Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
16 de Novembro de 2005 às 13:59

Reviver o passado em Belém

Não há um único candidato presidencial que seja deste tempo e que tenha reflectido sobre os temas dos próximos cinco ou dez anos. São todos candidatos do passado e que mentalmente já não conseguem sair daí.

  • ...

A violência que começou há quinze dias em Paris, rapidamente alastrou para outras cidades francesas e até para outras capitais e cidades espalhadas por toda a Europa. Esta mini-intifada tem uma origem bem evidente: a exclusão social. De jovens suburbanos, muito deles oriundos de países não europeus, que incendeiam carros e equipamentos públicos como forma de mostrarem o seu descontentamento pela forma como vivem - sem futuro.

A Europa precisa e vai continuar a receber imigrantes provindos especialmente de África, para equilibrar a sua taxa de natalidade negativa e para compensar o défice do seu sistema providencial de segurança social. Sem um fluxo contínuo de gente «nova», a Europa condena-se à extinção demográfica e à morte súbita da Providência Social. É preciso mais gente e mais gente que trabalhe e desconte para a segurança social.

O que acontece é que esta gente que vem não pode continuar a ser marginalizada para os bairros da periferia das grandes cidades, onde se amontoa - especialmente as segundas gerações - numa espécie de mundo paralelo ao cosmopolitismo do centro. Quer dizer, não podemos ignorar os milhões que vivem desintegrados a poucos quilómetros dos grandes centros comerciais e de serviços, como se não existissem. Primeiro, porque são tão gente como «nós».

Segundo, porque estamos a permitir que se gere um enorme massa de descontentes, pronta a explodir pelo menor dos motivos. É urgente que a integração social seja uma prioridade política, no sentido da criação de políticas de integração para estes marginalizados. E que são políticas que tanto funcionam pelo combate à exclusão, como políticas de incentivo ao crescimento económico. Quer dizer, se estes jovens forem formados profissionalmente com pés e cabeça e forem inseridos no meio social e empresarial, potenciarão o dinamismo económico que há-de existir neles. As pessoas não incendeiam carros por «hobby» ou por piromania genética. Fazem-no porque não tem mais nada para fazer. Dêem-lhes uma oportunidade profissional ou empresarial decente e essa energia será canalizada para projectos bem mais positivos. O que se exige é que os Estados construam políticas multidisciplinares que convertam frustrados em profissionais ou empreendedores com perspectivas de crescimento pessoal.

E, já agora, esta questão não é apenas uma coisa para os franceses discutirem. Lembram-se do arrastão do Verão passado, nas praias de Carcavelos? É que essa coisa foi uma expressão em versão «tropical-lusitana» do mesmo mal--estar que colocou França a ferro e fogo. Portugal sofre também, ainda que não visivelmente, do mesmo problema. No dia em que uma horda de miúdos descer da Cova da Moura para o centro da Amadora, vamos ter muitas notícias e imagens engraçadas nos noticiários televisivos. E como de costume, no dia a seguir vamos ter toda a gente a dizer que se devia ter tratado da questão atempadamente. Esta é, portanto, a oportunidade para profilacticamente começar a tratar do tema.

E até se pode dar o caso de aproveitar a presente campanha eleitoral para o discutir. Afinal, já não há muita paciência para ouvir debates sobre o tema do costume - a contenção orçamental e as dificuldades porque passa o País. Acontece que a necessidade de cortar na despesa pública não é, sequer, passível de discussão, porque é apenas uma necessidade, para mais evidente e de bom-senso. Obrigar os candidatos presidenciais a discutir temas sérios como este é, no entanto, exactamente aquilo que eles não querem. Uns porque não têm cultura para discutir mais nada do que não seja as finanças públicas.

Outros porque não sabem ir além da necessidade genérica de manter as liberdades cívicas e democráticas ou garantir demagogicamente os direitos das minorias. Na verdade, esta eleição presidencial tem muito pouco interesse por um motivo simples - não há um único candidato que seja deste tempo e que saiba sobre os temas que vão marcar a agenda política nos próximos cinco ou dez anos. São todos candidatos que vem do passado e que mentalmente já não conseguem sair daí. E o que Portugal precisa é de alguém que saiba intuir o futuro e o que aí vem, tanto o bom como o mau. Em Janeiro, não há ninguém com este perfil em quem votar. O próximo Presidente desta República será apenas um fantasma do seu próprio passado. Azar o nosso.

Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio