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Carlos Ferreira dos Santos 15 de Janeiro de 2009 às 12:53

E agora?

Uma semana antes da tomada de posse do novo Presidente dos EUA, não deixa de ser curioso que a Alemanha tenha anunciado o seu pacote de investimento público e cortes fiscais para estimular a economia em crise. No seguimento do que tinham já feito outros países europeus, incluindo Portugal. Sempre enunciando prioridades que andam em torno dos mesmos eixos:...

Sempre enunciando prioridades que andam em torno dos mesmos eixos: renovação de infra-estruturas rodoviárias, reconstrução de edifícios escolares em degradação, ajudas directas aos mais pobres. No nosso caso, Sócrates incluiu a rede de banda larga e a distribuição eléctrica. Numa emulação clara das prioridades do programa económico apresentado durante o período de transição pelo Presidente Eleito dos EUA.

A diferença de vulto está nas verbas. O plano do homem que a 20 de Janeiro culmina uma caminhada em que se tornou num ícone de multidões, desde Berlim a Portland, tem neste momento um custo previsto de 775 mil milhões de dólares. Uma verba inferior ao que a sua equipa, e mesmo economistas mais fiscalmente conservadores, como Lawrence Lindsay, ex-conselheiro da Administração Bush, consideram necessário. E necessariamente menos do que Paul Krugman argumentou no seu blogue que seria preciso, dado o nível corrente de "output gap" e desemprego nos EUA.

A negociação política impõe, contudo, constrangimentos. Obama tomará posse numa situação que apenas tem paralelo na de Franklin Roosevelt em 1933: uma aterragem de emergência com necessidade de enviar de imediato um pacote de estímulos ao Congresso. A tradição passa antes por tomadas de posse numa aterragem suave, com as primeiras iniciativas legislativas a virem das duas câmaras do Capitólio.

Em 2008, o preço das casas continuou a cair, e estima-se que ainda não parou. Mais 2 milhões e seiscentos mil americanos perderam o emprego. E o comércio natalício foi o mais baixo em 40 anos. A situação económica dos EUA, presos numa deflacionária armadilha de liquidez e em que a política monetária não é uma opção possível para o novo Presidente, é de emergência, e por isso de emergência terá que ser o trabalho desde a entrada na Casa Branca. Mas se a equipa de especialistas económicos que se reuniu apontou para uma fasquia superior aos 775 mil milhões, e se diversos independentes, e mesmo conservadores, acham o número baixo, a verdade é que a política continua ainda, mesmo em face da maior das crises, a ser a arte do possível. O sistema político americano permite a formação no Senado de minorias de bloqueio ("filibusters") e os democratas, mesmo com Al Franken a vencer na recontagem do Minnesota, não têm os 60 senadores necessários para evitar essas minorias. Até porque, além de republicanos, há que contar com as reservas que este exorbitante nível de despesa pública levanta ao conjunto de senadores democratas conhecidos por "blue dogs", por serem próximos do conservadorismo fiscal.

A verba surgiu assim como um compromisso entre o possível e o desejável, numa reunião entre Obama e os líderes dos dois partidos no Senado e na Câmara dos Representantes: é a verba mais alta que é politicamente viável tentar aprovar neste momento. Mais a mais, porque em simultâneo se está a desbloquear a segunda tranche do plano de ajuda ao sector financeiro (o TARP, de Henry Paulson), que necessita de autorização de um Congresso particularmente céptico quando vê a rapidez com que os primeiros 350 mil milhões se evaporaram, sem sinais de maior saúde financeira em Wall Street.

O problema do défice é secundário, diz Krugman. Tenho sérias reservas quanto a isso. Mas o plano de Obama tem pelo menos algumas vantagens face aos défices em que o Japão incorreu ao longo de dez anos: as áreas de investimento imediato identificadas correspondem a necessidades reais da economia, o que não sucedia no caso japonês. Um bom exemplo é a ajuda financeira aos Estados. Muitos destes estão endividados, e, sem as verbas do governo federal, teriam de cortar despesas, o que resultaria num agravamento do desemprego. Igualmente importantes são os estudos que presidem às apostas na criação de infra-estruturas nas áreas energéticas e ambientais. Um estudo de Setembro da Universidade do Massachussets, em Amherst, mostra que o sector tem um potencial enorme de criação de emprego. E, se a meta da nova Administração subiu para os 4.000.000 de empregos em dois anos, este é o sector de maior potencial. Ademais, os chamados "green collar jobs" têm a vantagem de serem exigentes em capital humano, e por isso não passíveis de exportação para países de mão-de-obra barata.

O mérito de Barack Obama, tenha ele sucesso ou não, foi constituir massa crítica e tomar decisões politicamente possíveis mas tecnicamente fundamentadas. Não sei se o mesmo se poderá dizer da rapidez com que os mesmos sectores são eleitos na Europa. Porque a massa crítica que existirá na nova Casa Branca não me parece ter sido reunida para a reflexão prévia às recentes medidas propostas na UE.

À pergunta que formulo no meu livro que sairá em Fevereiro "E agora, Obama?", apetece responder que conhecemos os fundamentos dos rumos que tomou. Porque as decisões foram tudo menos descuidadas. O caminho é armadilhado, mas pelo menos foi estudado de antemão. E agora, Europa?

Evolução do Consumo e do Investimento português em percentagem do PIB

Fonte: Banco de Portugal

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