, mas como indicador dos sectores em que se deve fazer, funcionando de seguida como facilitador entre os recursos.

Mas não se julgue que a mudança de paradigma está no Estado ou em políticas governativas. O Estado enquadra, mas a revolução começa nas pessoas. Em potência, somos todos Mourinhos. E, quem esquece isso, não só não apreendeu o potencial de estar vivo, como o verdadeiro significado da palavra cidadania.

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