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20 de Agosto de 2010 às 11:44

"Mr. Manchester"

Morto aos 57 anos a 10 de Agosto de 2007, Tony Wilson, onde quer que esteja, ainda estará a passar discos e a falar de música. E a ser ouvido.

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Anfitrião de rádio e televisão na BBC e na Granada Television, empresário, noctívago militante, workaholic e produtor discográfico, fundou a "Factory Records" que deu a ouvir ao mundo Joy Division (e New Order), Happy Mondays ou The Durutti Column. Este regionalista convicto, filho da "lower middle class" britânica, licenciado em literatura inglesa pelo Jesus College da Universidade de Cambridge, que um dia descreveu a sua ida a um concerto dos Sex Pistols como "não ficando nada a dever a uma epifania", chegou mesmo a liderar um movimento para a constituição de uma Assembleia Regional para o Noroeste de Inglaterra. É lá que fica Manchester, a ressurecta Manchester, que nas últimas décadas se deixou elevar a uma das mais criativas e economicamente prósperas cidades do mundo, pelas mãos da "mesma indústria" - agora sim, criativa - que a tinha consagrado como a segunda cidade inglesa durante o século XIX, no pós-Revolução Industrial, e uma das primeiras metrópoles industrializadas do mundo. Na Hacienda - a muito bem sucedida mas sempre falida discoteca e sala de concertos e visitas de Tony Wilson - o passado ligado ao têxtil e à burguesia industrial, bem como a (pseudo) condição de segunda cidade, evaporavam-se pela noite dentro em cores futuras, pintadas pela astúcia deste anfitrião que soube, com uma generosidade quase maquiavélica, potenciar a fama ganha na televisão muito para além da sua própria celebridade e das capas de revistas da dita "actualidade". Um produtor na verdadeira acepção do termo, alguém que se apaixona tanto pela criatividade que não lhe resta senão encontrar formas de a dignificar e partilhar, a sua história e a da sua entourage encontram-se magnífica e hedonísticamente descritas no filme de Michael Winterbottom de 2002, "24-Hour Party People". Nem off nem "mainstream": Tony Wilson está para a imagem de Manchester como Almodóvar para a de Madrid.

Há umas semanas atrás, a "Radio 3" da também muito britânica BBC, anunciava a abertura do seu arquivo digital online de Músicas do Mundo (o World Music Archive); 40 países, muitas línguas, 100 horas de algumas raridades étnicas mas não só, da Coreia do Norte ao Nordeste brasileiro, que se constituem num repertório cujo interesse só é batido pelo facto de estarmos (inevitavelmente) perante uma rádio pública e portanto reconhecedora (respeitando a sua própria razão de ser) da necessidade de criar uma memória colectiva criteriosamente constituída - o documentário disponível online de Andy Kershaw na Coreia do Norte "não fica nada a dever a uma epifania".

O reconhecimento da criatividade como principal catalisador da regeneração social, económica e urbana, ou o investimento público em património intangível como o do arquivo da BBC - cuja versão portuguesa teria no trabalho incansável de recolha etnográfica musical de Michel Giacometti nos anos sessenta um luxuoso ponto de partida - passariam o teste "contemporâneo" das medidas impopulares? E a recuperação do Convento de Cristo em Tomar, muito perto da segunda ligação por auto-estrada Lisboa/Porto, seria consensual?

Claro que sim, a não ser que devido à sua evidente eficácia custo/benefício caíssem às mãos de um mero ou eventualmente deliberado equívoco público, ou perversão da nossa inteligência enquanto cidadãos para escolher, sem assombro, o que é original.

Portugal é deste mundo.




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