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Manuel Castelo Branco - Advogado 08 de Novembro de 2013 às 00:01

Quem te avisa…

Independentemente do juízo político que se possa fazer sobre as múltiplas causas que nos conduziram a este beco quase sem saída, julgo que a esmagadora maioria dos portugueses gostaria de continuar no euro.

"Se forem consideradas inconstitucionais as principais medidas que a Assembleia da República vai aprovar então isso poderá, sem dúvida, colocar em causa o regresso de Portugal aos mercados na data prevista".


Quem o afirmou, anteontem em Bruxelas ao lado do primeiro-ministro de Portugal, foi o presidente da Comissão Europeia acrescentando "ter o dever de salientar aquelas que podem ser as implicações de determinadas decisões".

Aviso mais claro não pode haver, vindo de onde vem: português, ex-primeiro-ministro de Portugal e presidente da Comissão Europeia, entidade que tutela de facto a troika.

Se juntarmos este aviso aos que os outros dois gestores dos nossos credores (FMI e BCE) já fizeram, também através dos seus dirigentes máximos, a conclusão é muito simples: a inviabilização do Orçamento pelo Tribunal Constitucional destruirá o capital de confiança criado nos mercados, Portugal não encontrará compradores para futuras emissões de dívida (a não ser a juros usurários e insustentáveis) e das duas uma: ou segue o caminho da Grécia, com um segundo resgate e mais austeridade suicida, ou abandona o euro.

Parece que agora, com excepção de alguns políticos e funcionários da Europa Central, todos concordam em que quem receitou a austeridade como terapia para o crescimento colocou o País no recobro, entre a morgue e os cuidados intensivos.

Como dizia Paul De Grauwe, na passada segunda-feira, em Lisboa, "não se pode empurrar Portugal, que já tem austeridade suficiente, para mais austeridade apenas para servir a dívida".

Portugal não aguentará mais austeridade. E mesmo aquela que lhe receitaram não servirá o propósito de reduzir o rácio do nosso endividamento de 130% (aonde se encontra) para 60 % (meta comunitária). Segundo as contas de De Grauwe, ainda que Portugal mantivesse um excedente orçamental anual de 3%, necessitaria de 20 anos para conseguir esse objectivo!

Como a missão é impossível, a única solução estará no perdão de parte substancial da dívida, (como defende De Grauwe) ou no reescalonamento do seu reembolso para prazos que poderiam variar entre 40 a 60 anos (como sugeriu Álvaro Santos Pereira há uma semana).

Mais crédito a troco de mais austeridade é algo que Portugal não está em condições políticas, económicas e sociais de suportar. Poucos duvidarão disto.

Se o Tribunal Constitucional decretar a inconstitucionalidade de uma parte relevante das medidas inscritas no orçamento é provável que o Governo declare o País ingovernável, se demita e que o Presidente da República convoque eleições gerais antecipadas.

Dessas eleições sairá um novo primeiro-ministro de um governo minoritário: António José Seguro. Presumo que Pedro Passos Coelho se demitirá da liderança do seu Partido e que outro líder negociará com o PS um qualquer novo acordo.

Como o "não faças aos outros o que não gostarias que te façam a ti" só é aplicado na política pelos que sofrem de tendência suicida, reiniciar-se-ia um longo ciclo de acusações a quem lá esteve. Nestas matérias nada de novo, nem de particularmente excitante.

A única novidade relevante estará na solução que negociaremos, então, com os "credores amigos".

Como nessa altura nem a chanceler Merkel conseguirá convencer os mercados que Portugal é sustentável no euro, nem o primeiro-ministro Seguro conseguirá impor ao País mais austeridade ao melhor estilo do segundo resgate da Grécia, o que estará na mesa de negociações será o modo e o tempo da nossa saída do euro.

É esta a espada de Dâmocles que pesa sobre os juízes do Tribunal Constitucional: os dedos dos líderes do governo português, do governo da Europa e do governo das instituições financeiras internacionais já estão apontados.

Independentemente do juízo político que se possa fazer sobre as múltiplas causas que nos conduziram a este beco quase sem saída, julgo que a esmagadora maioria dos portugueses gostaria de continuar no euro.

* Advogado

mcb@mcb.com.pt

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