Opinião
Expectativas para a reunião do G20: a economica da geopolítica
O título de coluna de opinião recente do "Financial Times", "Lessons to the West from asian capitalism", sumaria o espírito com que é encarada a reunião do G20, em Londres. A ideia de que o encontro bilateral entre Obama...
O título de coluna de opinião recente do "Financial Times", "Lessons to the West from asian capitalism", sumaria o espírito com que é encarada a reunião do G20, em Londres. A ideia de que o encontro bilateral entre Obama e o presidente chinês Hu Jintao será o que releva na cimeira tem ganho crescente adesão na sequência de práticas claramente provocatórias de Pequim, no sentido de afirmar o estatuto de superpotência.
Desde as declarações do primeiro-ministro Wen Jiabao, em meados de Março, sobre sua preocupação com o valor dos títulos de dívida dos EUA no seguimento das políticas monetárias e fiscais expansionistas prosseguidas pela administração Obama; à recente postura agressiva da marinha chinesa nos mares do Sul face a navios americanos de expedição científica; passando pelas bombásticas declarações de Zhou Xiaochuan, governador do Banco Central da China, detalhando planos de substituição do dólar como moeda de reserva internacional por uma moeda garantida pela FMI e baseada nos DSE a estratégia da China tem sido claramente condicionar a comunidade internacional, e os EUA em particular, à aceitação do alargamento do seu peso económico. E com taxas de crescimento estimadas entre 6% e 7%, com uma saúde bancária que lhe permite ser o único país que se poderá gabar em Londres de estar a registar crescimentos no crédito bancário, e como incontornável referência, pelas suas reservas em divisas, em qualquer tentativa de alargamento da capacidade financeira do FMI para ajudar economias em risco de insolvência (no que se pretende seja um aumento de fundos de 250 mil milhões para um mínimo de 500 mil milhões de dólares), a China chega a Londres com uma voz condicionante sobre o sucesso ou insucesso da cimeira.
Independentemente dos sinais dos últimos tempos, a estratégia com Washington estará concertada, até pela visita do MNE chinês aos EUA em Março, reunindo com o próprio Barack Obama. O comunicado da cimeira preparatória de 14 de Março já permitia antever um aumento do poder de voz e dos direitos de voto da China no FMI. E essa negociação era largamente inevitável dada a compreensão que há em Washington e em Pequim do carácter bilateral da interdependência dos dois países. A detenção de um volume maciço de títulos da dívida dos EUA não confere mais poder à China do que receio, e por isso o que o "Wall Street Journal" chegou a chamar da "bomba de Mr. Wen" [Jiabao] é uma figura de retórica: se a China inundasse o mercado de títulos americanos, sofreria perdas incalculáveis pela inevitável descida a pique do preço dos mesmos. Assim, os EUA têm a garantia de que a China não o pretende fazer. Mas a China quer também a garantia de uma política americana responsável que não desvaloriza os títulos por outra via. O recente anúncio de "Quantitative Easing" da Reserva Federal, seguido de uma perda de valor do dólar face ao euro em 5%, é esclarecedor do interesse Chinês em que os títulos americanos tenham colocação (e não sucedem leilões falhados como recentemente no Reino Unido). A Reserva Federal, e o próprio FMI (actuando em nome da China mas evitando alguma contestação interna em Pequim aos que acham que a China já se comprometeu demais com títulos americanos) poderão garantir essa absorção.
O alargamento do poder do FMI abarcando a capacidade de avaliar a adequação e aplicação dos pacotes de estímulos, pelos países do G20, enquadra-se nesse cenário. A China sabe-o. E por isso é favorável a essa solução. Até porque as resoluções da cimeira preparatória comprometiam-se também a um aumento das verbas do Asian Development Bank. O que é verdadeiramente importante para todos os PVD asiáticos.
