Opinião
Vai-nos fazer muita falta
Conheci muita gente com extraordinárias capacidades oratórias, capaz de fixar uma plateia durante eternos minutos; mas conheci muito poucos que o conseguissem fazer com tanto interesse, talento e rigor científico como o António.
Estive no princípio da semana em Washington e o que por lá testemunhei recordou-me António Borges, a sua inteligência, a sua personalidade e a sua franqueza. Afinal foi lá que, há 35 anos, iniciei uma visita que me levou à Universidade de Stanford, onde ele se doutorava.
Na segunda-feira, fui assistir a uma sessão do Senado em que se debatia a intervenção militar na Síria. Apesar da oposição da opinião pública (o próprio Obama revelou que a mulher tinha dúvidas), e da incerteza quanto ao voto dos senadores, sejam eles da maioria, da oposição ou independentes, impressionou-me, mais uma vez, o respeito que todos reciprocamente se atribuem e merecem, designadamente quando estão em causa os interesses vitais do País.
Na quarta, 11 de Setembro, o combóio em que viajava entre Washington e NY (tal como todos os que circulavam nesse momento na linha) foi parado e mandado regressar à estação de partida, por terem caído na linha catenárias numa surpreendente extensão de 40 quilómetros de via: viagens canceladas, negócios abruptamente interrompidos, passageiros preocupados e ansiosos (mas silenciosos e disciplinados) e funcionários diligentes com a preocupação constante de informar os passageiros através do sistema áudio. Tudo sem berros, atropelos ou insultos com uma cooperação e civismo exemplares.
Estas eram algumas das qualidades do António Borges: educação, respeito, clareza, franqueza, disciplina e generosidade.
Fez parte de uma geração que viveu um golpe de Estado militar quando se preparava para iniciar a vida profissional , que ocupou o vazio deixado por todos aqueles que esse golpe travestido de "revolução" saneou e que durante quase 40 anos (uma ida profissional! ) experimentou as mais diversas e surpreendentes situações políticas, sociais e económicas.
Era um dos melhores dessa geração.
Conheci-o quando ambos, cada um na medida das suas capacidades, colaborávamos na fundação do então PPD, que nasceu no Largo do Rato nas exíguas instalações da então defunta Legião Militar .
Eu era 3 ou 4 anos mais novo, quartanista daquela Faculdade de Direito de Lisboa que esteve quase dois anos em auto-gestão, até à posse de uma Comissão presidida pela professora Isabel Magalhães Colaço.
O António, para sorte dele, já estava licenciado. Foi um dos fundadores do prestigiadíssimo gabinete de estudos do PPD, que era dirigido por Alfredo de Sousa um grande professor de Economia e respeitado leader de talentos.
Como outros recém-licenciados de então, decidiu continuar a sua formação escolar fora de Portugal. Quando em 1978 recebi um inesperado convite institucional para visitar Universidades, Centros de Investigação e jornais americanos, inclui no meu trajecto a Universidade de Stanford, na Califórnia, para visitar o António.
O estatuto e "trânsito" que ele gozava em Stanford impressionou-me: muito popular entre alunos e professores e destinatário de um enorme elogio proferido pelo Director da Faculdade de Direito com quem almoçámos nesse dia.
Falámos muito sobre o País e o nosso futuro profissional, pois o seu conselho era sempre fundado e prudente.
Fui acompanhando a sua formação universitária e a sua carreira docente com atenção e confesso que me senti orgulhoso quando a revista Fortune o escolheu para capa de uma das edições, por causa do seu trabalho à frente do INSEAD.
Encontrámo-nos por diversas vezes e tive a oportunidade de testemunhar a coragem e lucidez com que enfrentou a doença que acabou por o vencer.
Conheci muita gente com extraordinárias capacidades oratórias, capaz de fixar uma plateia durante eternos minutos; mas conheci muito poucos que o conseguissem fazer com tanto interesse, talento e rigor científico como o António.
Um dia pedi-lhe que fizesse uma palestra sobre a economia mundial e os seus riscos a um conjunto multinacional de advogados da sociedade de que fui co-fundador, que iam reunir numa pequena vila, de um lugar recôndito da nossa vizinha Espanha. Disse-lhe, muito patriótica e francamente, que precisava de mostrar que em Portugal, em matéria de competências, não estamos reduzidos a jogadores de futebol.
Foi uma "aula" soberba de 45 minutos que nos deixou a todos esclarecidos e rendidos e o meu ego patriótico plenamente satisfeito.
António Borges era assim: generoso, brilhante e competente. Vai-nos fazer muita falta!
* Advogado
mcb@mcb.com.pt