Opinião
Cereja em cima do bolo
Não há volta a dar: o ajustamento orçamental é condição necessária para Portugal recuperar a credibilidade internacional e voltar aos mercados. É também condição necessária para a retoma do investimento, para a libertação de crédito ao sector privado e para evitar a fuga de capitais.
Não há volta a dar: o ajustamento orçamental é condição necessária para Portugal recuperar a credibilidade internacional e voltar aos mercados. É também condição necessária para a retoma do investimento, para a libertação de crédito ao sector privado e para evitar a fuga de capitais. Estamos a ir depressa demais, dirão alguns. Pois sim. Mas a verdade é que se o Governo quisesse continuar a gastar, não teria como: a República só tem dinheiro para financiar o défice que prometeu e o défice que prometeu já está demasiado próximo do insustentável. Se houver um azar, o financiamento deixará de fluir e a aterragem será ainda mais abrupta - para o Estado e para todos nós.
O sucesso não depende só das políticas internas. Certo. Mas na parte que nos toca, temos a obrigação de corrigir a hemorragia e quanto mais depressa o fizermos, melhor, para não sermos apanhados na curva de uma conjuntura inferior. Infelizmente, demasiada gente se interroga se Portugal vai ou não conseguir atingir as metas a que se obrigou e se, por conseguinte, o capital investido no País fica ou não livre de uma erosão de magnitude superior.
O problema é que, para o programa ser implementado com sucesso, não basta existir um governo determinado e uma maioria absoluta no Parlamento: é fundamental contar com o apoio da sociedade civil. Esse, por sua vez, só existirá se os portugueses entenderem que o ajustamento é necessário e que os custos estão a ser distribuídos de forma minimamente equitativa. Quando não, os grupos organizados encontrarão na indignação colectiva terreno fértil para a contestação, e usarão essa via para tentar bloquear as medidas que mais os incomodam.
Portugal é um país de brandos costumes, diz-se. Mas não podemos ignorar que o País já viveu momentos de grande tensão, como foram os episódios da Ponte 25 da Abril e o bloqueio dos camionistas, ambos com dimensão suficiente para fazer recuar o poder político. E como os portugueses hoje enfrentam mais dificuldades e sentem-se mais defraudados do que naqueles tempos, poderá não ser preciso um grande incidente para despoletar um problema maior. Ora, o que menos precisaríamos neste momento era de uma economia paralisada pela contestação nas ruas e por recuos na implementação das reformas. Esse é o síndroma da Grécia.
Como isto é coisa séria, seria desejável que os principais responsáveis políticos se esforçassem no sentido de garantir a existência de uma base social mínima de apoio ao programa. Nomeadamente, estabelecendo pontes de entendimento entre si e, sobretudo, abstendo-se de alimentar a contestação popular.
Infelizmente, a política tem sido demasiado fértil em movimentos no sentido contrário: os sindicatos, que no passado foram um elemento chave da estabilização, foram conduzidos ao outro lado da barricada e reivindicam o impossível, como se estivéssemos noutra conjuntura qualquer; o PS, demarca-se da estratégia, como se já tivesse esquecido o que é estar no governo e enfrentar uma oposição que prefere capitalizar no descontentamento; finalmente, o Presidente da República, na sequência de outras exibições de discordância, volta agora à carga para, na prática, coordenar toda a oposição numa investida contra a medida mais crítica do orçamento de 2012. E se as dúvidas manifestadas até poderiam ser úteis para ajudar a limar a solução num fórum mais reservado, na praça pública apenas tiveram como efeito acicatar os ânimos e o sentimento de revolta, dividindo os portugueses. Ainda por cima, a alternativa subjacente - a de um imposto extraordinário sobre os rendimentos do trabalho extensível ao sector privado - essa sim, constitui um verdadeiro pontapé na gramática: afinal, não é verdade que os impostos sobre o rendimento do trabalho prejudicam a competitividade e que, aliás, essa foi a razão pela qual a troika tanto insistiu na redução da TSU? Ou vamos fingir que a economia é uma contabilidade e que os impostos são suportados apenas por quem os entrega ao Estado?
