Opinião
Presidente de nós
Neldon Mandela: «Procuro chegar sempre a horas a todos os compromissos. Quem se atrasa, rouba a coisa mais preciosa dos outros: o tempo. E esse, é um tesouro de vida que só Deus nos deveria poder retirar».
O homem alto e magro levantou-se no banco de madeira, corrido, do tribunal. O cabelo grisalho a brilhar na luz fria da manhã de Inverno, que se esgueirava na sala, através das janelas altas.
O início da audiência estava marcado para as nove, mas ele, rigoroso e invariavelmente pontual, entrara na sala ao bater das oito e trinta, hora limite de entrada do público, imposta pela segurança, naqueles dias reforçada.
Nelson Mandela insistira em estar presente em todas as sessões do processo de divórcio aberto contra sua mulher, Winnie Mandela, apesar de o cargo de Presidente da África do Sul o isentar dessa formalidade.
«Ninguém, muito menos o Presidente, pode ser isentado da sua condição de ser humano, da dignidade que deve ao mais frágil dos seus concidadãos e, muito menos, transformar um cargo de responsabilidades e obrigações num de benefício próprio e arrogância» – sustentou Mandela, ao recusar a sugestão de escusa presencia. Naquela manhã, Mandela escutou as provas documentais das sucessivas infidelidades da sua mulher, o abrir de um livro de traições, mentiras e ilegalidades que o deixaram, nas suas palavras, «o homem mais só do Mundo».
Winnie negou o que despiam as suas próprias cartas, trocadas com o amante, e pediu ao juiz que seguisse a prática tradicional Xhosa (tribo de origem do casal) de remeter o casamento à mediação dos sábios, dos mais velhos.
Depois, sentou-se no mesmo banco onde nós, os poucos jornalistas admitidos (por limitações de espaço) na sala, íamos seguindo o desmontar de uma relação que sobrevivera a quase três décadas, de uma separação forçada pelo encarceramento de Mandela.
Uma fila à nossa frente, o primeiro presidente negro da África do Sul rogou ao magistrado que se contentasse com as provas já submetidas, concedendo o divórcio sem a lavagem de mais roupa suja, cujas águas só iriam manchar, ainda mais, a dignidade de toda a gente.
«O homem mais só do mundo», sairia divorciado, mas muito menos só, no final daquela tarde.
No átrio do tribunal supremo de Rand, uma multidão de advogados, juízes, queixosos e acusados noutros processos, quase se imobilizou antes de abrir alas para o deixar passar.
Mandela sorriu-lhes e pediu desculpa por lhes perturbar o dia: «Sabem, se alguma coisa aprendi na prisão, é que o tempo, é a coisa mais importante na vida dada por Deus, uma só uma vez, e nunca mais volta para trás».
Mais tarde, no «briefing» semanal das sextas-feiras com jornalistas, concretizaria: «É por isso que procuro chegar sempre a horas a todos os compromissos. Quem se atrasa, rouba a coisa mais preciosa dos outros: o tempo. E esse, é um tesouro de vida que só Deus nos deveria poder retirar».
Só que, no Planeta Terra, nós temos os líderes que elegemos, entre os políticos que nutrimos, com os valores que praticamos.
Ou seja, a pontualidade é um sinal de auto-desvalorização perante o interlocutor e os cargos de liderança pública mais parecem fatos de «design», para acesso a palcos onde se proferem inanidades para consumo e citações mediáticos.
Cá por mim, desculpem lá qualquer coisinha, prefiro a que já chamámos de «cafrearia». Senão leiam: «Como líder, sempre segui os princípios que pela primeira vez aprendi com o Regente do Grande Lugar. Sempre tentei escutar todos e cada pessoa numa discussão, antes de avançar a minha própria opinião. Frequentemente, a minha opinião representa simplesmente o consenso do que escutei na discussão.
Recordo-me sempre do axioma do Regente: «O líder é como um pastor. Fica por detrás do rebanho, deixando os mais débeis ir à frente e os outros seguem-nos não se apercebendo que todos eles são conduzidos por detrás».
Nota; citação retirada da autobiografia «Long Walk to Freedom» da Editora Macdonald Purnell.
Mandela fala na primeira pessoa sobre a condução das reuniões de sábios da sua tribo, os Tembu, a que assistiu na sua meninice.