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03 de Fevereiro de 2009 às 13:00

Em que medida a inflação seria agora preciosa?

Casey Mulligan, prestigiado académico de Chicago, sintetizava numa expressão o que Krugman vem dizendo há uns dez anos: "O que a deflação prolonga, a inflação pode aliviar." No mesmo sentido, Ken Rogoff, de Harvard, sugeriu, no final de Dezembro passado, que os EUA deveriam permitir "uma subida moderada da inflação".

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Casey Mulligan, prestigiado académico de Chicago, sintetizava numa expressão o que Krugman vem dizendo há uns dez anos: "O que a deflação prolonga, a inflação pode aliviar." No mesmo sentido, Ken Rogoff, de Harvard, sugeriu, no final de Dezembro passado, que os EUA deveriam permitir "uma subida moderada da inflação". O que foi também seguido por Gregory Mankiw, que propôs que "A Reserva Federal deve abandonar objectivos da estabilidade de preços e promover uma inflação modesta". Tenho aludido à falta desta componente no plano de estímulos de Barack Obama. E com os mais recentes números da zona Euro, parece-me que começa a chegar a altura do BCE pensar nisto. Por estranho que lhes pareça.

O mecanismo de que se está aqui a falar tem potencialidades virtuosas ao nível da saída da crise, sem os riscos que os défices excessivos comportam. Parece que os decisores de política não têm ligado muito. Contudo, a intuição económica da coisa é simples e vai à génese do problema: a crise do "subprime". Coisa que os pacotes de estímulos não fazem.

No essencial o que se tem em mente é o anúncio credível por parte da Reserva Federal (para ficarmos pelo caso americano) de uma taxa de crescimento monetário fixa num certo horizonte temporal - a forma mais simples de se promover o surgimento de uma expectativa de inflação. A esse processo inflacionário estaria associado o concomitante efeito de perda de valor real da moeda: o que um dólar compra agora, já não consegue comprar daqui a um ano.

Em que medida actuaria a nível da crise de crédito? Imaginemos que a generalidade dos preços dos bens e serviços sobe. Não estamos a dizer que o preço das casas vá subir em resultado disso. Mas antes que, embora as casas ainda tenham de perder valor, essa perda é agora atingida em termos reais: se o preço actual de uma casa for de 200.000 dólares, a tendência de descida do valor é conseguida com o preço daqui a um ano sendo... 200.000 dólares. Isto é, o declínio do preço nominal das casas é travado pela força contrária da perda de valor da moeda. As casas ainda vão valer menos em termos reais daqui a um ano, mas colocou-se um travão à espiral descendente dos valores nominais.

Daqui podem resultar dois efeitos virtuosos. Dizem os manuais de macroeconomia que a inflação favorece os devedores e prejudica os credores. No contexto actual, a inflação, ao travar a queda do preço das casas, beneficiaria ambos: os devedores, pelo mecanismo habitual, e os credores, via perspectivas francamente melhoradas ao nível da diminuição do risco de "default".

Em segundo lugar, e porventura no que é mais relevante, o valor das famosas "Mortgage Backed Securities" seria sustido, permitindo repor confiança nos balanços bancários e devolvendo, por inerência, confiança ao mercado interbancário. O crédito poderia voltar a funcionar com progressiva normalidade, tanto entre bancos como entre estes e os clientes finais: famílias e empresas. Dito de outra forma, se foi a perda de valor das MBS que precipitou o colapso financeiro, um ciclo inflacionista permitiria suster o valor desses títulos, diminuindo o risco nos empréstimos interbancários e comerciais.

Esta solução tem a clara vantagem do não agravamento desproporcionado de défices com as conhecidas consequências no "rating". Em todo o caso, tem sido apresentada como proposta complementar ao plano de estímulos, não o substituindo. Autorizaria contudo que, em lugar de um plano orçado num valor de 12 zeros, pudéssemos estar a pensar em algo mais moderado.

Em conclusão, a arquitectura dos estatutos do BCE leva a que não haja grande surpresa com a ausência deste debate na Europa. Mas, sendo certo que Obama ouve Krugman, é em algo surpreendente a ausência desta componente do famoso pacote de recuperação. O problema, se calhar, é o receio subconsciente que em todos foi incutido quanto à inflação. Mesmo quando esta já estava há largos anos em patamares irrisórios. Eventualmente, os economistas não foram treinados a pensar que a inflação pode ser um precioso auxiliar.

É o problema do domínio da ortodoxia e do "mainstream". No livro "E agora, Obama?", que publico em Fevereiro, exploro com detalhe as virtudes e os riscos do plano que ele tem vindo a anunciar face a uma alternativa que passasse pelas sugestões de Krugman, Rogoff, Mulligan e Mankiw.
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