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23 de Fevereiro de 2012 às 23:30

"Tive muita sorte! [...] Por ter nascido neste país."

Em Portugal não há capital para investir, seja porque os investidores nacionais e estrangeiros estão descrentes, seja porque os bancos ou não emprestam, ou fixam spreads incomportáveis a qualquer conta de exploração previsional.

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Quem o afirma é Warren Buffett numa longa entrevista aproveitada pela revista Time, no final do mês passado, para publicar um interessantíssimo artigo sobre a vida, a personalidade, as convicções políticas e sociais e a frugalidade deste homem fascinante.

Aos 81 anos, nascido nos EUA, ainda gere a sua Berkshire Hathaway e acumulou uma fortuna superior a 45 mil milhões de US dólares, da qual reservou para si e seus descendentes 1% (!), tendo doado os restantes 99% "for charity", a maior parte através de entrega à fundação Bill and Melinda Gates.

Quantos portugueses não se interrogarão sobre qual teria sido a sua sorte se tivessem nascido fora de Portugal?

Quantos jovens com elevada formação técnica e científica, que vivem na Europa, nos EUA, no Canadá, no Brasil, em Moçambique, em Macau e em Angola se recusam, liminarmente, a admitir a ideia de regressar a Portugal no médio prazo?

Que se passa com este País? Porque é que os jovens de talento não acreditam que possam realizar aqui os seus projectos e os de meia-idade se resignam a um futuro cinzento?

Buffett acredita no sistema – "o capitalismo libertou mais potencial humano do que qualquer outro sistema na história" – e no seu País – "estou 100% seguro que em 10 anos estaremos a fazer mais negócio neste país do que hoje em dia".

Diz que, para dormir descansado, gosta de manter sempre "um pé-de-meia" de 10 a 20 mil milhões de dólares em activos líquidos e, graças a ele, quando a Lehman faliu em 2008 foi às compras e gastou 15,6 mil milhões de dólares em activos!

Vive numa casa modesta e diz que as suas despesas pessoais não excedem, por ano, 150 mil dólares, se não contabilizarmos o "luxo" de um avião privado, a que pôs o nome de "indefensible".

No mundo não há qualquer outro Warren Buffett, mas nos EUA e na Europa há muita gente parecida. Empresários que criam valor, acreditam nas empresas e nos seus países e que devolvem à sociedade, através de instituições de solidariedade social, parte da enorme riqueza que elas lhes permitiram acumular.

E em Portugal?

Em Portugal havia seis ou sete grupos económicos fortes e alguns empresários ricos, no fim do curto consulado de Marcello Caetano. Concentravam-se à volta da indústria – como a reparação e construção naval, a siderurgia, os cimentos, os têxteis, as cervejas, o calçado, as conservas, o vidro – de bancos e companhias seguradoras e contavam com as matérias-primas, produtos e mercados das Colónias. A estas empresas juntava-se um sector público forte, na área das indústrias militares, das pescas e das concessões de serviços públicos.

Como Marcello Caetano não conseguiu, sequer, iniciar o processo de descolonização aconteceu o 25 de Abril que, antes de mais, foi um golpe militar promovido por umas Forças Armadas desgastadas, desconsideradas e mal pagas. Ainda me lembro de, muito jovem, assistir à indignação de meu Pai – que era oficial do Estado-Maior do Exército – porque um certo ministro se lembrou de minimizar os mortos e feridos em combate com o argumento de que o seu número era inferior ao provocado pelos acidentes de viação na Metrópole

Mas o Partido Comunista tomou conta da revolução e, entre Março e Junho de 1975, com a nacionalização da economia destruiu os grupos económicos que então existiam. A destruição das empresas foi ocorrendo paulatinamente depois, entregues que estavam à gestão estatal ou ao folclore da autogestão importada de países que, como a Jugoslávia, se desmembraram alguns anos depois.

Desde então, mesmo com as privatizações e o aparecimento de novos grupos nos sectores primário, secundário e terciário, descontados poucas excepções não fomos capazes de criar em Portugal grupos económicos bem capitalizados. Haverá, certamente, muitas explicações mas creio que não será muito atrevido afirmar que elas se centram, para além do síndroma do 25 de Abril, num tratado de adesão à União Europeia que não salvaguardou a indústria, a agricultura e as pescas portuguesas, na falta de confiança e credibilidade nas nossas instituições, na ineficácia do sistema jurídico e fiscal, na falta de apoios e incentivos aos empresários e (como escreve o ministro Vítor Gaspar num curto, claro e excelente artigo publicado ontem pela "Visão"), em "comportamentos não concorrenciais e de estreita cumplicidade entre a esfera pública e a dos negócios".

Em Portugal não há capital para investir, seja porque os investidores nacionais e estrangeiros estão descrentes, seja porque os bancos ou não emprestam, ou fixam spreads incomportáveis a qualquer conta de exploração previsional. E sem investimento não há crescimento!

Gostei do optimismo revelado pelo ministro das Finanças, no artigo que escreve na "Visão", quando explica porque é que "o ajustamento será bem-sucedido". Não tenho dúvidas quanto à sua determinação. Só que não vejo como isso poderá acontecer sem uma considerável revisão das metas de reajustamento que nos foram impostas pelos Alemães e Holandeses. Ontem mesmo o primeiro ministro de Espanha avisou que não se pode comprometer com as metas de curto prazo que lhe querem impor (designadamente a redução do défice) porque isso seria "suicida"!

Há 46 anos, uma acção da Berkshire Hathaway, que Warren Buffett tem gerido, valia $19; hoje vale $116.914.

Quando é que em Portugal existirão condições para que os nossos "Bufetezinhos" possam mostrar o que valem?
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