Opinião
Preços
Falemos de preços. Os preços constituem um elemento essencial de regulação dos mercados.
Falemos de preços. Os preços constituem um elemento essencial de regulação dos mercados. Em geral, quando se ajustam em função da oferta e da procura, transmitem informação relevante aos agentes económicos, induzindo-os a produzir mais e a consumir menos dos bens que se tornam mais escassos, e a produzir menos e a consumir mais dos bens que se tornam mais abundantes. Numa pequena economia aberta como Portugal, os sinais dados pelos preços têm um papel muito importante no ajustamento macroeconómico.
A figura em baixo descreve a evolução de alguns deflatores das contas nacionais. Naturalmente, tratando-se de índices agregados, pecam por esconder a diversidade que integram. Por exemplo, o deflator das importações é mais volátil que o das exportações, porque o primeiro contempla uma maior influência das matérias-primas e dos produtos energéticos que o segundo. Não obstante, a figura demonstra, de forma contundente, a realidade que é ser uma pequena economia aberta: os preços das exportações evoluem em estreita sintonia com os preços das importações. A razão é muito simples: na maior parte dos mercados de exportação a concorrência internacional é grande, pelo que as empresas portuguesas não têm capacidade para influenciar o preço de venda: assim, quando as cotações internacionais sobem, o preço das exportações portuguesas sobe; quando as cotações internacionais descem, o preço das exportações portuguesas desce. Desse facto decorre que, nos sectores de exportação (como nos sectores que concorrem com as importações), são os salários e o lucro que se ajustam às flutuações dos preços internacionais. Por exemplo, quando o preço internacional cai, as remunerações tendem a cair. As empresas que não conseguirem compensar a descida do preço com ganhos de produtividade tenderão a desaparecer.
Sendo tão clara a evidência de que o preço dos bens exportados é basicamente ditado pelo exterior, continuo sem entender como é que há quem defenda que o mérito de uma eventual descida da TSU se deva medir pelo seu impacto nos preços de exportação: fará sentido pretender que a descida da TSU se traduza num subsídio aos consumidores estrangeiros? Durante quanto tempo? Não será mais plausível entender a descida da TSU simplesmente como uma forma de aumentar temporariamente os lucros ou os salários nos sectores que estão mais expostos à concorrência externa e, por essa via, incentivar a reafectação dos recursos em seu favor? Expliquem-me como se eu fosse muito burro…
A série (c) da figura diz respeito a outra realidade. A série mede a evolução dos preços da produção nacional dirigida ao mercado nacional. Esta, por sua vez, contempla bens que concorrem com as importações (cujos preços alinham pela lógica anterior) e bens que, pela sua natureza, não podem ser importados nem exportados: idas ao cinema, restauração, cabeleireiros, serviços de distribuição, limpeza, transporte, habitação, saúde, educação, etc. Chamemos a esses, os bens "locais". A característica fundamental dos bens "locais" é que, como não podem ser importados nem exportados, os seus preços são determinados exclusivamente em Portugal.
O interessante da série (c) é que espelha bem a evolução dos desequilíbrios macroeconómicos em Portugal. Por exemplo, ao longo do período 1995-2009, os preços dos bens "locais" aumentaram. Porquê? Porque durante todo aquele período, a procura interna aumentou mais do que a oferta interna e os bens locais não podem ser importados. A subida do preço dos bens "locais", por sua vez, motivou a reorientação da produção em seu favor e o desvio do consumo para as importações. O impacto na estrutura produtiva e no défice externo é bem conhecido.
A novidade relativamente à narrativa que já conhecemos é o comportamento mais recente da série (c): com a queda abrupta da procura interna, os preços dos bens que apenas podem ser fornecidos localmente começaram a cair em termos nominais (recorde-se que a série (c) no gráfico subavalia essa queda, pois inclui bens que concorrem com as importações, cujo preço está a subir). Ora essa constatação é uma excelente notícia: significa que a Economia Portuguesa é muito mais flexível do que normalmente se assume. Mesmo sem desvalorização cambial, os preços já caminham na direcção certa, transmitindo aos agentes económicos os incentivos correctos: aos produtores, dizem que o que está a dar são as exportações; aos consumidores, dizem que o melhor é gastar mais em bens "locais". Recorde-se que este último efeito é fundamental para minorar o impacto recessivo da contracção da procura interna e para, em simultâneo, ajudar a corrigir o défice externo.
Uma questão que se coloca é a de saber qual seria o impacto de uma eventual descida da TSU neste contexto. Considerações de financiamento à parte, uma descida "uniforme" (!) da TSU contribuiria para acelerar o ajustamento: por um lado, permitiria aumentar os lucros nas exportações, incentivando a reorientação da produção para o exterior; por outro lado, criaria condições para uma descida mais rápida dos preços dos bens "locais", promovendo os efeitos desejados do lado da procura. O problema é que o financiamento da medida pode ser de molde a contrariar o processo de ajustamento. Imagine-se, por exemplo, que o Governo, na mira de conseguir uma redução substancial da TSU, resolvia aumentar drasticamente os impostos (ou reduzir os subsídios), mas apenas sobre os bens "locais" (restauração, transportes urbanos, serviços de habitação, saúde e educação). Nesse caso, os respectivos preços tenderiam a aumentar, incentivando os consumidores a desviar de novo a procura em favor dos bens importados, o que agravaria a recessão e o desequilíbrio externo. Ou seja, arriscar-nos-íamos a perder pelo lado da procura aquilo que se pretendia ganhar pela via das exportações.
