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Não maltratem os clientes!

As épocas de crise económica criam o caos nas relações com clientes. Assiste-se ao corte profundo de custos, o qual põe em causa os níveis de serviço e compromete as rentabilidades e níveis de investimento futuro de indústrias inteiras. Ao mesmo tempo...

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As épocas de crise económica criam o caos nas relações com clientes. Assiste-se ao corte profundo de custos, o qual põe em causa os níveis de serviço e compromete as rentabilidades e níveis de investimento futuro de indústrias inteiras. Ao mesmo tempo que despedimentos e congelamentos de salários desmoralizam os colaboradores, para compensar receitas perdidas, as empresas procuram novas formas de cobrar serviços e mais comissões que levam os clientes a sentirem-se explorados.

Alguns gestores consideram que estes abusos aos seus clientes são danos colaterais da crise, estando os concorrentes a fazer o mesmo. O que a investigação da Bain revela é que os efeitos negativos da perda de confiança dos clientes podem ser profundos e durar muito tempo.

Inversamente, os efeitos da lealdade são ainda mais fortes num cenário de crise: clientes leais custam menos a servir. Habitualmente, concentram mais dos seus gastos com as empresas em que confiam e que os tratam bem. É, pois, muito menos provável que se tornem desertores do que os consumidores que se limitam a olhar para o desconto imediato (e imediatista).

Adicionalmente, os clientes fiéis ajudam a "esticar" os euros gastos em marketing: a sua referenciação a amigos e colaboradores proporciona uma empresa com mais clientes que partilham dos mesmos valores, estabelecendo as bases para o crescimento quando se verificar a retoma.

Estas poderosas vantagens da lealdade dos clientes ajudam a explicar por que é que as maiores alterações de quotas de mercado ocorrem em momentos de crise. Muitas empresas saem-se bem quando o nível de gastos e consumo aumenta e a economia está em expansão.

Mas quando o consumo cai, as empresas que se enfocaram a proteger e fazer crescer os seus segmentos de clientes mais leais e rentáveis conseguem frequentemente estabilizar os seus negócios. Podem até atrair novos clientes, enquanto os seus concorrentes vacilam.

Até ao declínio dos mercados accionistas em 2008, por exemplo, as empresas gestoras de fundos de praticamente todas as índoles tiveram crescimentos bastante prósperos. Muitos investidores perseguiram remunerações altíssimas, e muitas gestoras de fundos foram oferecendo um vasto leque de produtos. Com a queda das remunerações, os clientes rapidamente saíram dos mercados. Só em Portugal, de acordo o presidente da Euronext Lisbon, a redução do valor da Bolsa de Lisboa foi de 51,2% em 2008 e outros 9,25% nos primeiros dois meses de 2009.

Esta situação não foi, no entanto, generalizada. Nos Estados Unidos, a Vanguard, pioneira dos investimentos em índices de mercado, manteve o seu enfoque em conter custos a níveis baixos, oferecer fundos com estratégias claras e fáceis de entender, e manter um nível de serviço notável. Esta forma de encarar o negócio já deu dividendos nesta crise (passe a expressão): em 2008, a Vanguard bateu os concorrentes, obtendo um aumento de fundos líquido de 71 mil milhões de dólares norte-americanos, comparado com um resultado de redução líquida de 225 mil milhões para o resto da indústria, segundo o "Investment Company Institute". E assim, a Vanguard continua a ganhar quota de mercado, tal como tinha feito nas contracções de mercado dos últimos 25 anos.

Não se deve, porém, subestimar a dificuldade de manter a lealdade dos clientes num cenário de crise. Praticamente todos os clientes, incluindo os mais leais, apresentam uma sensibilidade ao preço maior do que antes. Rivais agressivos vão tentar atraí-los com descontos e preços muito baixos. Se a sua empresa for líder de mercado (quem habitualmente estabelece os níveis de preço) ou o produtor mais eficiente da indústria (logo, com custos unitários de produção mais reduzidos), pode não dever, ou conseguir, acompanhar essas reduções de preço. Aliás, essa, provavelmente, não será a melhor estratégia de qualquer forma. A maior parte dos compradores, sejam eles empresas ou particulares, compra valor, não apenas preço. Mais uma vez, as definições não são simples e exigem algumas considerações estratégicas: como é que evoluíram as preferências dos clientes? Quanto tempo é que essas alterações vão durar? É possível apelar às suas novas necessidades sem diluir implacavelmente as vantagens competitivas da sua empresa?

Na nossa experiência, as empresas que são eficazes a responder a estas questões e reforçam a lealdade numa crise partilham várias características:
1 - Afastam-se claramente de armadilhas perfeitamente letais, tais como tentar apelar a todo e qualquer tipo de cliente, muitas vezes através de políticas agressivas de descontos, corte indiscriminado de custos e redução de investimentos em inovação orientada às necessidades dos clientes;
2 - Evitam confusão relativamente a quem são os seus clientes-chave - aqueles que se revelam mais relevantes para o sucesso do seu negócio - e selectivamente acrescentam segmentos e clientes que acrescentam e reforçam o seu alvo sem diluírem a marca ou aumentarem a complexidade de gestão e custos;
3 - Garantem que esses clientes têm as melhores experiências possíveis onde realmente importa.

Este é o momento em que as empresas procuram qualquer vantagem para brandir como arma numa economia difícil: clientes maltratados têm uma memória longa e um alcance ainda maior entre familiares e amigos; manter clientes leais no centro das atenções pode fazer - e faz - uma diferença crítica, agora e, especialmente, no longo prazo.


Partner da Bain & Company
joao.soares@bain.com
Coluna à segunda-feira

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