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28 de Novembro de 2011 às 23:30

Aprofundamento

A decisão de construir uma piscina municipal deve estar ao nível da autarquia ou ao nível do poder central? Ao nível da autarquia, dir-nos-á o senso comum.

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A decisão de construir uma piscina municipal deve estar ao nível da autarquia ou ao nível do poder central? Ao nível da autarquia, dir-nos-á o senso comum. A razão é que essa decisão interessa essencialmente aos munícipes locais: na medida em que a decisão não colida com o bem-estar dos cidadãos das outras autarquias, haverá todo o interesse em aproxima-la do eleitor. Assim, acomoda-se a possibilidade de as preferências variarem ao longo do território e permite-se um maior controlo democrático por parte dos cidadãos relativamente a opções de política que apenas a si dizem respeito.

Já o mesmo não se aplica, por exemplo, à definição de um programa de matemática para o 1º ano do ensino básico: a existência de um programa comum constitui uma vantagem para o conjunto, pois possibilita a mobilidade geográfica de docentes e alunos. Como a definição de programa conjunto envolve uma coordenação de esforços que seria difícil de conseguir entre municípios locais, essa competência deve migrar para uma autoridade superior.

Em suma, por questões de eficiência, faz sentido que determinadas decisões sejam tomadas ao nível local e que outras decisões sejam tomadas ao nível superior. Matérias onde faça sentido acomodar preferências locais, desde que não interfiram com o bem-estar das outras regiões ou que não tenham associadas grandes economias de escala, deverão, tanto quanto possível, ser decididas a um nível próximo do cidadão.

Para que tudo isto faça sentido, no entanto, é necessário que exista uma coincidência entre a esfera da competência e a esfera da responsabilidade orçamental. Se os eleitores da autarquia votarem pela construção de uma piscina municipal, devem estar conscientes que tal implicará uma maior contribuição autárquica no ano seguinte ou, em alternativa, menos iluminação de natal ou fogos de artifício no final do ano. Se, em alternativa, for possível exportar os custos para os contribuintes de outras regiões, haverá incentivo para construir mais piscinas, mais fogos de artifício e mais jardins. Nesse caso, o interesse local estará desalinhado relativamente ao interesse geral, deixando de se verificar uma das condições que justifica a descentralização em primeira instância.

Uma forma de resolver o problema é conferir à autarquia uma grande autonomia, incluindo capacidade para fixar impostos, mas negar-lhe a possibilidade de salvamento, em caso de falência. Nesse caso, os munícipes serão livres de decidir colectivamente as despesas que entenderem, mas se a autarquia falir, terá que fazer um acordo com os credores e reestruturar a dívida: os cidadãos das outras autarquias nada terão a ver com isso.

A outra hipótese é considerar que o Estado é uno e que, por isso a dívida de qualquer autarquia ou região tem a garantia implícita de todos os contribuintes. Como tal modelo incentiva a despesa, é necessário complementa-lo com regras orçamentais muito estritas. Em Portugal, basicamente, vivemos em regime de Lusobonds: as dívidas das entidades públicas tem uma garantia mais ou menos implícita do Estado, a colecta de impostos é essencialmente centralizada e o Governo reserva para si o direito de não transferir verbas para as entidades que não cumpram escrupulosamente as orientações que lhes são ditadas a nível central. Se essa prorrogativa tem sido bem usada ou não, é outra história.

A Zona Euro foi construída com base no primeiro modelo: como os países que constituem a Zona Euro tem origens culturais diferentes, achou-se que a melhor forma de acomodar a diversidade de preferências seria mantendo a soberania orçamental ao nível dos Estados-membros. E como défices orçamentais excessivos por parte de uns estados membros poderiam constituir um problema para a região, optou-se pela fixação de limites aos défices e às dívidas, que os Estados soberanos se comprometeram a respeitar. Além disso, nenhum estado da Zona Euro poderia auxiliar financeiramente outro Estado, excepto em circunstâncias muito excepcionais.

Infelizmente, o pacto de estabilidade não foi levado a sério. Os limites foram sistematicamente violados, as multas não foram aplicadas e os países começaram a ajudar-se uns aos outros. Em consequência, os estados mais disciplinados começaram a pagar com taxas de juro superiores a indisciplina dos restantes, que era precisamente aquilo que o pacto, se tivesse sido cumprido, teria conseguido evitar.

Hoje o pacto de estabilidade, na sua versão actual, sofre de um problema de credibilidade. E como recuperar essa credibilidade pode demorar muito tempo, as instituições europeias voltam-se agora para uma nova bazuca: o reforço da integração, como forma de viabilizar a solidariedade. À partida, essa opção nada tem de dramático (antes, será um corolário do processo anterior). Uma hipótese interessante seria, por exemplo, reforçar o orçamento comunitário, através do esvaziamento dos orçamentos nacionais, e nessa medida criar obrigações europeias. Nesse modelo, manter-se-iam sob a alçada de cada estado membro (e portanto sobre a sua exclusiva responsabilidade financeira), as decisões que mais eficientemente fossem implementadas a nível nacional. Ou seja, desde que as competências certas e as responsabilidades respectivas migrassem no sentido correcto, todos teríamos a ganhar.

O problema é que a urgência do processo pode ditar uma evolução precipitada no sentido da centralização excessiva. Se tivermos que avançar muito rapidamente para a colectivização da dívida sem que estejam implementadas no terreno instituições que asseguram que os impactos das decisões morrem com quem as toma, é natural que, numa fase inicial, se negue a possibilidade de decisão a quem mais eficazmente as poderia tomar, em prejuízo da eficiência e do controlo democrático. Se tal será politicamente sustentável ou não, não sabemos.



Professor da Universidade de Aveiro
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