Em matéria de TSU/IVA, pouco e uniforme é melhor do que muito e discriminatório.
Professor da Universidade de Aveiro
Assina esta coluna quinzenalmente à terça-feira
A figura em baixo descreve a evolução de alguns deflatores das contas nacionais. Naturalmente, tratando-se de índices agregados, pecam por esconder a diversidade que integram. Por exemplo, o deflator das importações é mais volátil que o das exportações, porque o primeiro contempla uma maior influência das matérias-primas e dos produtos energéticos que o segundo. Não obstante, a figura demonstra, de forma contundente, a realidade que é ser uma pequena economia aberta: os preços das exportações evoluem em estreita sintonia com os preços das importações. A razão é muito simples: na maior parte dos mercados de exportação a concorrência internacional é grande, pelo que as empresas portuguesas não têm capacidade para influenciar o preço de venda: assim, quando as cotações internacionais sobem, o preço das exportações portuguesas sobe; quando as cotações internacionais descem, o preço das exportações portuguesas desce. Desse facto decorre que, nos sectores de exportação (como nos sectores que concorrem com as importações), são os salários e o lucro que se ajustam às flutuações dos preços internacionais. Por exemplo, quando o preço internacional cai, as remunerações tendem a cair. As empresas que não conseguirem compensar a descida do preço com ganhos de produtividade tenderão a desaparecer.
A série (c) da figura diz respeito a outra realidade. A série mede a evolução dos preços da produção nacional dirigida ao mercado nacional. Esta, por sua vez, contempla bens que concorrem com as importações (cujos preços alinham pela lógica anterior) e bens que, pela sua natureza, não podem ser importados nem exportados: idas ao cinema, restauração, cabeleireiros, serviços de distribuição, limpeza, transporte, habitação, saúde, educação, etc. Chamemos a esses, os bens "locais". A característica fundamental dos bens "locais" é que, como não podem ser importados nem exportados, os seus preços são determinados exclusivamente em Portugal.
O interessante da série (c) é que espelha bem a evolução dos desequilíbrios macroeconómicos em Portugal. Por exemplo, ao longo do período 1995-2009, os preços dos bens "locais" aumentaram. Porquê? Porque durante todo aquele período, a procura interna aumentou mais do que a oferta interna e os bens locais não podem ser importados. A subida do preço dos bens "locais", por sua vez, motivou a reorientação da produção em seu favor e o desvio do consumo para as importações. O impacto na estrutura produtiva e no défice externo é bem conhecido.
A novidade relativamente à narrativa que já conhecemos é o comportamento mais recente da série (c): com a queda abrupta da procura interna, os preços dos bens que apenas podem ser fornecidos localmente começaram a cair em termos nominais (recorde-se que a série (c) no gráfico subavalia essa queda, pois inclui bens que concorrem com as importações, cujo preço está a subir). Ora essa constatação é uma excelente notícia: significa que a Economia Portuguesa é muito mais flexível do que normalmente se assume. Mesmo sem desvalorização cambial, os preços já caminham na direcção certa, transmitindo aos agentes económicos os incentivos correctos: aos produtores, dizem que o que está a dar são as exportações; aos consumidores, dizem que o melhor é gastar mais em bens "locais". Recorde-se que este último efeito é fundamental para minorar o impacto recessivo da contracção da procura interna e para, em simultâneo, ajudar a corrigir o défice externo.
Uma questão que se coloca é a de saber qual seria o impacto de uma eventual descida da TSU neste contexto. Considerações de financiamento à parte, uma descida "uniforme" (!) da TSU contribuiria para acelerar o ajustamento: por um lado, permitiria aumentar os lucros nas exportações, incentivando a reorientação da produção para o exterior; por outro lado, criaria condições para uma descida mais rápida dos preços dos bens "locais", promovendo os efeitos desejados do lado da procura. O problema é que o financiamento da medida pode ser de molde a contrariar o processo de ajustamento. Imagine-se, por exemplo, que o Governo, na mira de conseguir uma redução substancial da TSU, resolvia aumentar drasticamente os impostos (ou reduzir os subsídios), mas apenas sobre os bens "locais" (restauração, transportes urbanos, serviços de habitação, saúde e educação). Nesse caso, os respectivos preços tenderiam a aumentar, incentivando os consumidores a desviar de novo a procura em favor dos bens importados, o que agravaria a recessão e o desequilíbrio externo. Ou seja, arriscar-nos-íamos a perder pelo lado da procura aquilo que se pretendia ganhar pela via das exportações.
Em matéria de TSU/IVA, pouco e uniforme é melhor do que muito e discriminatório.
Professor da Universidade de Aveiro
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