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Reinventar Portugal

Mais do que a esperada recessão, devíamos, neste momento, preocuparmo-nos, sobretudo, com a depressão.

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Portugal entrou na já habitual espiral negativista, justificada pelos dados financeiros, mas muito ampliada por esta tendência mórbida do ser português que sempre sobrevaloriza a dificuldade, o triste, o sórdido, o desgraçado. Definitivamente, temos mais de fado do que de samba.
O entusiasmo ou, no caso presente, a falta dele, também é uma componente importante da economia. O desânimo sai muito caro. Para além do facto de que a prostração em que o país se encontra não ajuda nem ajudará a recuperação. É preciso partir para outra.

Nem todos os projetos se concretizam. Muitas vezes trabalhamos afincadamente numa ideia, investimos tempo e meios, para um dia se chegar à conclusão de que a coisa afinal não funciona ou não tem viabilidade. É assim nas artes, na ciência, no mundo empresarial e, também, na vida corrente. Um divórcio, por exemplo, é um projeto que falhou. Mas enquanto durou o casamento teve os seus bons momentos. Por muito frustrante ou traumático que qualquer fracasso represente, não é o fim de tudo. Há que recomeçar com novo vigor, com a vantagem de que um insucesso é sempre uma lição. Aprende-se muito com os erros.

Portugal está nesta exata situação. O modelo de desenvolvimento seguido nas últimas décadas mostrou que gera muitas disfunções e é incapaz de suster o impacto de uma crise global. Esse modelo não é uma invenção nossa, mas um sistema global que entrou em crise. Não somos, como se sabe, o único país falido no mundo. Na Europa há vários e mesmo alguns grandes, como os Estados Unidos ou o Japão também o estão. A diferença está na capacidade de reagir. Baixar os braços não é solução. As aves agoirentas que pairam nos nossos telejornais não ajudam nada. Aqueles que propõem um regresso ao 'orgulhosamente sós' ainda menos.

A situação é conhecida. A despesa do Estado, que a tudo tem de acudir, não deixa grande margem para o investimento produtivo. Grande parte do dinheiro que é recolhido nos impostos e angariado por via de empréstimos serve para pagar despesas sociais correntes, o funcionalismo, a saúde, a educação, a defesa e adiante. Mesmo as empresas, das grandes às pequenas, só sobrevivem com ajudas, incentivos, deduções, bonificações. O governo, qualquer que seja, é sobretudo um gestor de falências. Sobra pouco para a estratégia.

Mas a contabilidade não é tudo. A energia positiva vale muito. O ânimo move montanhas. Ou, ao estilo de Júlio Verne, vai até ao fundo de buracos profundos salvar mineiros. Se a crise é tamanha como se diz, se está tudo errado no nosso país, então há que reinventar Portugal. Não só o governo, ou os partidos, mas todos nós.

Quem muito refletiu sobre esta ideia da reinvenção de Portugal foi o meu amigo, hoje muito esquecido et pour cause, Ernesto de Sousa. Um dos grandes visionários do século 20 que está por redescobrir. Lá chegarão. Num texto publicado em 1978, na revista "Opção", escrevia no seu estilo único e criativo:
"Mas como aportar às Índias, ao novo, sem ter passado pelas tormentas!? Tormentas do passado, até perder o Sol para manter a boa direção, contra o vento, contra a maré; tormentas de hoje, horas ganhas contra a perdição do sono, contra o bem-estar, as paredes cómodas, os espaços protegidos. Sem nunca perder de vista a diferença. Isto os Velhos do Restelo, pior os velhos inconfessos, dificilmente o poderão compreender. Sobretudo que: só aprende bem a diferença quem a deseja, apesar de tudo, ardentemente.

Apaixonadamente."

Para mudar, radicalmente, para fazer a diferença, é preciso paixão. Não vamos lá com lamentos e derrotismos. E nunca se irá a parte alguma sob este matraquear incessante dos "velhos inconfessos" que sempre foram contra tudo e nunca realmente a favor de qualquer coisa. Não se pode deixar que o rancor e a impotência agravem aquilo que é da ordem da contabilidade. Se há que poupar tudo bem. Mas que isso não nos tire a energia para recriar o mundo todos os dias.


Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.


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