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Os quatro modelos possíveis para a banca pós-apocalipse

A banca continua a estar no centro do furacão da tempestade económica: em todo o mundo, os anúncios de resultados e novas surpresas sacodem os mercados de capitais.

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A banca continua a estar no centro do furacão da tempestade económica: em todo o mundo, os anúncios de resultados e novas surpresas sacodem os mercados de capitais. Em Portugal, os lucros dos três maiores bancos nacionais cotados (BCP, BES e BPI) caíram cerca de 50% face a 2007 (754 milhões de euros em 2008, contra 1.5 mil milhões em 2007). Depois da poeira assentar, o mundo da banca será provavelmente muito diferente do que conhecemos até hoje e Portugal não deverá escapar à onda de mudança.

No curto prazo, a procura por parte de clientes e a oferta de capital (solvência, liquidez e ambiente creditício) serão os motores de sucesso (e, naturalmente, de insucesso) do mercado bancário. Vive-se um modelo bancário influenciado pelos governos (Governance) de "regresso às origens": largar o exotismo (tóxico ou não), assentar numa lógica de depósitos e concessão de crédito, e apoiar as PME e as famílias.

Num horizonte mais lato, a um médio prazo, poderemos ter vários panoramas do que será a banca, em função da evolução das variáveis de políticas de sector (e regulamentação), regulação, estrutura de sector e modelos de negócio de sucesso. Neste médio prazo, poderemos ter quatro cenários, entre dois cenários extremos, de nacionalização total da banca (cenário 1) e de laissez-faire, desregulamentado de economia de mercado (cenário 4). Num gradativo de redução do papel dos Estados, o cenário 2 corresponde à manutenção do cenário de curto prazo, e o cenário 3 corresponde a um modelo "reprivatizado", conduzido pelo aumento de procura.
Em cada um destes cenários, o posicionamento relativo dos bancos pode ser medido em dois eixos: por um lado, o seu grau de exposição geográfica (sendo que a presença em mercados emergentes por parte de bancos ocidentais será alvo de particular escrutínio); por outro, o leque de serviços oferecido, com particular ênfase na vertente de produtos de gestão de patrimónios e do peso da banca de empresas, a par da complexidade da sua oferta.

Os bancos portugueses estariam no quadrante inferior direito, com reduzida presença internacional e um peso relativamente baixo de banca de empresas na sua actividade. Por exemplo, o BCP teria maior exposição geográfica do que a CGD; e o BES e o BPI teriam maior peso relativo da banca de empresas e de gestão de patrimónios. Comparativamente, o Santander teria uma forte presença global, mas estaria ao nível dos bancos portugueses em termos de leque de produtos. No canto superior direito (forte presença internacional e vasto leque de produtos), estariam bancos como o Citi, ou o Deutsche Bank. No quadrante de reduzida presença geográfica e vasto leque de produtos, estariam o Bank of America/Merrill Lynch ou o RBS. Bancos como o HBOS/Lloyds ou o Wells Fargo também estariam no quadrante inferior direito.
Vejamos cada cenário.

O primeiro cenário corresponde à nacionalização do sistema bancário. Poderá acontecer por arrastão se houver um pânico generalizado e os países com bancos com grande exposição geográfica e/ou de produto os nacionalizarem. Para a maior parte do mundo ocidental, será um choque desconhecido nas gerações vivas. Para Portugal, nem por isso: corresponderá a ter o sistema bancário nacionalizado, com os vários bancos praticamente iguais, numa óptica de "utility". Haverá uma re-concentração geográfica nos mercados de origem dos protagonistas pouco globalizados, com uma forte redução da exposição a mercados emergentes (vistos como de maior risco) e consolidação forçada pelos reguladores.

O segundo cenário, influência significativa dos governos, configura uma maior concentração geográfica de cada banco, implicando a venda de activos em múltiplas geografias (com a consequente concentração) e a redução de portefólio de produtos. A maior parte dos grandes bancos convergirá para o centro dos quatro quadrantes, num modelo mais tradicional de regresso às origens da actividade bancária, e a grande corrida será à obtenção de escala local.
O terceiro cenário, "re-privatização", verá o regresso fulgurante do banco universal, com redução de leque de produtos à medida que os bancos se retiram dos produtos mais exóticos, com a existência de especialistas geográficos e/ou de produto. O ritmo do regresso será dependente dos governos, com a escala no mercado de origem a ser o factor-chave de sucesso e de maior consolidação antes da "re-privatização".

O quarto cenário, de liberalização, verá múltiplos modelos de sucesso: teremos os locais universais; os locais "básicos" (e.g., Lloyds/HBOS), apostando em depósitos e no apuramento das decisões de concessão de crédito/pricing do risco; os bancos multi-mercado/multi-produto (e.g., JP Morgan); os especialistas globais mono-produto (e.g., UBS no "Private Banking"); e os bancos universais globais (e.g., Citi, HSBC). Este será o cenário mais similar ao que se conhecia em 2007.

Ainda é cedo para dizer com certeza qual vai ser o modelo prevalecente. Com maior probabilidade, estaremos nos cenários três ou quatro. A chave, para a Bain, está na acção por linha de negócio para cada banco: no Retalho, na Banca de Empresas, na Gestão de Patrimónios e na Banca de Investimentos. Quem ganhará a guerra será quem consiga coordenar estratégias defensivas e ofensivas: defensivas, começando por restaurar a imagem da marca (TIER 1, etc.), reduzir custos (muito por via da redução de complexidade), reforçar a lealdade dos clientes (conseguindo relançar a confiança nas aplicações financeiras - em particular, nos segmentos afluente e de massa mais elevado, que exigiram respostas criativas recentemente), e ajustar a gestão de risco (os novos modelos são surpreendentes); ofensivas, particularmente na clarificação da estratégia e na captura de quota de mercado.

Desde Setembro, os movimentos que temos acompanhado são provas do extraordinário dinamismo e capacidade inventiva de vários bancos que se estão a posicionar como vencedores. A vitória não se conquista depois da poeira assentar.



Partner da Bain & Company
joao.soares@bain.com
Coluna mensal à segunda-feira

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