Opinião
Em que medida a inflação seria agora preciosa?
Casey Mulligan, prestigiado académico de Chicago, sintetizava numa expressão o que Krugman vem dizendo há uns dez anos: "O que a deflação prolonga, a inflação pode aliviar." No mesmo sentido, Ken Rogoff, de Harvard, sugeriu, no final de Dezembro passado, que os EUA deveriam permitir "uma subida moderada da inflação".
Casey Mulligan, prestigiado académico de Chicago, sintetizava numa expressão o que Krugman vem dizendo há uns dez anos: "O que a deflação prolonga, a inflação pode aliviar." No mesmo sentido, Ken Rogoff, de Harvard, sugeriu, no final de Dezembro passado, que os EUA deveriam permitir "uma subida moderada da inflação". O que foi também seguido por Gregory Mankiw, que propôs que "A Reserva Federal deve abandonar objectivos da estabilidade de preços e promover uma inflação modesta". Tenho aludido à falta desta componente no plano de estímulos de Barack Obama. E com os mais recentes números da zona Euro, parece-me que começa a chegar a altura do BCE pensar nisto. Por estranho que lhes pareça.
O mecanismo de que se está aqui a falar tem potencialidades virtuosas ao nível da saída da crise, sem os riscos que os défices excessivos comportam. Parece que os decisores de política não têm ligado muito. Contudo, a intuição económica da coisa é simples e vai à génese do problema: a crise do "subprime". Coisa que os pacotes de estímulos não fazem.
No essencial o que se tem em mente é o anúncio credível por parte da Reserva Federal (para ficarmos pelo caso americano) de uma taxa de crescimento monetário fixa num certo horizonte temporal - a forma mais simples de se promover o surgimento de uma expectativa de inflação. A esse processo inflacionário estaria associado o concomitante efeito de perda de valor real da moeda: o que um dólar compra agora, já não consegue comprar daqui a um ano.
Em que medida actuaria a nível da crise de crédito? Imaginemos que a generalidade dos preços dos bens e serviços sobe. Não estamos a dizer que o preço das casas vá subir em resultado disso. Mas antes que, embora as casas ainda tenham de perder valor, essa perda é agora atingida em termos reais: se o preço actual de uma casa for de 200.000 dólares, a tendência de descida do valor é conseguida com o preço daqui a um ano sendo... 200.000 dólares. Isto é, o declínio do preço nominal das casas é travado pela força contrária da perda de valor da moeda. As casas ainda vão valer menos em termos reais daqui a um ano, mas colocou-se um travão à espiral descendente dos valores nominais.
Daqui podem resultar dois efeitos virtuosos. Dizem os manuais de macroeconomia que a inflação favorece os devedores e prejudica os credores. No contexto actual, a inflação, ao travar a queda do preço das casas, beneficiaria ambos: os devedores, pelo mecanismo habitual, e os credores, via perspectivas francamente melhoradas ao nível da diminuição do risco de "default".
Em segundo lugar, e porventura no que é mais relevante, o valor das famosas "Mortgage Backed Securities" seria sustido, permitindo repor confiança nos balanços bancários e devolvendo, por inerência, confiança ao mercado interbancário. O crédito poderia voltar a funcionar com progressiva normalidade, tanto entre bancos como entre estes e os clientes finais: famílias e empresas. Dito de outra forma, se foi a perda de valor das MBS que precipitou o colapso financeiro, um ciclo inflacionista permitiria suster o valor desses títulos, diminuindo o risco nos empréstimos interbancários e comerciais.
Esta solução tem a clara vantagem do não agravamento desproporcionado de défices com as conhecidas consequências no "rating". Em todo o caso, tem sido apresentada como proposta complementar ao plano de estímulos, não o substituindo. Autorizaria contudo que, em lugar de um plano orçado num valor de 12 zeros, pudéssemos estar a pensar em algo mais moderado.
