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28 de Dezembro de 2020 às 20:40

Relançamento e reforma da economia – (I)

Devíamos concentrar talentos e recursos num número relativamente reduzido de reformas estruturais críticas.

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1. Num artigo recente, o economista inglês Martin Wolf chamava a atenção para cinco forças poderosas que – como resultado da pandemia – estão a acelerar mudanças estruturais profundas na generalidade das economias (*): um nível de endividamento sem precedentes em tempo de paz, tanto dos Estados, como das empresas e que, no final de Setembro, ultrapassava já os 100% do PIB mundial; uma utilização cada vez mais intensa de ferramentas e sistemas tecnológicos que estão a alterar a organização e o funcionamento das cadeias de produção e a induzir mudanças profundas nas relações sociais e, em particular, nas laborais; um aprofundamento de desequilíbrios e desigualdades entre diferentes grupos sociais, com implicações económicas, sociais e políticas de grande risco e complexidade; uma recentragem do movimento de globalização que modelou a economia planetária nas últimas décadas, com uma reorientação regional das cadeias de produção, enquanto, em contrapartida, se acentuam formas de interdependência tecnológico-digital; por fim, a intensificação de tensões políticas, com a emersão e o fortalecimento de correntes populistas e demagógicas, potenciadas pelo prolongamento da crise pandémica. Evolução que, por sua vez, tende a reflectir a nível nacional, o confronto entre os regimes democráticos ocidentais e os regimes autocráticos e autoritários que nalguns casos têm conseguido conter mais eficazmente os efeitos da pandemia.

2. Forças que de uma forma mais ou menos intensa estão a fazer-se sentir, tanto a nível da União Europeia, como nacional e a moldar o futuro pós-pandémico dos sistemas económicos e sociais.

Deixo para próximo artigo a avaliação da resposta global que a União Europeia, e em particular a Europa do euro, tem vindo a dar a estas pressões que estão a atingir de forma fortemente assimétrica as diferentes economias do euro. Refiro apenas que a amplitude da ameaça que o inesperado choque pandémico representa para o futuro do projecto europeu “forçou” uma vez mais a Europa a dar alguns passos importantes na direcção da consolidação do projecto de integração económica e financeira. Em particular, assumem importância crítica pelas suas implicações para o futuro da Europa dois tipos de decisões: por um lado, o prolongamento e o reforço do programa de aquisições de dívida soberana por parte do BCE. Deste modo, um volume crescente da dívida pública emitida pelos Estados da Zona Euro está a ser acumulado no balanço do Sistema Europeu de Bancos Centrais, ultrapassando por esta via a resistência dos países credores a qualquer forma de mutualização e/ou de partilha directa de responsabilidades; por outro, a emissão de dívida europeia e o lançamento de impostos transeuropeus por parte da Comissão Europeia. Decisões com inegáveis implicações económicas e políticas, tanto em relação à criação e ao desenvolvimento de um mercado transeuropeu de capitais, como a um movimento de harmonização fiscal, questão crítica para o avanço da integração financeira.

No que se refere à nossa economia e tendo presente o quadro actual –por um lado, os esperados apoios financeiros europeus e as condições favoráveis de financiamento que decorrem da acção da política monetária prosseguida pelo BCE e, por outro, o nível de endividamento e os constrangimentos orçamentais com que nos debatemos – qual o caminho que devemos seguir para relançar a actividade económica e, sobretudo, para recentrar o nosso modelo de crescimento e modernizar o tecido produtivo?

Permaneço convencido de que em vez de um programa de grande ambição e complexidade, com um elevado número de objectivos e projectos, devíamos concentrar talentos e recursos num número relativamente reduzido de reformas estruturais críticas. Reformas capazes de actuar sobre os constrangimentos que têm vindo a travar os níveis de produtividade e de competitividade de que, por sua vez, depende o crescimento da nossa economia e em relação às quais existe hoje um consenso alargado.

Embora a Comissão Europeia tenha vindo a definir orientações e “linhas de força” para os projectos que se propõe financiar, a verdade é que a nossa economia se debate com bloqueamentos estruturais próprios. Dificuldades que, se não forem ultrapassadas, continuarão a condicionar a nossa capacidade para participar e tirar partido da orientação estratégica que a Europa do euro está a adoptar para responder aos desafios pós-pandemia. (A continuar em próximo artigo).

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico



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