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14 de Setembro de 2010 às 12:00

Renmimbi

A causa subjacente à crise financeira dos Estados Unidos foi o aparecimento de um desequilíbrio macroeconómico global. No início do novo século, os Estados Unidos registaram défices crescentes nas contas externas, absorvendo poupanças geradas em países emergentes como a China, por um lado, e os países exportadores de petróleo, por outro.

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Entre 2000 e 2008, os Estados Unidos absorveram ¾ da poupança mundial. Como alguém acertadamente notou, durante aquele período, o capital fluiu de países com crescimento de produtividade rápido para países com crescimento de produtividade lento.

Não tendo os Estados Unidos procurado esterilizar o influxo de capitais, incorreram num crescimento excessivo da liquidez. Esse crescimento resultou numa interacção perversa entre o desequilíbrio global e o sistema financeiro norte-americano.

A abundância nunca foi amiga da eficiência: num contexto de baixas taxas de juro, gerou-se uma procura por retorno, que, por sua vez, conduziu à subavaliação do risco. O resto da história, toda a gente conhece: entre aplicações especulativas nos mercados financeiros e empréstimos de alto risco à habitação (cortados em salame e empacotados em novos salames ditos "estruturados"), a economia dos Estados Unidos enfrentou uma série de bolhas, desde a tecnológica à das mercadorias e, finalmente, à do imobiliário.

Falta de supervisão no sistema financeiro? Com certeza. Mas havendo liquidez excessiva, o
Se o Renmimbi não apreciar em termos nominais, o desemprego mover-se-á implacavelmente do Oriente para o Ocidente.
desequilíbrio teria de se manifestar, fosse lá por onde fosse.

Sobre a origem do desequilíbrio global, não há opiniões unânimes. Uns argumentam que foi fruto de uma política neo-mercantilista deliberada por parte da China, no sentido de manter o Renmimbi subvalorizado, como forma de subsidiar as exportações (contornando a OMC) e, assim, acelerar o processo de migração interna dos sectores tradicionais para os sectores modernos.

Outros argumentam que os excedentes financeiros da China resultam de um problema estrutural do seu sistema bancário, que é a dificuldade em recuperar o crédito concedido ao sector privado: até aqui, os bancos dedicavam-se a financiar empresas públicas, pouco eficientes, mas pagadoras.

A contracção do sector público empresarial resultou, no entanto, em menores oportunidades nesse segmento, induzindo os bancos públicos chineses a canalizar os seus excedentes financeiros para o exterior, enquanto o sector privado se expandia em regime de auto-financiamento.

Outros afirmam que o desmantelamento dos mecanismos de protecção social existentes na velha China induziu as famílias a incrementar a sua poupança. Finalmente, há quem note que, entre 2000 e 2008, a China apenas financiou 30% do défice norte-americano e que, por conseguinte, a China é apenas um paradigma para um problema mais vasto, do qual uma parte tem origem nos próprios Estados Unidos.

Independentemente de quem tem razão, o que é certo é que o desequilíbrio global coloca desafios importantes à arquitectura do sistema financeiro internacional e tem surgido na primeira linha da argumentação em favor de uma maior coordenação de políticas a nível internacional. Uma das frentes de discussão tem sido a taxa de câmbio do Renmimbi.

Vários estudos feitos à taxa de câmbio do Renmimbi apontam, efectivamente, para uma subvalorização. Um método consiste em estimar a taxa de câmbio que equilibraria a balança corrente ajustada do ciclo económico. Outro método atenta aos custos unitários do trabalho na China face aos Estados Unidos. Em geral, essas duas abordagens têm conduzido a resultados semelhantes, apontando para uma subvalorização do Renmimbi face ao dólar.

Mas poder-se-á questionar se as medidas de taxa de câmbio de equilíbrio acima descritas estarão a captar todas as dimensões do problema.

Em geral, quando uma taxa de câmbio se encontra subvalorizada, tendem a verificar-se pressões inflacionistas. Na China, existe alguma inflação. Mas as pressões estão mais relacionados com congestionamentos na oferta devidos à heterogeneidade de competências e à dispersão geográfica da força de trabalho do que com um excesso global da procura de trabalho sobre a oferta de trabalho. Dito de outra forma, do ponto de vista do mercado de trabalho como um todo, não há razões para uma subida de salários reais na China, pelo simples motivo de que existem - e vão continuar a existir - muitos trabalhadores disponíveis para ingressar na indústria a um salário muito baixo. Não é por acaso que as estatísticas mostram que os salários reais na China têm evoluído menos do que a produtividade.

O que está aqui em causa é um dilema entre duas noções de taxa de câmbio de equilíbrio: uma, mais conjuntural, que atenta ao equilíbrio das contas externas; outra, mais estrutural, que se manifesta em função das condições do mercado de trabalho em cada país. Ora o grande problema é que, nesta fase de transição, as duas taxas de câmbio de equilíbrio não correspondem: quando o Renmimbi aprecia em termos nominais, as exportações chinesas tornam-se mais caras e o excedente comercial da China tende a reduzir-se, aliviando o problema financeiro global. Mas esse movimento atrasa o processo de absorção da mão-de-obra excedentária, contribuindo para a moderação - se não mesmo deflação - salarial na China e, por essa via, para uma nova depreciação real.

Se, no entanto, o Renmimbi não apreciar em termos nominais, o desemprego mover-se-á implacavelmente do Oriente para o Ocidente, arrumando com as economias ocidentais antes de ser totalmente absorvido, e no longo prazo estaremos todos mortos. O problema é tão mais grave quanto a China é apenas um dos vários gigantes com mão-de-obra excedentária que emergiram na economia global.

Os desafios para a economia mundial durante esta fase de transição estarão muito pautados pelo compromisso entre a necessidade de acomodar o ingresso de uma enorme massa de trabalhadores no mercado de trabalho mundial e a necessidade de preservar a estabilidade do sistema financeiro internacional.

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