Se o jogo geopolítico entre Washington e Pequim está definido, até pela necessidade do envolvimento da China como a desnuclearização do Irão, os verdadeiros pontos de fricção parecem surgir na relação transatlântica. Onde Washington pretendia ver um compromisso com pacotes de estímulos orçamentais, Angela Merkel, que é como quem diz, a UE, não parece disposta a ceder. A prioridade para a UE é a regulação financeira internacional, onde alguns progressos parecem possíveis com duas eventuais excepções: os opacos hedge funds, em que os EUA não parecem na disposição de ceder, e a regulação bancária em que a Europa insiste, e a China também (desde que mantenha os seus próprios padrões de regulação). Mas quando se pensa no sucesso económico chinês no presente, só comparável ao indiano, em termos de taxas de crescimento e saúde bancária, apetece perguntar, que lição pode o ocidente a dar sobre regulação a estes novos gigantes da Economia Mundial?
A questão dos "hedge funds", e dos "credit default swaps", não é uma preocupação particular da China ou da Índia, cujos mercados financeiros fortemente regulados não puderam especular com esses derivados do modo como o ocidente fez. E mesmo a crise do imobiliário na China nada tem a ver com episódios do tipo "subprime": os empréstimos à habitação estavam condicionados ao pagamento inicial de um mínimo de 20 a 30% do valor das casas. Simplesmente houve uma contracção da procura em função da quebra de receitas externas (as exportações caíram 26% em Fevereiro).
Os avanços na regulação poderão portanto existir, mas fortemente condicionados face ao que a Europa pretende. Além do mais, será também de crer que a Índia consiga o que se propõe, e já garantido em Março: objectivos muito semelhantes à China, ironicamente, dada a rivalidade existente, passando pelo aumento de voz e direitos de voto no FMI e alguma declaração de princípio contra o proteccionismo. As vozes dos mais esperançados na conclusão da ronda de Doha em Londres, parecem-me francamente optimistas.
E os ausentes? Os países que experimentaram reversões nos fluxos de IDE graças à crise do crédito? E que temem novos proteccionismos? Sem confiança nos mercados é difícil o crédito fluir. E se na Europa os riscos sobre o euro vêm da Irlanda, da Espanha, da Áustria, da Itália, da Grécia e do leste…a confiança dos mercados parece difícil de repor. Nos EUA existem alguns sinais de que os mercados se terão sentido bem com o plano Geithner (mais que os analistas, pelo menos).
Em síntese, os primeiros sinais de retoma que chegam dos EUA e a concertação de esforços com a China, que precisa desse mercado de exportação, fazem prever entendimentos simples no eixo do Pacífico. A China sabe que a proposta do dólar era uma jogada de coacção impossível no médio prazo. A Índia não deverá também ter dificuldades em obter o que pretende. Mas como há muito se previa, a Europa está longe de poder aspirar a sair de Londres com resultados satisfatórios. Até porque, no limite, e como dizia Timothy Garton Ash, a UE e alguns países europeus estarão em Londres. A Europa não, porque nem sequer existe enquanto tal.
Sem uma profunda remodelação do modo de funcionamento da UEM isso parece difícil. E desgraçadamente, a três meses das eleições europeias a discussão não existe.
Professor da Faculdade de Economia e Gestão, UCP
csantos@porto.ucp.pt
http://ovalordasideias.blogspot.com
Desde as declarações do primeiro-ministro Wen Jiabao, em meados de Março, sobre sua preocupação com o valor dos títulos de dívida dos EUA no seguimento das políticas monetárias e fiscais expansionistas prosseguidas pela administração Obama; à recente postura agressiva da marinha chinesa nos mares do Sul face a navios americanos de expedição científica; passando pelas bombásticas declarações de Zhou Xiaochuan, governador do Banco Central da China, detalhando planos de substituição do dólar como moeda de reserva internacional por uma moeda garantida pela FMI e baseada nos DSE a estratégia da China tem sido claramente condicionar a comunidade internacional, e os EUA em particular, à aceitação do alargamento do seu peso económico. E com taxas de crescimento estimadas entre 6% e 7%, com uma saúde bancária que lhe permite ser o único país que se poderá gabar em Londres de estar a registar crescimentos no crédito bancário, e como incontornável referência, pelas suas reservas em divisas, em qualquer tentativa de alargamento da capacidade financeira do FMI para ajudar economias em risco de insolvência (no que se pretende seja um aumento de fundos de 250 mil milhões para um mínimo de 500 mil milhões de dólares), a China chega a Londres com uma voz condicionante sobre o sucesso ou insucesso da cimeira.
