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13 de Dezembro de 2006 às 17:29

Orgulhosamente Nós

É apenas e só, de longe, o mais conseguido instrumento de promoção do nosso património e da auto-estima portuguesa mas, paradoxalmente, ignorado pelo Estado, apesar de ter saído a custo zero aos contribuintes.

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É apenas e só, de longe, o mais conseguido instrumento de promoção do nosso património e da auto-estima portuguesa mas, paradoxalmente, ignorado pelo Estado, apesar de ter saído a custo zero aos contribuintes.

Não acredita? Eu também não, até ter ido ao Padrão dos Descobrimentos, tropeçar, por milagre, na "Lisbon Experience", uma exposição (notável) de multimédia que ali é projectada diariamente, de forma quase clandestina, tal o alheamento que lhe é votado pelos autarcas e nossos governantes.

E imaginem que este projecto custou mais de 600 mil euros a um mecenas privado, que acreditou ir despertar, pelo menos, o interesse e correspondência do Estado, ao municiá-lo, sem quaisquer encargos, de um instrumento sofisticado de indiscutível serviço público.

Carlos Fogaça investiu pelas "Brumas da Memória" (empresa autora do projecto) a receita da venda da sua quota de fundador da "Produções Fictícias" e tinha uma visão clara no desenho da "Lisbon Experience";

- "Sabia que o audiovisual de qualidade era a linguagem mais universal para transmissão da História e da Cultura portuguesas aos portugueses (ensino e auto-estima) e a todos os que nos visitam (turismo cultural - o perfil de Portugal nos destinos turísticos da Europa)" - explica-nos.

Foi assim que sonhou e produziu um projecto tornado quixotesco pelo alheamento dos tutelares do Estado, que nunca inseriu uma única visita ao projecto em qualquer agenda mediática ou mediatizável.

Para atirar a nossa História das "Brumas da Memória" para o deslumbramento dos visitantes, Fogaça encomendou a Luis Cília a composição de uma banda sonora original, uma intervenção que contou ainda com uma pesquisa histórica na área da música assinada por Pedro Caldeira Cabral.

E isto enquanto pedia ao Professor Miguel Monteiro (vice-presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras de Lisboa) que fizesse um levantamento dos 50 principais factos históricos que marcaram a vida da capital (posteriormente tratados no texto e na evolução narrativa por Carlos Fogaça e José Júlio Lopes).

A partir dali e ao longo de dois anos desenvolveu-se um trabalho exaustivo e rigoroso, com invulgar fôlego em Portugal, em que foram tiradas mais de dez mil fotografias de barco, helicóptero e a pé e filmadas dezenas de horas de imagens em vídeo.

- "Fizemos três incursões de helicóptero para zonas distintas da cidade ( em dias diferentes por causa da luz), um "travelling" de barco desde a Expo até Pedrouços, parámos um barco em frente da Praça do Comércio, para se fotografar o Terreiro do Paço (sem pessoas nem carros) com o mesmo ponto de vista do desenho do tempo do Marquês de Pombal, para a reconstrução da cidade pós terramoto" - explica Fogaça.

- " Para se mostrar a "baixa" de reconstrução geométrica e a grande porta de entrada na cidade, voltámos depois a encerrar a Praça do Comércio para colocar ali a maior grua que existe em Portugal (cerca de 60 metros de altura)".

Restava então garantir que o palco da mostra, o anfiteatro do Padrão dos Descobrimentos, estava à altura do projecto; - "Investimos no melhor que há - o mesmo equipamento audiovisual que a Madona usa nos concertos!" - ilustrou o produtor.

" Foi um investimento de cerca de cem mil euros para equipar o auditório que não tinha equipamento de som e de projecção preparado para a qualidade deste projecto e que tem ainda a vantagem de permitir a actualização permanente de conteúdos (mantendo o projecto sem envelhecimento nem desactualizações uma vez que qualquer novo evento em Lisboa pode ser imediatamente introduzido).

Graças a um sistema de tradução simultânea (previamente gravado) o texto pode ser seguido pelos visitantes, através de auscultadores, em português, espanhol, francês, inglês, italiano, alemão e "pequenês" (versão para crianças e ocupação dos tempos livres das famílias) e estão a ser preparadas versões em japonês, russo e chinês.

O pior foi e continua a ser, até hoje, o cumprimento do acordo apalavrado com o município, para divulgação e promoção de um tesouro nacional conquistado a custo zero.

- "No acordo com a Vereação da Cultura, nesse tempo gestora do Monumento, ficou estabelecido que a "Brumas" pagava 10% das receitas à CML (à então criada EGEAC - empresa municipal que gere o Padrão) e, em contrapartida a CML fazia a divulgação do projecto e a articulação com as estruturas de turismo (ATL - Associação de Turismo de Lisboa) e com as escolas da cidade" - explica Fogaça.

- "Desta divulgação e articulação é fácil verificar o resultado; Durante o ano de 2006 nem sequer na Agenda Cultural o projecto era referido"!

Uma experiência que leva o mentor do projecto a fazer uma denúncia frontal e fundamentada;

- "Num país de não respostas, só se encontra Mecenato Cultural quando as empresas privadas apoiam as actividades culturais tuteladas pelo Estado. Muito poucos são os exemplos de Mecenato Cultural no qual o Estado não esteja envolvido como beneficiário!

"A partir do momento em que o Estado é usufrutuário do Mecenato as regras de mercado da Cultura ficam viciadas: como pode um projecto cultural privado combater o Estado na visibilidade (e outros benefícios e favores) que este pode dar a um mecenas?"

Por outras palavras: não existe mecenato cultural! existe uma forma que o estado encontrou de se auto financiar nas suas actividades culturais e que os privados aproveitam para, com benefícios fiscais, terem mais visibilidade e notoriedade do a que teriam com uma campanha de publicidade.

E a solidez desta análise é bem traduzida pelo facto de na maioria das grandes empresas, o apoio às actividades culturais, ao abrigo da Lei do Mecenato, ser tratado pelas respectivas direcções de "marketing" ou por departamentos dependentes dessas direcções.

- "Só passará a existir efectivo mecenato quando o Estado não puder beneficiar dele!"- sublinha o produtor.

- "Continua a haver a ideia que o interesse público é um exclusivo do Estado e que sempre que um privado produz algo que possa ter carácter de serviço público ou "é um capitalista que busca o lucro selvagem" ou se está a intrometer nas funções do Estado deixando a descoberto o que o Estado deveria fazer mas não faz.

- "O agente privado na cultura torna-se assim persona non grata porque toca na incompetência do gestor público, independentemente do interesse público que o conteúdo do projecto possa ter" - denuncia Carlos Fogaça.

Resta ver a resposta dos destinatários desta denúncia, a factos que ainda estão mais do que a tempo de remediar, a não ser que escolham assentar-lhes mesmo a carapuça de serem sustentados por nós para benefício próprio e não dos contribuintes que os alimentam.

Oxalá que a "Lisbon Experience" se torne uma nova experiência, no estar público português, quanto mais não seja para mostrar uma imagem mediática, digna e eficaz, da nossa identidade, quando Portugal assumir a presidência rotativa da União Europeia.

E a custo zero para os contribuintes!

Aceite a provocação; vá ver, no auditório do Padrão dos Descobrimentos, junto ao Rio Tejo; E espante-se!

Jornalista da RTP, Especialista em Assuntos Africanos

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