Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
01 de Março de 2005 às 13:59

Que fazer com esta maioria (fiscal)?

Frequentemente a escolha não se coloca em termos de mais tributação directa / menos tributação indirecta, mas antes entre melhores e piores impostos.

  • ...

Na estrutura fiscal portuguesa, conceito através do qual se evidencia de forma quantitativa a importância relativa dos principais tipos de impostos no conjunto das receitas fiscais cobradas, os impostos indirectos detêm uma significativa maioria, ainda que não tão expressiva como a verificada nas eleições de 20 de Fevereiro último (cerca de 55% do total da receita, se não se considerarem as contribuições para a segurança social).

Esta situação não é, contudo, nova; assim, já em 1978, em artigo publicado por Bento Murteira e Cavaco Silva, se afirmava que «o aumento da importância relativa da tributação directa é um desenvolvimento da estrutura fiscal que se apresenta atrasado em Portugal», esperando-se que a situação evoluísse à medida que o país se desenvolvesse emelhorasse a eficiência da sua administração e justiça fiscais.

Um quarto de século passado, e apesar de muitas mutações, reformas e esforços vários, os dados parecem não confirmar a inversão da tendência (uma redução de apenas 3 pontos percentuais em quase 40 anos!), pelo que, por tão «antiga» e «resistente» poderá considerar-se tal situação como uma característica estruturante da nossa fiscalidade. Portugal é até no conjunto dos países da OCDE aquele onde os impostos indirectos apresentam a maior percentagem, só ultrapassada na Turquia e no México, e estando 10 pontos percentuais acima damédia da UE (com ou sem novos Estadosmembros).

Esta posição tornou-se particularmente estável após a entrada em vigor do IVA em 1986, e subsequente alargamento da respectiva base de incidência, e deve-se, igualmente, a umcrescimento continuado nas receitas dos impostos especiais de consumo (sobre os combustíveis, os veículos automóveis, o tabaco, as bebidas alcoólicas, etc.), fruto não só do aumento nas respectivas taxas, como também no nível de rendimento das famílias e consequentes alterações na sua estrutura de gastos (maior consumo relativo de bens tributados à taxa normal), especialmente emanos recentes.

Mas este resultado é «bom» ou é «mau»?, perguntará o leitor mais impaciente. Ora, depende! E depende, nomeadamente, da prevalência ou ponderação dada pelos cidadãos e pelos governos aos (habituais) critérios normativos da equidade versus eficiência económica, ou das (des)vantagens da «ilusão fiscal» e menor resistência ao imposto normalmente presente na tributação indirecta, face à maior transparência da fiscalidade directa.

E se, em teoria, esta última poderá constituir um melhor instrumento para a prossecução dos desejáveis objectivos de justiça e de redistribuição do rendimento e da riqueza, na prática dos «modelos» e das aplicações concretas, os impostos directos/pessoais sobre o rendimento deixam muito a desejar. Pelo que, frequentemente, a escolha não se coloca em termos de mais tributação directa/menos tributação indirecta, mas antes entre melhores e piores impostos e, neste campo, os impostos indirectos (ainda que menos incensados) podem ser óptimos impostos!

É assim que impostos do tipo IVA de matriz comunitária apresentam potencialidades reconhecidas ao nível da eficiência económica na produção, bem como maior neutralidade vis-à-vis as decisões de poupar, investir ou trabalhar, não penalizam (na maioria dos casos) a competitividade externa da indústria nacional, para além de serem, como se prova, impostos bastante produtivos financeiramente.

Por outro lado, a existência de taxas distintas de imposto em função da (dita) essencialidade dos bens e serviços consumidos, poderá contribuir para minimizar alguns dos seus conhecidos efeitos de regressividade face ao rendimento.

Também, e no caso dos impostos especiais, a penalização e desincentivo aos consumo de certos bens considerados socialmente menos desejáveis, poderá transformá-los em indutores eficazes de alteração nas escolhas ineficientes ou mal informadas de consumidores e produtores, quando não em instrumentos de equidade ao promoverem a concretização do «princípio do utilizador- pagador» ou do «poluidor-pagador».

E ao tributarem manifestações de capacidade económica traduzida na aquisição de certos bens de valor considerável, como veículos ou barcos, por ex., ambos (IVA + IEC’s) contribuem frequentemente para corrigir «lacunas» na tributação do rendimento. A este título, é interessante recordar que, no longínquo ano de 1976, um estudo sobre incidência fiscal em Portugal efectuado por Tanzi e Wulf apontava, no sistema fiscal da altura, os impostos especiais sobre o consumo como uma das poucas manifestações de progressividade fiscal efectiva...

É evidente que, «nem tudo são rosas» no âmbito desta maioria, nomeadamente, em sede de IVA..., mas a isso voltaremos em próximo artigo.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio