Opinião
Princípios (estratégicos), meios e fins
Um dos maiores desafios que assola as empresas, de pequenas e locais a grandes multinacionais, é como dar aos seus funcionários uma orientação estratégica e, ao mesmo tempo, estimulá-los a assumir riscos e a manter flexibilidade no dia dia-a-dia. Uma resp
Um dos maiores desafios que assola as empresas, de pequenas e locais a grandes multinacionais, é como dar aos seus funcionários uma orientação estratégica e, ao mesmo tempo, estimulá-los a assumir riscos e a manter flexibilidade no dia dia-a-dia. Uma resposta passa por desenvolver e divulgar um princípio estratégico – uma síntese da estratégia empresarial ou corporativa que, de forma directa e incisiva, orienta a organização e concede poderes aos empregados.
Todos conhecemos os benefícios de tomar decisões fora do alcance do CEO, longe da casa-mãe, dos administradores e directores. Há oportunidades de negócios fugazes que se captam, há mudanças súbitas nas preferências dos clientes que podem ser introduzidas mais rapidamente nos produtos e serviços. Na verdade, empregados investidos de poder de decisão estão mais motivados e inclinados para inovar, assumindo riscos com maior naturalidade.
No entanto, se esta abordagem agrega valor de forma clara e objectiva, especialmente em mercados e contextos de alta volatilidade e instabilidade, também acarreta riscos implícitos: uma organização onde qualquer empregado é por definição um decisor, pode eventualmente sair fora do controlo. Dentro de uma mesma organização, é uma "arte" atingir um equilíbrio perfeito entre duas dimensões aparentemente incongruentes: alcançar um patamar de tomada de decisões descentralizadas e, simultaneamente, manter uma abordagem estratégica coerente e robusta. Ainda assim, algumas empresas – GE, Dell, Wal-Mart, eBay – têm conseguido alcançar este nível de equilíbrio.
Estas empresas empregam o que designamos por princípio estratégico: uma frase forte, carregada de "acção" e que traduz a essência da estratégia empresarial – e não os produtos ou serviços que vende! -, comunicada de forma inequívoca por toda a organização (para exemplos de princípios estratégicos de diferentes organizações, basta lembrar a divisa da Jerónimo Martins na Polónia, com a Biedronka: "O preço mais baixo todos os dias"; ou o "Ser o número um, ou número dois em qualquer indústria na qual competimos, caso contrário desinvestir" da GE). Na Bain, temos um princípio claríssimo desde a nossa fundação em 1973: "Results, not Reports." Entregamos resultados e não relatórios. E todos sabemos isto, de Pequim a Lisboa, de São Francisco a Joanesburgo, de São Paulo a Moscovo, de analista recém-entrado a sócio.
Estas frases, embora não se autoproclamem princípios estratégicos, servem exactamente como guias e referências para que a organização paute o seu dia-a-dia em linha com os seus objectivos estratégicos, entendidos estes como um todo. Ao longo de mais de 50 conversas com diferentes CEOs durante os últimos anos, aprendemos a apreciar cada vez mais a força e o poder desta ferramenta: o princípio estratégico.
Para entender melhor o que é na prática o princípio estratégico e como ele pode ser usado, talvez seja útil desenvolver uma analogia com as actividades militares. Na verdade, é útil entender como se transmitem as ordens às tropas numa batalha. Por exemplo, nas batalhas do século XVIII na Grã-Bretanha, (comandadas pelo famoso Almirante Nelson), havia um princípio estratégico em jogo: "posicione-se lateralmente em relação ao navio inimigo."
As doutrinas de guerra da marinha britânica, a sua formação e experiência garantiam superioridade em relação ao inimigo cada vez que se entrasse numa batalha "um contra um". Assim sendo, Nelson abandonou uma prática adoptada por outros almirantes, a qual se traduzia em controlar e orientar os seus subordinados noutros navios por meio de sinais de bandeiras. Nelson deu parâmetros diferentes aos seus subordinados, que sabiam que a batalha "um contra um" era a melhor escolha, deixando-lhes as decisões de como o fazer e ignorando o uso das bandeiras – o que classificava como sendo pouco eficiente. Ao adoptar este princípio estratégico, Nelson derrotou, de forma implacável, os seus inimigos. A regra de entrada na batalha ("um contra um" posicionado lateralmente em relação ao inimigo) criada por Nelson era suficientemente simples para que todos os seus subordinados, de oficiais a marinheiros, a entendessem de forma clara e inequívoca.
Obviamente, uma estratégia brilhante não vale absolutamente nada se não for implementada. Da mesma forma, um princípio estratégico brilhante também não vale nada se não for comunicado e disseminado. Quando Jack Welch (o ex-CEO da GE) falava sobre alinhar os empregados da GE aos princípios e valores estratégicos da empresa, colocava a tónica na necessidade de que tudo fosse feito com coerência, consistência, objectividade, simplicidade e de forma repetitiva. Esta abordagem – cabe frisar, chave – não é complexa, porém, requer uma enorme disciplina. Jack Welch catequizou a GE com o seu princípio estratégico "...ser o número um, ou o número dois..." de tal forma que até indivíduos fora da GE o conhecem – estudantes de MBA, professores, jornalistas, autores de livros.
Sendo conseguidos, os princípios estratégicos eficazes permitem que uma empresa atinja, em simultâneo, quatro fins invejáveis: (1) Manutenção de um enfoque estratégico; (2) Oferta de poderes aos empregados para que tomem decisões e corram riscos; (3) Captação de oportunidades únicas; e (4) Criação de propostas de valor (via serviços e produtos) que atendam às necessidades reais e directas dos clientes.
Um teste ácido para o seu caso pessoal. Sentir-se-ia orgulhoso de ter o seu princípio estratégico pintado nas portas dos seus camiões, como faz a Wal-Mart, ou como tag debaixo do nome do seu banco em todas as suas referências? Se hesitou, sugiro-lhe propor o repensar do princípio estratégico da sua empresa.
Senior Principal da Bain & Company
joao.soares@bain.com