Em conclusão, a arquitectura dos estatutos do BCE leva a que não haja grande surpresa com a ausência deste debate na Europa. Mas, sendo certo que Obama ouve Krugman, é em algo surpreendente a ausência desta componente do famoso pacote de recuperação. O problema, se calhar, é o receio subconsciente que em todos foi incutido quanto à inflação. Mesmo quando esta já estava há largos anos em patamares irrisórios. Eventualmente, os economistas não foram treinados a pensar que a inflação pode ser um precioso auxiliar.
É o problema do domínio da ortodoxia e do "mainstream". No livro "E agora, Obama?", que publico em Fevereiro, exploro com detalhe as virtudes e os riscos do plano que ele tem vindo a anunciar face a uma alternativa que passasse pelas sugestões de Krugman, Rogoff, Mulligan e Mankiw.
O mecanismo de que se está aqui a falar tem potencialidades virtuosas ao nível da saída da crise, sem os riscos que os défices excessivos comportam. Parece que os decisores de política não têm ligado muito. Contudo, a intuição económica da coisa é simples e vai à génese do problema: a crise do "subprime". Coisa que os pacotes de estímulos não fazem.
Em que medida actuaria a nível da crise de crédito? Imaginemos que a generalidade dos preços dos bens e serviços sobe. Não estamos a dizer que o preço das casas vá subir em resultado disso. Mas antes que, embora as casas ainda tenham de perder valor, essa perda é agora atingida em termos reais: se o preço actual de uma casa for de 200.000 dólares, a tendência de descida do valor é conseguida com o preço daqui a um ano sendo... 200.000 dólares. Isto é, o declínio do preço nominal das casas é travado pela força contrária da perda de valor da moeda. As casas ainda vão valer menos em termos reais daqui a um ano, mas colocou-se um travão à espiral descendente dos valores nominais.
Daqui podem resultar dois efeitos virtuosos. Dizem os manuais de macroeconomia que a inflação favorece os devedores e prejudica os credores. No contexto actual, a inflação, ao travar a queda do preço das casas, beneficiaria ambos: os devedores, pelo mecanismo habitual, e os credores, via perspectivas francamente melhoradas ao nível da diminuição do risco de "default".
Em segundo lugar, e porventura no que é mais relevante, o valor das famosas "Mortgage Backed Securities" seria sustido, permitindo repor confiança nos balanços bancários e devolvendo, por inerência, confiança ao mercado interbancário. O crédito poderia voltar a funcionar com progressiva normalidade, tanto entre bancos como entre estes e os clientes finais: famílias e empresas. Dito de outra forma, se foi a perda de valor das MBS que precipitou o colapso financeiro, um ciclo inflacionista permitiria suster o valor desses títulos, diminuindo o risco nos empréstimos interbancários e comerciais.
Esta solução tem a clara vantagem do não agravamento desproporcionado de défices com as conhecidas consequências no "rating". Em todo o caso, tem sido apresentada como proposta complementar ao plano de estímulos, não o substituindo. Autorizaria contudo que, em lugar de um plano orçado num valor de 12 zeros, pudéssemos estar a pensar em algo mais moderado.
Em conclusão, a arquitectura dos estatutos do BCE leva a que não haja grande surpresa com a ausência deste debate na Europa. Mas, sendo certo que Obama ouve Krugman, é em algo surpreendente a ausência desta componente do famoso pacote de recuperação. O problema, se calhar, é o receio subconsciente que em todos foi incutido quanto à inflação. Mesmo quando esta já estava há largos anos em patamares irrisórios. Eventualmente, os economistas não foram treinados a pensar que a inflação pode ser um precioso auxiliar.
É o problema do domínio da ortodoxia e do "mainstream". No livro "E agora, Obama?", que publico em Fevereiro, exploro com detalhe as virtudes e os riscos do plano que ele tem vindo a anunciar face a uma alternativa que passasse pelas sugestões de Krugman, Rogoff, Mulligan e Mankiw.
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