O alargamento do poder do FMI abarcando a capacidade de avaliar a adequação e aplicação dos pacotes de estímulos, pelos países do G20, enquadra-se nesse cenário. A China sabe-o. E por isso é favorável a essa solução. Até porque as resoluções da cimeira preparatória comprometiam-se também a um aumento das verbas do Asian Development Bank. O que é verdadeiramente importante para todos os PVD asiáticos.
Se o jogo geopolítico entre Washington e Pequim está definido, até pela necessidade do envolvimento da China como a desnuclearização do Irão, os verdadeiros pontos de fricção parecem surgir na relação transatlântica. Onde Washington pretendia ver um compromisso com pacotes de estímulos orçamentais, Angela Merkel, que é como quem diz, a UE, não parece disposta a ceder. A prioridade para a UE é a regulação financeira internacional, onde alguns progressos parecem possíveis com duas eventuais excepções: os opacos hedge funds, em que os EUA não parecem na disposição de ceder, e a regulação bancária em que a Europa insiste, e a China também (desde que mantenha os seus próprios padrões de regulação). Mas quando se pensa no sucesso económico chinês no presente, só comparável ao indiano, em termos de taxas de crescimento e saúde bancária, apetece perguntar, que lição pode o ocidente a dar sobre regulação a estes novos gigantes da Economia Mundial?
A questão dos "hedge funds", e dos "credit default swaps", não é uma preocupação particular da China ou da Índia, cujos mercados financeiros fortemente regulados não puderam especular com esses derivados do modo como o ocidente fez. E mesmo a crise do imobiliário na China nada tem a ver com episódios do tipo "subprime": os empréstimos à habitação estavam condicionados ao pagamento inicial de um mínimo de 20 a 30% do valor das casas. Simplesmente houve uma contracção da procura em função da quebra de receitas externas (as exportações caíram 26% em Fevereiro).
Os avanços na regulação poderão portanto existir, mas fortemente condicionados face ao que a Europa pretende. Além do mais, será também de crer que a Índia consiga o que se propõe, e já garantido em Março: objectivos muito semelhantes à China, ironicamente, dada a rivalidade existente, passando pelo aumento de voz e direitos de voto no FMI e alguma declaração de princípio contra o proteccionismo. As vozes dos mais esperançados na conclusão da ronda de Doha em Londres, parecem-me francamente optimistas.
E os ausentes? Os países que experimentaram reversões nos fluxos de IDE graças à crise do crédito? E que temem novos proteccionismos? Sem confiança nos mercados é difícil o crédito fluir. E se na Europa os riscos sobre o euro vêm da Irlanda, da Espanha, da Áustria, da Itália, da Grécia e do leste…a confiança dos mercados parece difícil de repor. Nos EUA existem alguns sinais de que os mercados se terão sentido bem com o plano Geithner (mais que os analistas, pelo menos).
Em síntese, os primeiros sinais de retoma que chegam dos EUA e a concertação de esforços com a China, que precisa desse mercado de exportação, fazem prever entendimentos simples no eixo do Pacífico. A China sabe que a proposta do dólar era uma jogada de coacção impossível no médio prazo. A Índia não deverá também ter dificuldades em obter o que pretende. Mas como há muito se previa, a Europa está longe de poder aspirar a sair de Londres com resultados satisfatórios. Até porque, no limite, e como dizia Timothy Garton Ash, a UE e alguns países europeus estarão em Londres. A Europa não, porque nem sequer existe enquanto tal.
Sem uma profunda remodelação do modo de funcionamento da UEM isso parece difícil. E desgraçadamente, a três meses das eleições europeias a discussão não existe.
Professor da Faculdade de Economia e Gestão, UCP
csantos@porto.ucp.pt
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