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19 de Agosto de 2009 às 12:00

Prioridades de política económica

As circunstâncias correntes da economia portuguesa pedem que se tenha alguma atenção, no ciclo eleitoral que se vive, aos motores de crescimento em que cada formação partidária se propõe apostar para uma revitalização da procura agregada.

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As circunstâncias correntes da economia portuguesa pedem que se tenha alguma atenção, no ciclo eleitoral que se vive, aos motores de crescimento em que cada formação partidária se propõe apostar para uma revitalização da procura agregada.

Este é um diagnóstico transversal, numa altura em que a recessão globalizada torna difícil que se pense na procura externa como motor de retoma no curto prazo. Os condicionalismos por que passam os nossos usuais parceiros comerciais tornam esta realidade ainda mais aguda.

O problema parece, contudo, passar logo pelo diagnóstico. Não é consensual, aparentemente, entre os partidos políticos, que se trate de uma crise de procura. As soluções propostas por alguns, assentando em descidas da taxa de IRC, demonstram isso mesmo: o problema é tratado como um choque de oferta vulgar, que se julga poder resolver sem dinamizar a carteira de encomendas das empresas. Ademais, os números provenientes do nosso tecido empresarial estão longe de revelar problemas que a mexida em alguns pontos base na taxa de IRC resolvessem.

A crise parece por isso exigir medidas de promoção da procura agregada, como demonstram os famosos pacotes de estímulos em curso em diversos países, como os EUA e a China. O problema primeiro passa por dinamizar a procura interna, e nesse capítulo há pelo menos algumas medidas que sabemos não deverem ser tomadas nesta fase recessiva. Espanta por isso a opção germânica, no momento em que a quebra do seu produto é das mais acentuadas na UE, em legislar no sentido da contenção orçamental. Os saldos orçamentais têm uma conhecida natureza contra-cíclica que lhes confere o carácter de estabilizadores automáticos. Propostas políticas que neste momento estejam vocacionadas para conferir maior natureza cíclica ao saldo, agravando a crise, têm, assim, um carácter absurdo.

Não há nada de keynesiano nesta constatação. O abrandamento da actividade económica vai, por si, gerar menores receitas fiscais. É uma inevitabilidade. As transferências sociais, por seu lado, vão aumentar com os casos de desemprego e falências. O resultado do aumento de despesas e diminuição de receitas públicas é necessariamente um agravamento do défice. O lado benigno da história é que, mesmo sem alterar taxas de imposto ou mecanismos de concessão de apoios sociais, o agravamento do défice actua no sentido de aumentar o rendimento disponível das famílias na fase depressiva do ciclo, minorando os impactos sociais da crise e evitando uma quebra mais pronunciada da procura.

Verdadeiramente surpreendente na decisão germânica, é que um esforço de contenção orçamental neste momento só pode sobrepor um agravamento à crise corrente. Contraria todas as indicações de bom senso da política económica. As propostas que em Portugal, sem atingirem extremos semelhantes, privilegiam o desagravamento do défice público em detrimento da criação de emprego padecem, na essência do mesmo problema. E quando é anunciado que não será nos impostos que se irá tocar, teme-se pelo agravamento das condições sociais dos desempregados e dos escalões de menor rendimento: precisamente aqueles que têm maior propensão ao consumo, podendo por isso mais rapidamente ajudar a retoma da procura.

Não resulta da consideração acima qualquer sugestão demagógica de crescimento ilimitado do défice. Nesse capítulo, surpreende particularmente a proposta de revisão do PEC do Bloco de Esquerda, em que se sugere um crescimento anual máximo da despesa pública sem qualquer referência ao crescimento do PIB, isto é à capacidade de pagamento da economia face a essa mesma despesa. E como o número avançado é de 2%, descontando uma série de despesas, a proposta do BE seria inexequível num cenário em que o PIB português evidenciasse os ritmos de crescimento que tinha antes da crise. Curiosamente o BE não soluciona este problema, apresentando quase como motor único de crescimento o investimento público em reabilitação urbana.

Se a proposta do BE merece esta crítica pesada, as preocupações excessivas com o défice orçamental, quase tornando anátema o investimento público de grande escala, pecam também no capítulo dos motores de crescimento. O que se torna tanto mais grave, quanto como se referiu acima se sugestione medidas de controlo do défice que agravem o ciclo.

Em conclusão, de um ponto de vista económico, apenas um programa de investimentos públicos que aceite o agravamento de curto/médio prazo do défice pode ser visto como consistente com a recuperação da procura interna. Desfazendo duas mitologias.

Investimento público não é intervencionismo, já que são as encomendas das empresas privadas que estão a ser dinamizadas. Por outro lado, os bons resultados nas energias renováveis, tanto na quebra de importações de combustíveis como na exportação de tecnologia eólica, permitem olhar com calma, e não da forma afogueada com que alguns o fazem, para o não agravamento do défice externo. Este programa tem obviamente uma prioridade diferente: o emprego. Mas com os números correntes da economia portuguesa custa supor que exista outra no imediato. Professor da Universidade Católica Portuguesa csantos@porto.ucp.pt

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