Definitivamente, não estamos no bom caminho. Portugal detém, por enquanto, uma credencial muito importante junto dos observadores internacionais, que é o facto de os três maiores partidos políticos e o Presidente da República terem subscrito o programa de estabilização. Essa credencial distingue-nos criticamente da Grécia. Seria bom que os principais responsáveis políticos acarinhassem essa credencial em lugar de a delapidar. Quando não, com tanta acha na fogueira, qualquer dia a casa pega fogo.
Professor da Universidade de Aveiro
O sucesso não depende só das políticas internas. Certo. Mas na parte que nos toca, temos a obrigação de corrigir a hemorragia e quanto mais depressa o fizermos, melhor, para não sermos apanhados na curva de uma conjuntura inferior. Infelizmente, demasiada gente se interroga se Portugal vai ou não conseguir atingir as metas a que se obrigou e se, por conseguinte, o capital investido no País fica ou não livre de uma erosão de magnitude superior.
Portugal é um país de brandos costumes, diz-se. Mas não podemos ignorar que o País já viveu momentos de grande tensão, como foram os episódios da Ponte 25 da Abril e o bloqueio dos camionistas, ambos com dimensão suficiente para fazer recuar o poder político. E como os portugueses hoje enfrentam mais dificuldades e sentem-se mais defraudados do que naqueles tempos, poderá não ser preciso um grande incidente para despoletar um problema maior. Ora, o que menos precisaríamos neste momento era de uma economia paralisada pela contestação nas ruas e por recuos na implementação das reformas. Esse é o síndroma da Grécia.
Como isto é coisa séria, seria desejável que os principais responsáveis políticos se esforçassem no sentido de garantir a existência de uma base social mínima de apoio ao programa. Nomeadamente, estabelecendo pontes de entendimento entre si e, sobretudo, abstendo-se de alimentar a contestação popular.
Infelizmente, a política tem sido demasiado fértil em movimentos no sentido contrário: os sindicatos, que no passado foram um elemento chave da estabilização, foram conduzidos ao outro lado da barricada e reivindicam o impossível, como se estivéssemos noutra conjuntura qualquer; o PS, demarca-se da estratégia, como se já tivesse esquecido o que é estar no governo e enfrentar uma oposição que prefere capitalizar no descontentamento; finalmente, o Presidente da República, na sequência de outras exibições de discordância, volta agora à carga para, na prática, coordenar toda a oposição numa investida contra a medida mais crítica do orçamento de 2012. E se as dúvidas manifestadas até poderiam ser úteis para ajudar a limar a solução num fórum mais reservado, na praça pública apenas tiveram como efeito acicatar os ânimos e o sentimento de revolta, dividindo os portugueses. Ainda por cima, a alternativa subjacente - a de um imposto extraordinário sobre os rendimentos do trabalho extensível ao sector privado - essa sim, constitui um verdadeiro pontapé na gramática: afinal, não é verdade que os impostos sobre o rendimento do trabalho prejudicam a competitividade e que, aliás, essa foi a razão pela qual a troika tanto insistiu na redução da TSU? Ou vamos fingir que a economia é uma contabilidade e que os impostos são suportados apenas por quem os entrega ao Estado?
Definitivamente, não estamos no bom caminho. Portugal detém, por enquanto, uma credencial muito importante junto dos observadores internacionais, que é o facto de os três maiores partidos políticos e o Presidente da República terem subscrito o programa de estabilização. Essa credencial distingue-nos criticamente da Grécia. Seria bom que os principais responsáveis políticos acarinhassem essa credencial em lugar de a delapidar. Quando não, com tanta acha na fogueira, qualquer dia a casa pega fogo.
Professor da Universidade de Aveiro
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