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04 de Outubro de 2011 às 11:47

Preços

Falemos de preços. Os preços constituem um elemento essencial de regulação dos mercados.

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Falemos de preços. Os preços constituem um elemento essencial de regulação dos mercados. Em geral, quando se ajustam em função da oferta e da procura, transmitem informação relevante aos agentes económicos, induzindo-os a produzir mais e a consumir menos dos bens que se tornam mais escassos, e a produzir menos e a consumir mais dos bens que se tornam mais abundantes. Numa pequena economia aberta como Portugal, os sinais dados pelos preços têm um papel muito importante no ajustamento macroeconómico.

A figura em baixo descreve a evolução de alguns deflatores das contas nacionais. Naturalmente, tratando-se de índices agregados, pecam por esconder a diversidade que integram. Por exemplo, o deflator das importações é mais volátil que o das exportações, porque o primeiro contempla uma maior influência das matérias-primas e dos produtos energéticos que o segundo. Não obstante, a figura demonstra, de forma contundente, a realidade que é ser uma pequena economia aberta: os preços das exportações evoluem em estreita sintonia com os preços das importações. A razão é muito simples: na maior parte dos mercados de exportação a concorrência internacional é grande, pelo que as empresas portuguesas não têm capacidade para influenciar o preço de venda: assim, quando as cotações internacionais sobem, o preço das exportações portuguesas sobe; quando as cotações internacionais descem, o preço das exportações portuguesas desce. Desse facto decorre que, nos sectores de exportação (como nos sectores que concorrem com as importações), são os salários e o lucro que se ajustam às flutuações dos preços internacionais. Por exemplo, quando o preço internacional cai, as remunerações tendem a cair. As empresas que não conseguirem compensar a descida do preço com ganhos de produtividade tenderão a desaparecer.

Sendo tão clara a evidência de que o preço dos bens exportados é basicamente ditado pelo exterior, continuo sem entender como é que há quem defenda que o mérito de uma eventual descida da TSU se deva medir pelo seu impacto nos preços de exportação: fará sentido pretender que a descida da TSU se traduza num subsídio aos consumidores estrangeiros? Durante quanto tempo? Não será mais plausível entender a descida da TSU simplesmente como uma forma de aumentar temporariamente os lucros ou os salários nos sectores que estão mais expostos à concorrência externa e, por essa via, incentivar a reafectação dos recursos em seu favor? Expliquem-me como se eu fosse muito burro…

A série (c) da figura diz respeito a outra realidade. A série mede a evolução dos preços da produção nacional dirigida ao mercado nacional. Esta, por sua vez, contempla bens que concorrem com as importações (cujos preços alinham pela lógica anterior) e bens que, pela sua natureza, não podem ser importados nem exportados: idas ao cinema, restauração, cabeleireiros, serviços de distribuição, limpeza, transporte, habitação, saúde, educação, etc. Chamemos a esses, os bens "locais". A característica fundamental dos bens "locais" é que, como não podem ser importados nem exportados, os seus preços são determinados exclusivamente em Portugal.

O interessante da série (c) é que espelha bem a evolução dos desequilíbrios macroeconómicos em Portugal. Por exemplo, ao longo do período 1995-2009, os preços dos bens "locais" aumentaram. Porquê? Porque durante todo aquele período, a procura interna aumentou mais do que a oferta interna e os bens locais não podem ser importados. A subida do preço dos bens "locais", por sua vez, motivou a reorientação da produção em seu favor e o desvio do consumo para as importações. O impacto na estrutura produtiva e no défice externo é bem conhecido.

A novidade relativamente à narrativa que já conhecemos é o comportamento mais recente da série (c): com a queda abrupta da procura interna, os preços dos bens que apenas podem ser fornecidos localmente começaram a cair em termos nominais (recorde-se que a série (c) no gráfico subavalia essa queda, pois inclui bens que concorrem com as importações, cujo preço está a subir). Ora essa constatação é uma excelente notícia: significa que a Economia Portuguesa é muito mais flexível do que normalmente se assume. Mesmo sem desvalorização cambial, os preços já caminham na direcção certa, transmitindo aos agentes económicos os incentivos correctos: aos produtores, dizem que o que está a dar são as exportações; aos consumidores, dizem que o melhor é gastar mais em bens "locais". Recorde-se que este último efeito é fundamental para minorar o impacto recessivo da contracção da procura interna e para, em simultâneo, ajudar a corrigir o défice externo.

Uma questão que se coloca é a de saber qual seria o impacto de uma eventual descida da TSU neste contexto. Considerações de financiamento à parte, uma descida "uniforme" (!) da TSU contribuiria para acelerar o ajustamento: por um lado, permitiria aumentar os lucros nas exportações, incentivando a reorientação da produção para o exterior; por outro lado, criaria condições para uma descida mais rápida dos preços dos bens "locais", promovendo os efeitos desejados do lado da procura. O problema é que o financiamento da medida pode ser de molde a contrariar o processo de ajustamento. Imagine-se, por exemplo, que o Governo, na mira de conseguir uma redução substancial da TSU, resolvia aumentar drasticamente os impostos (ou reduzir os subsídios), mas apenas sobre os bens "locais" (restauração, transportes urbanos, serviços de habitação, saúde e educação). Nesse caso, os respectivos preços tenderiam a aumentar, incentivando os consumidores a desviar de novo a procura em favor dos bens importados, o que agravaria a recessão e o desequilíbrio externo. Ou seja, arriscar-nos-íamos a perder pelo lado da procura aquilo que se pretendia ganhar pela via das exportações.

Em matéria de TSU/IVA, pouco e uniforme é melhor do que muito e discriminatório.



Professor da Universidade de Aveiro
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